Ao tramitar pelo universo das leis tributárias, pode-se observar a existência de uma série de sanções pelo descumprimento das obrigações tributárias que, por sua vez, acumulam multas majoradas pelo descumprimento dessas obrigações. Desta forma, ao estudar as leis que cuidam dessas sanções, é notória a incidência de valores exagerados como penalidades aos contribuintes.
Entretanto, deve-se analisar essas multas sobre a ótica constitucional. Como se verificará, essas penalidades, por serem atentatórias ao funcionamento do Sistema Tributário, devem possuir um limite quanto ao seu quantum.
Pois bem, a aplicação cega das leis que dispõem sobre a abusiva multa sobre débitos fiscais em atraso é um afronte aos princípios constitucionais da razoabilidade, da capacidade contributiva e da vedação do confisco.
Isto porque, esta cega aplicação da lei é medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, o que é manifestamente inconstitucional.
Neste sentido, preleciona a doutrina:
“O princípio da proporcionalidade consiste, principalmente, no dever de não serem impostas aos indivíduos em geral, obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, segundo razoável critério de adequação dos meios aos fins. Aplica-se a todas as atuações administrativas para que sejam tomadas decisões equilibradas, refletidas, com avaliação adequada da relação custo-benefício, aí incluído o custo social” (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8ª Ed. RT. São Paulo. 2004. p.152.)
No que tange a aplicação da multa de 20% e os juros de mora, calculados sobre o ICMS atualizado, disposta no art. 87 c.c. art. 98 da Lei 6.374/89, é desproporcional e nada razoável frente ao Sistema Tributário Nacional.
Assim, é importante lembrar as palavras da i. Doutrinadora MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO: “o princípio da razoabilidade exige dentre outras coisas, proporcionalidade entre os meios que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas no caso concreto” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª Ed. Atlas. São Paulo. 2001. p.73, g.n.).
Já no que tange o princípio da capacidade contributiva, este dispõe que os impostos deverão, “sempre que possível”, serem individualizados de acordo com a possibilidade contributiva do sujeito passivo, ou seja, a carga tributária se amoldará aos rendimentos do contribuinte. Sendo assim, a aplicação indiscriminada de multa, sem levar em conta as características individuais de cada contribuinte, é evidente desrespeito aos parâmetros constitucionais que o Sistema Tributário é pautado.Da mesma forma dispõe a opinião doutrinária:
“A nosso ver, ele não está fazendo – como já querem alguns – uma mera recomendação ou um simples apelo para o legislador ordinário. Em outras palavras, ele não está autorizando o legislador ordinário a, se for de seu agrado, graduar os impostos que criar, de acordo com a capacidade econômica dos contribuintes. O sentido desta norma jurídica é muito outro. Ela, segundo pensamos, assim deve ser interpretada; se for da índole constitucional do imposto, ele deverá obrigatoriamente ter caráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Ou melhor: se a regra-matriz do imposto (traçada na CF) permitir, ele deverá necessariamente obedecer ao princípio da capacidade contributiva”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 18ª Ed. Malheiros. São Paulo. 2002. p.86/87, g.n.)
Não menos importante, deve-se observar que o princípio da vedação do confisco tem o objetivo de vedar a compulsividade predatória da arrecadação fiscal. Sendo assim, “confisco equivale a liquidação da propriedade particular e indevida anexação desta ao erário, então, os limites quantitativos da exação devem ser legalmente balizados, e, na sua ausência deve se escudar na razoabilidade” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Renovar. Rio de Janeiro. 1993. p.56.).
Ora, a multa decorrente do descumprimento de obrigação tributária deve também se submeter aos parâmetros constitucionais que respaldam a tributação, pois a pena não deve ser igual ao gravame, mesmo que ela seja primordialmente repreensiva e sancionatória.
O Sistema Legislativo Nacional veda a pena capital. Neste sentido, é questionável o motivo pelo qual o Direito Tributário poderia aplicar essa multa abusiva, derivada do suposto descumprimento de obrigação tributária, que é sanção igual ou, ao menos, próxima da exação inicial.
Embora os princípios da vedação do confisco e o da capacidade contributiva sejam dirigidos literalmente aos tributos e impostos, estes postulados se espiram por todo o Sistema Tributário, atingindo por inteiro o crédito tributário na sua acepção mais lata. Em síntese, eles atingem tanto os tributos quanto as penas fiscais, porque ambos constituem o crédito tributário.
A exclusão ou redução da multa pelo Poder Judiciário, é decorrente do princípio da inafastabilidade, no sistema jurídico brasileiro, do controle jurisdicional, a teor do art. 5º, XXXV, da CF/88:
“Art. 5º(…) XXXV – A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça ao direito.”
Deve-se deixar claro, porém, que não apenas os tributos, mas também as penalidades fiscais, quando excessivas, ou confiscatórias, estão sujeitas ao mesmo tipo de controle jurisdicional.
Vejamos a lição do Prof. SAMPAIO DÓRIA, citado pelo Ministro BILAC PINTO: “Não só o artigo 141, § 3º, da Carta Magna (de 1946), impossibilitaria possibilidades assim desarrazoadas, mas a própria diretriz da capacidade contributiva obstaria a imposição de penas que exorbitassem da capacidade econômica dos indivíduos. Reconhecida ao Judiciário a faculdade de rever e reduzir multas exigidas pelo Fisco, são elas depuradas de seu eventual feitio confiscatório, com grande facilidade . Aliás, dessa superintendência sobre a ação repressiva da administração têm os nossos tribunais feito largo uso, aparando-lhes os freqüentes excessos na matéria.” (grifos nossos)
Os juros (sem a aplicação da Taxa SELIC) e a correção monetária são mais que suficientes para corrigir o valor devido e ainda penalizar o contribuinte pelo atraso. Com isso a aplicação da multa, cumulada com os juros moratórios e a correção monetária, tem um peso muito forte comparando-se com o valor da dívida, haja vista que a incidência dos três institutos gera um excessivo aumento do débito. O aumento do montante do débito nestas proporções acaba impedindo que os contribuintes quitem suas dívidas.
Conclui-se, assim, que os contribuintes devem se respaldar no seio do Judiciário para não ter suprimido seu direito à propriedade; supressão essa consistente na excessiva onerosidade das multas aplicadas ao débitos fiscais, sendo que o Judiciário, por sua vez, tem o dever de rever e reduzir essas multas que, como analisado, possuem um caráter confiscatório.