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Criador da Lei Magnitsky critica sanção dos EUA a Alexandre de Moraes: “Jamais imaginei esse uso político”

Em entrevista concedida à revista VEJA, o financista William Browder, idealizador da Lei Global Magnitsky, classificou como “abuso” a recente aplicação da legislação americana ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, sancionado por ordem do ex-presidente Donald Trump. Segundo Browder, a sanção representa uma “distorção da finalidade original da lei”, criada para punir autores de graves violações de direitos humanos e corrupção sistêmica — não magistrados de países democráticos.

A medida foi anunciada por Trump no contexto de sua campanha presidencial e provocou intensas reações no cenário político e jurídico brasileiro. Moraes, que conduz processos sensíveis envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, tornou-se alvo da legislação americana a partir de uma interpretação controversa e inédita da norma.

“Alexandre de Moraes não é um violador de direitos humanos, muito menos um cleptocrata”, afirmou Browder, ao destacar que a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro brasileiro não se coaduna com os critérios legais e morais que justificam seu uso.

A origem da norma e seus limites jurídicos

A Lei Magnitsky foi aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em 2012 com apoio bipartidário, após intensa mobilização de Browder, ex-investidor na Rússia. Seu objetivo era punir agentes do governo russo envolvidos na prisão, tortura e morte do advogado Sergei Magnitsky, colaborador de Browder que denunciou um esquema de corrupção envolvendo autoridades russas.

Desde então, a legislação se expandiu em abrangência global e passou a autorizar sanções contra indivíduos estrangeiros considerados responsáveis por violações graves de direitos humanos ou por corrupção de grande escala, com base em critérios definidos por órgãos do Executivo americano. No entanto, a norma não foi concebida como instrumento de ingerência política ou judicial em países democráticos, como ressalta seu idealizador.

“A sanção imposta a Moraes é um uso politizado e equivocado da lei. Trata-se de um abuso. A legislação sempre foi aplicada com muita moderação”, pontuou Browder.

Meios de contestação judicial e os efeitos da sanção

Do ponto de vista jurídico, o próprio texto da Lei Global Magnitsky prevê mecanismos de revisão e contestação. Conforme lembrou Browder, “quem foi injustamente sancionado pode entrar com recurso nos tribunais dos Estados Unidos”. Tal medida poderia ser adotada pelo governo brasileiro ou pelo próprio ministro Alexandre de Moraes, conforme já sinalizaram autoridades diplomáticas do país.

Em sua avaliação, Browder afirmou esperar que o Congresso americano revise a legislação e inclua uma emenda que impossibilite sua aplicação para fins políticos ou fora dos parâmetros originais.

Direito internacional e soberania nacional

Do ponto de vista do direito internacional, a controvérsia levanta importantes discussões sobre limites de jurisdição, soberania estatal e uso extraterritorial de leis nacionais. Embora o governo americano sustente o caráter universal dos direitos humanos como justificativa para a sanção de estrangeiros, a aplicação da lei contra um ministro da Suprema Corte brasileira pode configurar interferência indevida em assuntos internos do Brasil — especialmente considerando o regime democrático vigente no país.

“O Brasil não é a Rússia”, afirmou Browder. “Não se trata de um país onde juízes autorizam tortura ou são braços de uma cleptocracia. Há separação de poderes e Estado de Direito.”

Repercussões políticas e institucionais

A decisão de Trump ocorre em meio à aproximação entre o ex-presidente americano e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, investigado no STF por tentativas de subverter o resultado eleitoral de 2022. Para Browder, trata-se de um uso oportunista de uma ferramenta jurídica originalmente criada para fins de justiça internacional.

“A lei foi concebida para punir assassinos, torturadores e corruptos. Usá-la contra magistrados de países democráticos é minar sua credibilidade”, afirmou.

Conclusão

A entrevista de William Browder lança luz sobre um precedente delicado na aplicação de sanções internacionais baseadas em valores universais, mas cujo uso indevido pode ameaçar a própria legitimidade desses instrumentos. A eventual revisão da legislação ou sua contestação judicial poderá definir os limites da aplicação da Lei Magnitsky frente à autonomia dos sistemas jurídicos nacionais — especialmente no contexto de democracias consolidadas, como o Brasil.

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