Imaginemos uma relação entre comerciantes onde as trocas comerciais são intensas e por isso precisam de celeridade. Nestas situações é requisito fundamental que tanto comprador quanto vendedor possam resguardar seus direitos em caso de inadimplemento de qualquer espécie.
Visando facilitar as trocas mercantis, o direito foi obrigado a abrir mão do formalismo das relações civis, para conferir a dinâmica inerente às soluções dos conflitos decorrentes das trocas cambiais.
Ocorreu neste contexto o surgimento dos chamados títulos mercantis, visando promover garantias aos negócios empresariais e consignar documentalmente a existência de uma relação débito/crédito.
Dentro dessa gama de possibilidades, analisaremos neste estudo uma espécie de título de crédito chamada duplicata mercantil, que encontra-se regulamentada em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 5474/68.
De forma sucinta e direta, intentamos registrar as principais características e institutos decorrentes desta. Além disso, passaremos à análise de sua utilização na prática, tanto por comerciantes, quanto por operadores do direito, quando há litígio envolvendo a matéria.
Para melhor entendimento, explanaremos a cerca das duplicatas mercantis e, ao fim, faremos as considerações necessárias sobre os títulos de crédito sobre prestação de serviços.
Duplicata Mercantil
a) Origem histórica
A duplicata mercantil é criação do direito brasileiro, inaugurada pelo Código Comercial de 1850 em seu artigo 219, dispositivo hoje revogado. Nas trocas comerciais daquela época, o vendedor era obrigado a extrair duas vias do rol de mercadorias comercializadas, ficando uma para o comprador e a outra para o vendedor.
Era exatamente a cópia assinada pelo comprador que ficava em posse do vendedor documento hábil para a cobrança judicial do valor da venda, nascendo desta feita o título de crédito conhecido como duplicata mercantil.
b) Conceito
Pode-se defini-la como o saque do empresário contra o comprador de mercadorias a prazo, baseando-se em uma ou mais notas fiscais, o empresário extrai a fatura, sendo a duplicata, praticamente, a sua cópia. Não uma mera reprodução, mas um documento para o empresário fazer circular. É a fatura, o documento do contrato de compra e venda mercantil, que enseja a emissão da duplicata, definindo-a como título causal, pois está sempre ligada à relação jurídica que lhe deu origem.
c) Regime Jurídico
Atualmente, este instituto do direito cambiário encontra-se regulamentado pela Lei nº 5.474/68, conhecida como Lei das Duplicatas.
Diferentemente de alguns títulos de crédito, a duplicata mercantil possui grande uso nas trocas comerciais modernas. Grande parte disso se deve à própria Lei das Duplicatas, que em deu art. 1º descreve como obrigatória a extração, por parte do vendedor, de fatura relativa ao contrato de compra e venda mercantil, contendo o rol de produtos comercializados, entregando-a ao comprador, salvo quando o prazo for inferior a 30 (trinta) dias.
A partir desta fatura poderá ser extraída a duplicata, com intuito de fornecer uma garantia ao vendedor em caso de inadimplemento, sendo vedada a emissão de qualquer outro tipo de título comercial. Importante lembrar que o empresário que emite duplicata mercantil está obrigado a escriturá-la em livro específico: “Livro de Registro de Duplicatas”, em consonância com o disposto no art. 19 da Lei supracitada.
d) Requisitos
Para adquirir plena validade jurídica, a cártula que representará a duplicata deverá obedecer alguns requisitos previstos no diploma legal, são estes: a) a denominação “duplicata”, a data de sua emissão e o número de ordem; b) o número da fatura; c) a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; d) o nome e domicílio do vendedor e do comprador; e) a importância a pagar, em algarismos e por extenso; f) a praça de pagamento; g) a cláusula à ordem; h) a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial; i) a assinatura do emitente. Vale lembrar ainda, que a duplicata é um título de modelo vinculado, destarte, além de cumprir os requisitos em epígrafe, deve-se obedecer o modelo legal indicado pela Resolução nº 102 do Conselho Monetário Nacional, cuja cópia está em anexo.
e) Nota Fiscal-Fatura
Instituto que também merece especial comentário é “Nota fiscal-Fatura”. Segunda a lição do Professor Fábio Ulhoa: “…surgiu com a finalidade de possibilitar o intercâmbio de informações fiscais, possibilitou-se aos comerciantes a adoção de um instrumento único de efeitos comerciais e tributários”.
Neste caso, o mesmo documento terá validade jurídica hibrida, constituindo fatura mercantil para o Direito Comercial e nota fiscal para o Tributário. O comerciante que utiliza esse mecanismo necessita apenas uma precaução complementar: garantir o cumprimento dos requisitos para as duas funções.
Tanto quanto a partir da fatura, o comerciante também poderá extrair da NF-fatura o título de crédito conhecido como duplicata mercantil, permanecendo o saque deste sempre facultativo.
A Causalidade da Duplicata Mercantil
Todos os títulos de crédito, inclusive a duplicata, encontram-se sujeitos ao regime jurídico cambial, norteado principalmente pelos princípios da cartularidade, da literalidade e da autonomia das obrigações. A duplicata mercantil é um título causal não quanto ao grau de vinculação à relação jurídica que ensejou a sua emissão, mas sim quanto à especificidade dessa relação.
A emissão de duplicata só é possível para representar causa específica prevista em lei, qual seja, uma relação de compra e venda mercantil. Se o crédito originar-se de outra relação que não uma de compra e venda, a duplicata não poderá ser o título de crédito escolhido.
Daí, conclui-se que, por exigir o pressuposto de fato específico da compra e venda mercantil, a duplicata mercantil não pode ser sacada em qualquer hipótese segundo a vontade das partes interessadas.
Aquele que fugir a essa exigência incorrerá no crime de emissão de duplicata simulada previsto no art. 172 do Código Penal Brasileiro. Tal delito configura-se pela emissão de duplicata não-representativa de crédito resultante de compra e venda ou quando ocorrer adulteração na quantidade ou qualidade da mercadoria vendida.
O Aceite na Duplicata Mercantil
A duplicata, diferindo da letra de cambio, é um título de aceite obrigatório. Ressalte-se que esse fato não acarreta a impossibilidade de recusa pelo sacado.
A recusa da duplicata só será autorizada na ocorrência de uma das 3 hipótese previstas no art. 8º da Lei das Duplicatas:
a) avaria ou não-recebimento da mercadoriab) vícios na qualidade ou quantidade da mercadoriac) divergência acerca de prazo ou preço
O aceite somente poderá ser recusado se restar configurada alguma das hipóteses acima, fato que não obstará uma possível discussão em juízo.
Dentre os tipos de aceite, tem-se:
a) Aceite Ordinário: é aquele em que o comprador simplesmente assina o título de crédito no local apropriado.b) Aceite por Comunicação: o comprador segura ou retém a duplicata (após posterior autorização de instituição financeira) e comunica o seu aceite ao vendedor.c) Aceite por presunção: resulta do recebimento das mercadorias pelo comprador, independente de devolução ou não do título para o vendedor.
Protesto da Duplicata Mercantil
A Lei das Duplicatas indica que existem 3 tipos de protesto:1. Por falta de aceite2. Por falta de pagamento3. Por falta de devolução.
Embora haja essa diversidade de protestos, o credor o faz apenas uma vez e de uma só forma. De acordo como o título é enviado ao cartório será definido sua modalidade.
O local do pagamento é o mesmo do protesto. Por isso os cartórios não devem protocolizar quando isso for verificado. Caso não o façam responderão por perdas e danos caso o credor não consiga executar os obrigados do título.
O prazo para tirar o protesto é de 30 dias a contar da data do vencimento. A falta deste implica a perda do direito de regresso contra os endossantes e avalistas.
Na duplicata com aceite ordinário, o protesto é dispensável para a execução do título.
a) Protesto por IndicaçõesQuando o sacado retem a duplicata, resta-se impossível a sua apresentação ao cartório para tirar o protesto. Para que isso seja feito, a lei permite que o vendedor extraia um boleto do Livro de Registro de Duplicatas, livro obrigatório para quem emiti-las, e encaminhe esse documento ao cartório para protesto.Por isso, é dispensada a apresentação do título em cartório para seu protesto. Ressalte-se a importância desse instituto nos dias de hoje. Com a desmaterialização do título de crédito essa é forma que se encontrou para que seu protesto seja feito.
b) Triplicata
Ainda assim, caso o comerciante vendedor queira apresentar um “título de crédito” no cartório, existe a possibilidade da emissão de um Triplicata, que nada mas é que uma segunda via da duplicata. Não se trata de um novo título. Embora a LD preveja a emissão de triplicata apenas nos casos de perda ou extravio da duplicata, a sua emissão não gera dano algum aos sujeitos da relação.
Execução da Duplicata
A duplicata é um título creditício extrajudicial, que, em alguns casos adquire natureza complexa. Isso quer dizer que não basta apenas o título para se proceder a execução.
Para saber quais documentos são necessários para a interposição de ação de execução, é preciso identificar qual tipo de aceite foi praticado. Se foi o aceite ordinário, basta o titulo, protestado ou não; se foi o aceite presumido, é preciso o título obrigatoriamente protestado ou equivalente e documento idôneo que comprove a entrega da mercadoria. Se não contiver aceite é preciso o título (duplicata ou triplicata), instrumento de protesto e documento comprobatório do recebimento da mercadoria. Se, retido o título, o sacador preferir o protesto por indicações, faz-se necessário apenas o instrumento de protesto por indicações e comprovante de entrega das mercadorias.
a) Juros e Correção Monetária
Existe uma peculiaridade no que tange a cobrança de juros da Duplicata. Dispõe, estranhamente, o art. 40 da Lei 9.492/97 que “não havendo prazo assinalado, a data do registro do protesto é o termo inicial de incidência de juros.”. Dentre os títulos de crédito próprios, a duplicata é o único em que essa norma tem aplicação, pois a legislação da nota promissória, da letra de câmbio e do cheque dispõem ao diverso disso. Como a lei da duplicata não faz qualquer referencia a contagem dos juros, adota-se a regra geral.
Ao menos no que diz respeito a correção monetário o legislador fixou a sua contagem da data do vencimento para todos os títulos executivos. Portanto, sendo a duplicata título executivo extrajudicial, graças a Lei 6.899/81, tem seu valor corrigido desde a dato do vencimento.
Títulos de Crédito por Prestação de Serviços
Dentre esses títulos temos a Duplicata de Prestação do Serviços e a Conta de Serviços. A duplicata por prestação de serviços é emitida por sociedades empresárias ou pessoas naturais que desenvolvam atividade empresarial de prestação de serviços. Já a conta de serviços é emitida por profissionais liberais e prestadores de serviços eventuais.
A duas principais diferenças entre a duplicata mercantil e a por prestação de serviços estão na causa de sua emissão e no protesto por indicações, que neste último caso depende da apresentação pelo credor de documento que comprove o vínculo contratual entre as partes e o efetivo cumprimento da prestação dos serviços. No mais, o que se aplicar a duplicata mercantil se aplica a duplicata por prestação de serviços.
A conta de serviços é um título mais “informal”. Não exige qualquer escrituração, bastando que conste na conta a discriminação dos serviços por sua natureza e valor, data e local do pagamento e o vínculo contratual que originou o crédito. Feito isso, deve o executor dos serviços, ir até um Cartório de Títulos e Documentos registrar a conta e entregar ao adquirente dos serviços. Se não houver o pagamento, deve o credor protestar o título e executá-lo.