É bem verdade que o reino de Deus não é deste mundo, entretanto enquanto sua igreja estiver aqui edificada, deverá observar as leis justas postas pelos homens, afinal, a própria bíblia orienta para que estejamos sujeitos às autoridades, pois elas foram escolhidas por Deus.
A questão é que muitas “igrejas” (entenda-se no sentido amplamente usado para referir-se à denominação e ao templo) estão descumprindo tal mandamento, e nem precisa sermos criteriosos para confirmar tal assertiva.
Começaremos pelos atos constitutivos. Infelizmente há muitas igrejas sem personalidade jurídica pois constituem igrejas de “fundo de quintal”, onde o estado não as reconhece por não terem os membros a preocupação em legalizá-las, não possuindo sequer CNPJ, exigência da lei tributária. Entretanto, algumas tem até o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, todavia não possuem um estatuto que possa dirimir as principais questões comuns da vida civil, dando possibilidade de o juiz decidir os litígios a ele levados pela simples aplicação do direito positivado, sem sequer analisar a vontade da coletividade ligada pela fé.
Quanto ao direito laboral, as igrejas não tem prazer na lei promulgada com a bênção do Senhor. As relações trabalhistas são inobservadas, principalmente no que tange ao vínculo empregatício e a jornada de trabalho. Geralmente os zeladores e secretárias das igrejas não são registrados e quando são cumprem jornadas de trabalho exorbitantes, sem falar numa outra questão que qualquer agente da fiscalização logo enquadraria é quanto aos serviços ditos voluntários: a pessoa que fica responsável por “afazeres” de forma contínua, pessoal e cumprindo ordens do pastor ou presidente, possui todas os requisitos do vínculo, ainda que não seja oneroso.
Quanto às normas de segurança, os códigos foram jogados na fornalha de fogo, senão vejamos. Todo estabelecimento tem de possuir saídas que facilitem a retirada de urgência, não se admitindo portas trancadas e de tamanho comprometedor; todo estabelecimento deve possuir extintores de incêndio devidamente posicionados, vistoriados e dentro da validade, sendo importante informar que cada área do tempo precisa de um extintor específico; todo estabelecimento deve ter uma caixa de primeiros socorros; todo estabelecimento deve ter banheiros separados por sexo e proibido terminantemente o uso de toalhas coletivas. Muitas entidades religiosas desconhecem tais normas.
No tocante ao membros, a chamada “exclusão de rol de membros” deve ser cercada dos cuidados legais, sendo passível de ação judicial tanto a chamada “exclusão por quebra de tal mandamento”, quanto a admissão de menores, sem que tenham a devida autorização dos responsáveis, afinal, os mesmos poderão ser citados numa ação judicial, onde houver responsabilização de membros onde o menor seja arrolado (ainda que nas ações judiciais quem figura em um dos pólos seja a pessoa jurídica). Mas nada impede uma questão pessoal, onde há possibilidade de citação de determinado membro, por exemplo por ação onde houver acusação difamação, por exemplo.
Algo que se encontra cada vez menos presente, mas que já gerou muita discussões e que levou muitas “igrejas” aos tribunais é a questão envolvendo o silêncio. Muitas “igrejas” preocupadas tão somente de prestarem seus cultos, esqueciam do amor ao próximo no sentido de considerar a individualidade e necessidade alheias, permanecendo com o som alto até tarde a ponto de acabarem com sossego de seus vizinhos e derrubarem os muros da paciência, das lamentações e da boa convivência. Todos têm direito ao meio ambiente saudável.
Todas as “igrejas” possuem uma obra quer seja de edificação, reforma ou restauração do templo: são as famosas obras de igreja que, na sua grande maioria, por possuírem recursos limitados, ultrapassam (e em muito) o cronograma original. Mas a inobservância quanto ao ordenamento pátrio encontra-se na falta de autorização do poder público para sua realização, na falta de EPI – Equipamento de Proteção Individual (e até coletivo), bem como nas demais normas de segurança e saúde aplicadas ao pessoal que trabalha na mesma, esquecendo do conselho que se deve vigiar sem cessar, pois os acidentes não marcam hora para acontecer. As “igrejas” não podem esquecer que possuem responsabilidades mesmo quando terceirizam seus serviços.
Para concluir, ainda existem três aspectos ignorados pela maioria esmagadoras dos irmãos. O primeiro é no tocante às obrigações acessórias. Ainda que haja imunidade tributária quanto ao templo e algumas isenções dependendo do sujeito ativo, as obrigações acessória (como o dever de atualizar o cadastro junto à municipalidade) pelo seu simples descumprimento, torna-se em obrigação principal referente ao pagamento. E não sendo satisfeita a obrigação principal há a devida inscrição em dívida ativa, constituindo título executivo fiscal (!). O segundo (nem por isso menos importante) está relacionado ao comércio na casa do Senhor. Longe de o caso ser tratado com chicotes e expulsão dos “comerciantes”, a questão perpassa pelo seguinte crivo: cantina, exposição e venda de livros, revistas e periódicos são atividades secundárias e possuem legislação própria. A “igreja” será responsabilizada se o produto de sua cantina vier a provocar um problema de saúde ou se a vigilância sanitária comprovar que os padrões geralmente aceitos foram descumpridos ou se ainda não houver o devido alvará de funcionamento; idem se a venda não for com emissão de nota fiscal ou se inobservado o direito de autor, por exemplo.
O terceiro (mas não derradeiro, por serem possíveis diversas abordagens desconsideradas neste ensaio) é no tocante a diferença esquecida no que tange ao templo e a casa pastoral ou do zelador. Somente o templo goza de imunidade, sendo cabível os imposto que incidem sobre as demais edificações, ainda que a doutrina divirja da questão.
Vale a pena observar o direito, pois é com base nele que se exige a liberdade de culto, a liberdade de expressão, a liberdade de se professar qualquer fé. A questão é: daí a César o que é de César e daí a Deus o que é de Deus. Observemos a lei de Deus, mas não rasguemos a lei dos homens, pois a lei é dura, mas é lei.