O artigo 37, § 6º, da Constituição Federal – CF/88, estabelece que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. De igual sorte, prevê o artigo 43 da Lei nº 10.406/02 (Código Civil) que “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. De proêmio, destaca-se a distinção entre a responsabilização penal e civil, esta última é a que ora tratamos e, tradicionalmente, se baseia na idéia de culpa, tomada em seu sentido lato sensu, abrangendo também o dolo, ou seja, todas as espécies de comportamentos contrários ao direito, intencionais ou não, representados pela falta de diligência na observância da norma de conduta, estando, destarte, ligada ao específico dever de indenização por fatos lesivos. Quanto ao seu fundamento, a responsabilidade civil apresenta-se na forma subjetiva (Teoria da culpa ou responsabilidade aquiliana) ou objetiva (Teoria do risco), sendo esta decorrente do risco assumido pelo lesante, em razão de sua atividade, conforme passaremos a expor. Historicamente, verificamos que no Estado absolutista não havia qualquer determinação da responsabilidade objetiva para a atividade estatal, avaliando-se apenas a conduta do próprio agente, que era tida como ilícita toda vez que causasse algum prejuízo, tendo em vista que o Estado figurava como guardião da legalidade e, por isso, não se aventava qualquer eventual indenização de sua parte, porque todos os seus atos eram tido como legais. Após a Revolução Francesa, surgiu outra concepção diametralmente oposta, consignada na Teoria do risco integral para a Administração pública, segundo a qual todo dano causado deveria ser indenizado, ainda que ocasionado por caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. No Brasil, não se admitiu a Teoria do risco integral, optando-se pela Teoria do risco administrativo, sob a idéia de que todo risco deve ser alvo de garantia, independente de culpa (lato sensu), mas excluindo-se as situações que acabem por separar o nexo causal entre a conduta do Estado e o dano causado ao particular, sendo a Constituição Federal de 1946 a primeira a estabelecer taxativamente a idéia da responsabilidade objetiva da Administração pública, atualmente mantida pelo artigo 37, § 6º da CF/88, conforme acima transcrito. Ao prescrever a responsabilidade objetiva para a Administração pública, pretendeu o legislador pátrio fixar maior grau de comprometimento do Estado, em relação à iniciativa privada, obrigando que a Administração exerça, em sua plenitude, o dever de vigiar a atuação de seus representantes, arcando com o ônus decorrente dos danos por eles causados. Assim, ainda que não haja intenção na produção do dano ou que tenha o agente assumido o risco de sua ocorrência (características da ação dolosa), bem como ainda que não tenha o mesmo agido com imprudência, negligência ou imperícia (constituindo-se a culpa stricto sensu), caberá à Administração pública a responsabilidade pela reparação do mal causado, bem como por eventuais indenizações ao prejudicado, o que caracteriza a chamada responsabilidade objetiva, bastando, para sua configuração, a existência do nexo causal, isto é, a relação entre causa e efeito, que demonstre a ação do agente público e o dano resultante.
A responsabilidade subjetiva (em que se avalia o dolo ou a culpa) somente será objeto de apreciação na análise da conduta do próprio agente público, o qual poderá sofrer ação de regresso, nos termos da parte final do artigo constitucional acima transcrito, para restituir à Administração o que esta, num primeiro momento, tenha respondido objetivamente. Esta premissa constitucional, aliada aos princípios elencados no caput do artigo 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), oferece a garantia da proteção aos direitos de todo cidadão, que, em uma eventual ação judicial indenizatória, não necessita comprovar a intenção na produção do resultado danoso, limitando-se a demonstrar o liame de causalidade que impute responsabilidade à Administração pública.
A abrangência da responsabilidade objetiva, quanto à forma de conduta do agente público, se por ação ou omissão, divide os doutrinadores. Parte da doutrina de Direito Administrativo, em que destacamos os eminentes juristas Celso Antonio Bandeira de Melo e Maria Sylvia Zanella di Pietro, vem se posicionando no sentido de que a responsabilidade objetiva da Administração pública somente se aplica aos danos causados na forma comissiva (por ação), já que o dispositivo constitucional utiliza a expressão “…causarem a terceiros…”, complementando o ensinamento de que para os danos ocasionados por omissão, dever-se-ia avaliar a responsabilidade subjetiva, ou seja, se houve, efetivamente, o dolo ou a culpa do agente público. Embora, para Celso Antonio Bandeira de Melo, a conduta omissiva seja condição e não causa (daí a conclusão alcançada), outra parte considerável dos doutrinadores, entre eles o Ilustre Desembargador Álvaro Lazzarini, admite a responsabilidade objetiva na forma omissiva, tendo em vista que, nas obrigações jurídicas, é possível entender a omissão como causa do dano, naqueles casos em que aquela seja o deflagrador primário deste.
Ao largo desta discussão doutrinária, convém ressaltar que a omissão tem sido incluída no contexto da responsabilidade objetiva no corpo de legislação especial, como ocorre com o direito do consumidor (v. artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor) e no direito ambiental (v. artigo 14, § 1º da Lei nº 6.938/81).
No trânsito, objeto de nosso estudo, verificamos que a legislação especial trouxe condição igualmente diferenciada, ao prever, no § 3º do artigo 1º do Código de Trânsito Brasileiro, que “Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro”.
Ressalta-se que, assim como a Constituição Federal cuidou de mencionar as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, o CTB envolveu, na questão da responsabilidade objetiva, tanto os órgãos, quanto as entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, o que equivale dizer que a regra se aplica tanto à Administração pública direta quanto indireta.
Na atividade dos órgãos e entidades de trânsito, entendemos que o legislador preocupou-se em mencionar, expressamente, a omissão e o erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços, justamente pelo dever legal que possui o Sistema Nacional de Trânsito, no sentido de garantir o direito ao trânsito seguro.
Outro dispositivo legal que merece destaque é o dever de indenizar, tratado no artigo 927 do Código Civil, nos seguintes termos:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Sob este aspecto, reforça nosso posicionamento, quanto à inclusão da conduta omissiva na responsabilidade objetiva dos órgãos de trânsito, o fato de que, pela obrigatoriedade de submissão da Administração pública ao princípio constitucional da legalidade, toda omissão acaba por refletir em descumprimento da própria lei, o que, por si só, configura ato ilícito e, portanto, indenizável. Se para os atos lícitos, é posição pacífica da doutrina o cabimento da responsabilidade objetiva do Estado, com muito mais rigor os atos que contrariem a própria lei.
Infelizmente, não é raro nos depararmos com omissões e erros nas atividades dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, o que deve ser visto com muita preocupação e cautela por seus dirigentes, os quais devem envidar esforços para eliminá-los, diante do que nos resta, em vista de todo o exposto, concitar os órgãos e entidades de trânsito ao cumprimento irrestrito do disposto no CTB, em especial quanto às suas competências, delineadas dos artigos 12 a 24, a fim de que eventuais ações, omissões ou erros não acarretem, para a Administração pública, a responsabilidade objetiva pelos danos causados à sociedade.