O parecer da equipe de 23 técnicos e analistas da Secretaria de Controle Interno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entregue ao ministro Gerardo Grossi na manhã de ontem, recomenda a desaprovação das contas da campanha (PET 2595) do presidente reeleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
No despacho proferido nessa segunda-feira (4), o relator da matéria, ministro Gerardo Grossi, abriu prazo de 72 horas para que o presidente Lula se manifeste sobre o parecer conclusivo. Após a manifestação do candidato eleito, o representante do Ministério Público Eleitoral, procurador-geral Antonio Fernando Souza, terá vista do processo pelo prazo de 48 horas.
O artigo 30, parágrafo 1º, da Lei 9.504/97 – modificado pela minirreforma eleitoral (Lei 11.300/06) – prevê que a decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos deverá ser publicada em sessão do Plenário até 8 dias antes da diplomação. Originalmente, a diplomação do presidente Lula está marcada para o dia 14 de dezembro, no TSE.
O parecer
De início, o parecer técnico explica a metodologia de trabalho, relatando que a análise da prestação de contas contemplou a aplicação das técnicas de auditoria, correlação das informações obtidas, conferência de cálculos, exame dos documentos originais em procedimento de auditoria por amostragem. Em seguida, enumera irregularidades e infrações de natureza grave detectadas nas contas.
Novação da dívida de R$ 9,8 milhões
O relatório técnico aponta, dentre as doações, uma série de receitas estimadas que deveriam ser declaradas com a descrição, quantidade, valor unitário dos bens ou serviços e fonte de avaliação dos preços praticados no mercado. Mas, segundo os técnicos, sem o detalhamento, não foi possível identificar adequadamente as receitas indicadas.
O valor total dessas doações alcançou R$ 9.878.707,70. Segundo o candidato eleito, contudo, a descrição e detalhamento da doação refere-se aos recibos eleitorais de nºs 13.028.013.236, que por sua vez, aludem à novação das despesas ao Partido dos Trabalhadores (PT).
A novação é um instituto do Direito Civil que prevê uma modalidade indireta de quitação de uma dívida. Produz o mesmo efeito do pagamento, embora para o devedor não haja a real redução do passivo. Trata-se, na prática, da criação de uma dívida nova, para extinguir a anterior, admitindo-se, para isso, até mesmo a substituição do credor.
Doações de fontes proibidas
No item 20, o parecer passa a numerar o que considera “infrações materiais de natureza grave”. As fontes (doadoras) que são proibidas pela lei de doar para campanhas eleitorais estão descritas no artigo 13 da Resolução 22.250/06. Segundo a Resolução, não podem doar em dinheiro ou em bens estimáveis, mesmo que indiretamente, concessionárias ou permissionárias de serviço público, conforme disposto na Lei 9.504/97 (Lei das Eleições), artigo 24, inciso III.
Segundo o parecer, dentre as doações declaradas na prestação de contas do candidato eleito, constatou-se a emissão dos recibos eleitorais números 028000261, 028014493, 028000279 e 028013100 em contrapartida a doações no valor de R$ 1 milhão, provenientes da empresa Carioca Christiani Nielsen Engenharia, o que representa 1,33% dos recursos arrecadados.
Embora o candidato tenha alegado que a empresa não incide nas proibições, o parecer sustenta que, segundo informações obtidas junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a empresa, junto com um consórcio, possuiria contrato de concessão para exploração da rodovia Rio –Teresópolis.
Nesse ponto, o relatório cita precedente do TSE sobre o assunto, firmado no Acórdão 19.750, no seguinte sentido:
“1. Reconhecida a proibida arrecadação de recurso advinda de empresa concessionária de serviço público, impõe-se a rejeição das contas do candidato (Lei 9.504/97, art. 24, III). 2. Tratando-se de irregularidade insanável, não há que se falar em requisição ao candidato de informações adicionais, nem em determinação de diligências complementares, visando ao saneamento das falhas. Inteligência do art. 20, parágrafo 2º, da Resolução TSE 20.566/2000. 3. Recurso improvido”.
Gastos não identificados de R$ 10,19 milhões
O parecer diz ainda que, na conferência das despesas, identificou-se a ausência de prestação de contas de gastos de campanha no montante de R$ 10.199.967,70.
Segundo os técnicos, a identificação da falta de registro dos documentos se deu em virtude da apresentação, pelos responsáveis, das notas fiscais correspondentes que não foram lançadas na prestação de contas do candidato.
O parecer sustenta que a comprovação se dá pelas cópias dos documentos anexados, que foram registrados em um quadro inserido no parecer. Desse quadro, consta o resumo das principais informações discriminadas nas notas fiscais respectivas.
Esse quadro apresenta a diferença entre documentos das mesmas empresas, os quais foram devidamente registrados, em comparação com aqueles que não tiveram as contas prestadas. “A Lei e a Resolução são cristalinas em afirmar que os gastos eleitorais são sujeitos a registros”, frisa o parecer.
Os técnicos alegam que “as divergências são expressivas e caracterizam a omissão em documento de declaração que dele deveria constar”. E concluem: “a ausência dos dados na prestação de contas atinge mais de 10% (dez por cento) da receita total informada. A omissão é a dos gastos e o documento que deveria conter a informação são os formulários de prestação de contas à Justiça Eleitoral”.
Outras irregularidades apontadas
O parecer também relaciona registros de doações no Demonstrativo dos Recursos Arrecadados (DRA) sem o correspondente crédito no extrato bancário. Diz que sobre essas diligências, os argumentos apresentados pelo candidato não teriam sido suficientes para sanar as divergências. O valor verificado foi de R$ 2,6 mil.
De acordo com o parecer, em razão de não haver sobra de recursos financeiros declarados na prestação de contas, ficaria evidenciado o uso destes recursos para o pagamento de despesas eleitorais, o que contraria o disposto no parágrafo 3º, artigo 22 da Lei 9.504/97.
O parecer também diz que constatou-se a existência de créditos consignados no extrato bancário sem registro no Demonstrativo dos Recursos Arrecadados (DRA). Segundo os técnicos, os esclarecimentos do candidato não foram suficientes para sanar as divergências. O valor desses recursos equivale a R$ 409.806,28.
O documento sustenta que esses valores seriam recursos de origem não identificada. Sendo assim, argumentam os técnicos, conforme o disposto no artigo 23 da resolução 22.250, eles não poderiam ter sido utilizados, já que deveriam compor as sobras de campanha, fato que não ocorreu.
Legislação
O artigo 30-A da Lei 9.504/97 (Lei Eleitoral) – introduzido pela minirreforma eleitoral (Lei 11.300/06) – estabelece que “qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral”, indicando fatos e provas para pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com a lei eleitoral, relativas à “arrecadação e gastos de recursos.”
O dispositivo diz, ainda, que na apuração, será aplicado o rito previsto no artigo 22 da Lei complementar 64/90 (Lei das Inelegibilidades).
O parágrafo 2º, do mesmo artigo, diz que “comprovados a captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado”.
Pena
Além da cassação do diploma, ou do mandato (se já empossado), o candidato também pode ficar inelegível. O artigo 22 da Lei das Inelegibilidades prevê a pena de inelegibilidade do responsável pelo abuso de poder econômico para as eleições a se realizarem nos três anos subseqüentes à eleição em que se verificou a conduta ilícita.