Em todo o mundo, o álcool, consumido de forma abusiva, tem sido protagonista em boa parcela dos acidentes de trânsito com vítimas. São inúmeras as campanhas educativas que abordam o tema, na tentativa de sensibilizar os condutores sobre os efeitos deletérios da combinação de álcool e direção.
Ao lado de campanhas educativas, vários países atualizaram suas leis no sentido de punir mais severamente o condutor alcoolizado, postura esta também perseguida em nosso país, porém, ainda sem muito sucesso.
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) previa em seu artigo 165 a necessidade de se aferir a concentração de álcool superior a seis decigramas por litro de sangue a fim de que a infração de trânsito estivesse caracterizada. Ocorre que nossa legislação nunca previu a obrigatoriedade de o infrator se submeter ao teste em aparelho de ar alveolar (bafômetro) ou a exame laboratorial, caso afrontasse o artigo 165 do CTB. Vale salientar que há legislação estrangeira que, embora não obrigue o condutor a se submeter ao teste de bafômetro, presume a prática da infração em caso de recusa ao teste por parte do condutor.
Com o advento da Lei 11.275/06, a nova redação do artigo 165 deixou de contemplar concentração mínima de álcool por litro de sangue, bastando apenas demonstrar que o infrator dirige sob a influência de álcool, independentemente da quantidade ingerida da substância.
A supracitada lei também alterou a redação do caput do artigo 277 do CTB: “Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.” (grifos meus).Houve, ainda nesse artigo, a inserção do parágrafo 2º: “No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor.” (grifos meus).Uma das provas em direito admitidas é a testemunhal. Estaria o Princípio de Presunção de Legitimidade dos Atos Administrativos superado pelo fato do CTB ter passado a admitir a caracterização da infração do artigo 165 por meio de prova testemunhal? Seria esta infração a única do CTB em que o citado Princípio não se aplicaria?
O caput do referido artigo prevê a realização, por exemplo, de exames clínicos para certificar o estado de o condutor encontrar-se sob a influência de álcool. Os exames clínicos são realizados por profissional habilitado (médico) que, em regra, não testemunha a condução do veículo por parte do infrator. O médico apenas atesta em laudo que o cidadão encontra-se com suas faculdades motoras prejudicadas pela ingestão de álcool. Assim, os exames clínicos não provam a infração, certificam, apenas, o estado do condutor.
Nesse mesmo sentido, a prova testemunhal deverá servir, apenas, para atestar que o condutor se encontra sob a influência de álcool, sendo irrelevante o fato de a testemunha ter presenciado o infrator na condução de seu veículo.
Posto isso, entendemos que a nova redação do artigo 277 do CTB não fere o Princípio de Presunção de Legitimidade dos Atos Administrativos, pois permanece revestida de presunção de legitimidade (presunção relativa) a formalização, por parte do agente de trânsito, do auto de infração. Portanto, no caso concreto, sendo inoportuna a realização de testes ou exames, optando-se pela produção de prova testemunhal na infração prevista no artigo 165 do CTB, a testemunha atestará somente o estado em que se encontra o infrator, cabendo, exclusivamente, ao agente de trânsito, ao abrigo do Princípio supracitado, indicar data, hora, local, na condução de qual veículo e em quais circunstâncias o condutor praticou a infração.