A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito de uma mulher seguir recebendo pensão alimentícia de seu ex-marido, mesmo tendo um filho com outro homem dois anos após a separação. O casamento foi desfeito em março de 1969 e a pensão foi estipulada em 15% do salário do ex-marido, um torneiro mecânico, equivalentes hoje a R$ 150. A Justiça do Rio de Janeiro havia cancelado o pagamento, a pedido do ex-marido. Entretanto, os ministros do STJ modificaram a decisão. O nascimento do filho não foi considerado suficiente para cancelar a pensão e a situação atual da mulher – mais de 70 anos, praticamente cega e incapacitada para o trabalho – justifica o recebimento.
Após pagar a pensão por 27 anos, o torneiro mecânico entrou com ação pedindo o cancelamento da pensão. Ele alegou estar idoso, vivendo sozinho e não ter tido filhos com a ex-mulher durante os 20 anos em que permaneceram casados, mas, no entanto, ela estaria vivendo maritalmente com outro homem, pai de seu filho. A mulher negou que vivia com outra pessoa. Seu filho, segundo afirmou, é fruto de um relacionamento mantido logo após a separação, quando estava “triste e desesperada”.
A primeira instância da Justiça estadual cancelou os descontos da pensão. De acordo com a sentença, “a jurisprudência considera imoral o ex-marido pensionar a ex-mulher, quando esta mantém outro relacionamento. Note-se que o casal nunca teve filhos e torna-se constrangedor o pagamento de pensão à ex-mulher, que teve um filho justamente de outra pessoa, pouco depois da separação”.
Diante disso, a mulher apelou ao Tribunal de Justiça do Rio, mas teve seu pedido negado. Em decisão unânime, os desembargadores do tribunal mantiveram a decisão anterior. Para eles, o fato de a mulher ter dado à luz um filho de outro homem autoriza o marido a propor uma ação de separação litigiosa, sendo isso motivo suficiente para perder o direito a receber pensão alimentícia.
Inconformada, a mulher recorreu mais uma vez e a situação foi revertida no STJ. “A mera concepção de um filho não pode implicar, por si só, a extinção da obrigação alimentar e a decisão do TJ teria violado a Lei de Divórcio, pois o simples relacionamento afetivo sem recíproco apoio financeiro em que se tenha envolvido o ex-cônjuge alimentado não é causa de perda do direito a alimentos”, argumentou a defesa.
O relator do recurso, ministro Ruy Rosado de Aguiar, declarou em seu voto que “o marido não pode invocar fato antigo de mais de 30 anos para obter a exoneração alimentar, criando para a mulher uma situação que, além de inesperada – pois a longa permanência da pensão gerou a justa expectativa de sua continuidade – será absolutamente insustentável, nas condições pessoais em que ela se encontra”. Hoje, a mulher tem mais de 70 anos, teve diminuída sua capacidade visual, não tem condições de trabalhar e depende da pensão de cerca de R$ 150 para viver.
Na ação movida pelo o ex-marido nada foi alegado sobre diminuição de sua capacidade econômica, nem acréscimo de despesas, esclareceu o relator. Ao concluir seu voto, o ministro afirma ser o nascimento do filho da mulher insuficiente e impróprio para fundamentar o cancelamento da pensão.
Os nomes dos envolvidos no caso não podem ser divulgados porque o processo corre em segredo de Justiça.