A crescente preocupação com a degradação da natureza, não apenas por parte dos ambientalistas mas também da população, transformou o direito ambiental em um dos principais alvos de atenção do Superior Tribunal de Justiça. As discussões sobre as questões ambientais ainda são recentes na sociedade brasileira e só ganharam espaço efetivo a partir da Constituição de 1988, quando a vida em um ambiente ecologicamente equilibrado tornou-se direito fundamental de qualquer cidadão, afirma o presidente do STJ, ministro Paulo Costa Leite. Isso explica por que, nos 12 anos de existência, o STJ julgou 793.837 ações, das quais apenas 0,05% está diretamente vinculada à qualidade e à preservação dos recursos naturais.
O número de ações ambientais é um grão de areia em comparação ao volume total de processos julgados, mas o procurador de Justiça Antônio Herman Benjamin, especialista em direito ambiental, avalia que o STJ é a corte superior mais ativa de toda a América Latina no tratamento das questões ambientais. Coordenador do Quinto Congresso Internacional de Direito Ambiental, a se realizar a partir desta segunda-feira (04/06) em São Paulo, Benjamin diz que a tendência do Tribunal é de decidir pelo cumprimento exemplar das obrigações legais referentes à proteção ao meio ambiente e de ampliar a aplicação da legislação.
As decisões judiciais devem contribuir para solução dos problemas sejam relacionados à fauna ou à flora ou à poluição industrial, afirma o presidente do STJ, ministro Paulo Costa Leite, que abordará este tema na abertura do congresso internacional. O Poder Judiciário, segundo ele, não é mero espectador da realidade e pode, com a força de suas decisões, contribuir com a proteção e preservação dos recursos naturais.
Um exemplo dessa contribuição é a interpretação adotada pelo STJ em relação ao Código Florestal que determina uma reserva de 20% da propriedade rural para a regeneração da floresta anteriormente existente. Segundo várias decisões do Tribunal, o novo proprietário rural assume o imóvel com essa imposição legal. Assim, a Primeira Turma decidiu que o novo proprietário de imóvel rural deve responder por infrações ao Código Florestal praticadas pelo antigo dono ao julgar um recurso especial (264.173) em que um agricultor alegava não poder responder criminalmente por danos ambientais em área que acabara de adquirir sem nenhuma floresta nativa.
Entre as questões que mais demandaram o pronunciamento do STJ, destaca-se a controvérsia resultante da competência concorrente da União, dos Estados e dos Municípios para legislar sobre o meio ambiente. A polêmica surge tanto nas infrações graves como em delitos de menor gravidade, totalizando mais um terço dos processos ambientais julgados pelo STJ. Segundo entendimento do STJ, se não há qualquer comprovação de lesão a bens, serviços ou interesses da União, cabe à Justiça Estadual julgar infrações ambientais. Em um dos processos de sua relatoria (CC 30.110), o ministro José Arnaldo da Fonseca esclarece que a flora não é um bem de titularidade exclusiva da União. “Por sua natureza difusa, pertence a um número indeterminado de pessoas”, afirma, reforçando as reflexões feitas por um juiz federal ao examinar o caso de um réu acusado de comércio ilegal de carvão.
Assim, a competência concorrente da União, dos Estados e dos Municípios para proteger o meio ambiente e preservar as florestas, estabelecida na Constituição, permite constatar que “ se houve a repartição do dever entre os entes federativos é porque a nenhum deles cabe a propriedade exclusiva deste bem”. O crime contra a flora só é da competência da Justiça Federal quando praticada em área especialmente protegida pelo Poder Público Federal, esclarece o ministro Edson Vidigal em outra ação (CC 29.745).
O ministro Fernando Gonçalves, da Terceira Seção, resolveu a controvérsia com uma simples frase: “O abate de dois quatis e um tatu não atrai a competência da Justiça Federal”. Tratava-se de uma disputa, no interior de Santa Catarina, entre o Juízo de Direito da cidade de Indanial e a Vara Criminal Federal de Blumenau, ambos declarando-se aptos para cuidar dos crimes contra a fauna. Mesmo nos casos em que a União integra legitimamente o processo, cabe ao juiz estadual julgar ação civil pública nas comarcas que não tenham vara da Justiça Federal, estabelece a Súmula 183 do STJ, em acordo com a Lei nº 7.347/85.
Depois dos conflitos de competência, as causas ambientais se apresentam com maior freqüência em forma de recursos especiais. Há obstáculos para o exame desse tipo de ação porque a questão ambiental tem por base fatos e provas, observa o ministro Gilson Dipp. Ele explica que o STJ não é tribunal de apelação nem de terceiro grau de jurisdição e não pode criar obstáculo à “longa e exaustiva atividade jurisdicional” nas instâncias de primeiro e segundo graus. Assim, o simples reexame de provas é vedado em recurso especial, de acordo com a Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça, o que dificulta a apreciação de causas ambientais.
O julgamento de ações referentes às queimadas utilizadas no preparo do plantio e colheita da cana-de-açúcar no interior de São Paulo, que resultou em inúmeras ações na Justiça, é ilustrativo. Em uma delas, a Primeira Turma do STJ deixou de examinar recurso de um canavieiro (AG 336.123) contra decisão de segunda instância que julgou procedente ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual e determinou o pagamento de indenização por danos ambientais aos prejudicados.
Relator desse processo, o ministro José Delgado coloca os impedimentos processuais para o exame do caso, entre eles a falta do “prequestionamento”, um dos requisitos exigidos para o exame do mérito. Ou seja, a parte inconformada citou normas legais que não foram devidamente discutidas nas instâncias ordinárias, o que seria obrigatório para o exame do recurso especial pelo STJ, de acordo com súmula do Supremo Tribunal Federal.
Mais bem-sucedida, a organização não-governamental Defensores da Terra obteve decisão favorável da Primeira Turma em disputa judicial com a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). O Tribunal de Justiça do Estado rejeitou o pedido de pagamento de indenização por poluição ambiental e a aplicação de multa contra a empresa, condenada apenas a apresentar relatório semestral da qualidade da água fornecida à população. A Primeira Turma determinou que o TJ explique por que excluiu a indenização e a multa da condenação resultante de uma ação civil pública proposta pela ONG devido a pesquisas sobre os baixos padrões de qualidade da água distribuída à população.
Causas como essa levam o ministro Gilson Dipp a concluir que as ações civis públicas destinadas à preservação do meio ambiente e à reparação dos danos a ele causados constituem o maior avanço observado nos últimos anos em relação à proteção da qualidade ambiental e da saúde da população.