“A nation that limits freedom in the name of security will have neither.”Thomas Jefferson
Com o propósito de combater usos nefastos da rede, tramitam diversos projetos de lei, no Brasil e no exterior, que visam estabelecer um maior controle governamental sobre a Internet assim como o fim do anonimato na rede.
Entre as diversas iniciativas, destaca-se a previsão por um maior rigor no cadastramento dos usuários de e-mails. Embora a práxis do mercado já seja de requerer diversas informações para o registro de um endereço de e-mail, o um objetivo é mais relacionado com o marketing direcionado do especificamente que com a identificação do usuário. Não que essa preocupação não ocorra aos provedores de e-mail que, usualmente, incluem o endereço IP do usuário no header (cabeçalho) das mensagens, de maneira a mais facilmente identifica-lo. Impor aos provedores a responsabilidade de verificar informações cadastrais iria tornar o processo lento, caro, e totalmente desnecessário em face da facilidade de simplesmente optar por um provedor estrangeiro.
Afinal, a natureza internacional impõe grande dificuldade às tentativas de controlar o conteúdo da Internet por parte das legislações nacionais. Leis que controlam o conteúdo são frustradas pela facilidade de simplesmente hospedar esse conteúdo num provedor localizado em país que em que valem outras regras. O mesmo pode ser dito em relação a regras quanto à identidade do responsável pelos sites.
O próprio cadastramento rigoroso dos usuários de internet pelos provedores e a disponibilização desses dados aos governos não teria o escopo de impedir o anonimato, tendo-se em vista os estabelecimentos que disponibilizam publicamente o acesso. Mesmo um endurecimento nas regras quanto às informações registradas pelos usuários pelo provedor vai de encontro com a existência de outros meios de acessar a Internet sem a contratação com um provedor. Esse é o caso de Lan-Houses e Cyber-Cafes, que, assim como de escolas, universidades ou centros comunitários, que permitem um acesso relativamente anônimo, em maior ou menor grau. Tornar obrigatório um cadastro para esse tipo de serviço, seja de natureza gratuita ou comercial, necessitaria de uma série de previsões legais traria conseqüências indesejáveis. A burocratização e conseqüente aumento de custo no estabelecimento de terminais públicos de acesso à rede teriam um impacto negativo no processo de inclusão digital. Essa atividade deve ser incentivada e não dificultada, de modo a desenvolver o mercado, gerarando competitividade, qualidade e preços acessíveis.
A questão da identificação é complexa. É perfeitamente normal que várias pessoas acessem o computador através do mesmo usuário. Afinal, a internet é um recurso geralmente utilizado por várias pessoas, assim como água, luz e telefone. Assim como nem todos que assistem TV ou falam no telefone são o assinante, nem todos que acessam a internet através de um determinado nome de usuário são o titular. Alem disso, existem diversas maneiras pelas quais a senha de acesso pode ser utilizada indevidamente, como no caso de uma invasão de computador por hackers. Com tantas possibilidades do autor do ato praticando o ato na rede ser outra que o responsável formalmente pelo acesso, é obvio que a responsabilidade criminal presumida pode gerar situações injustas. Questão similar é a da perda de pontos na carteira de habilitação do titular do veículo, decorrente da suposição de que o titular esteja dirigindo o carro. Ao transpor-se essa dinâmica para a Internet, acaba-se por impor ao acusado o ônus da prova.
Os reflexos na economia “virtual” brasileira seriam negativos. O investimento necessário em softwares especializados para que provedores e estabelecimentos se adaptassem a esse tipo de regulamentação burocrática seria significativo, e provavelmente haveria um aumento na procura de opções internacionais. Empresas que provêm serviço de anonimato na rede seriam beneficiadas, visto que, mesmo com a aprovação das leis, é possível continuar no anonimato utilizando um serviço de e-mail internacional ou recurso de criptografia, o que impediria a leitura por qualquer outro computador que não tenha a chave de leitura, mesmo que a mensagem fosse interceptada. Outro ponto é a extrema facilidade com que se pode cadastrar dados falsos num provedor de internet ou serviços de e-mail. Existe pouca dificuldade em alguém simplesmente utilizar-se de dados de outras pessoas, e os provedores, devido à natureza virtual do negócio, não tem meios práticos de verificar veracidade das informações apresentadas. Na prática, para adequar-se as leis, o processo seria burocratizado, encarecido, e facilmente substituível por opções fora do país. De nada adianta a ênfase em relação ao uso de e-mail quando existem inúmeras outras formas de comunicação na net, de redes peer-to-peer a grupos de discussão e salas de bate papo. De qualquer modo, o anonimato do uso desses serviços é relativo, tendo-se em vista a capacidade de identificar os usuários através de seus respectivos endereços IP.
Deve ser notado que, de um modo geral, as práticas que se pretende combater com essas iniciativas já são consideradas crime. Neste caso, poder-se-ia estar legislando sobre o que já foi legislado. A publicação de pornografia infantil na Internet, por exemplo, é crime previsto pelo art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e as autoridades já têm obtido sucesso em investigações contra esses crimes com o regime jurídico vigente. Leis que tenham o escopo de ampliar enormemente o controle do governo sobre o conteúdo da Internet partem do princípio que, quanto maior o controle do Estado sobre a sociedade, maior sua capacidade de coibir atividade criminosa.
Mas até que ponto esse controle é compatível com as liberdades do espaço democrático que é até o momento tem sido a Internet? E quanto ao espaço da privacidade, cada vez mais escasso na sociedade da informação? Países como a China impõe um severo controle ao uso e conteúdo da Internet. O governo chinês decide o que seus cidadãos podem acessar, em especial em ralação sites internacionais que criticam o regime político, desde sites de direitos humanos até à popular ferramenta de busca “Google”. Independentemente da nobreza de propósito, uma lei que aumenta o controle do Estado sobre a sociedade pode ser utilizada para os mais diversos fins, por vezes completamente diversos dos originalmente intencionados.