A sociedade brasileira tem razão quando reclama da frustração de suas expectativas em relação à punição dos criminosos. A opinião é de Rogerio Schietti Machado Cruz, novo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para quem o Código de Processo Penal brasileiro, de 1941, não corresponde aos anseios de uma Justiça veloz.
Segundo ele, a frustração social existe não tanto por falta de leis mais rigorosas, “mas porque, em boa parte dos casos, essas punições, quando ocorrem, demoram a vir. Então, eu creio que é mais uma questão de falta de rapidez na prestação jurisdicional – no caso, penal – do que propriamente de impunidade”, afirmou.
Schietti, que toma posse como ministro do STJ nesta quarta-feira (28), vai integrar a Terceira Seção, encarregada de julgamentos de matéria penal.
Ele chega à Corte Superior em vaga destinada a membro do Ministério Público, aberta com a aposentadoria do ministro Cesar Asfor Rocha, em setembro de 2012. Na composição do Tribunal, a classe dos advogados e o Ministério Público ocupam um terço das 33 cadeiras. Os demais dois terços cabem a membros de Tribunais de Justiça e de Tribunais Regionais Federais.
A trajetória de Rogerio Schietti até o STJ começou com sua eleição pelo Pleno da Corte para compor a lista tríplice encaminhada à presidenta Dilma Rousseff, que o indicou para a vaga. Depois disso, cumprindo o que determina a Constituição, o novo ministro passou por sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, sendo aprovado lá e no plenário da casa. A publicação de sua nomeação se deu no dia 30 de julho.
Legislação processual
De acordo com Rogerio Schietti, a legislação processual brasileira deve ser modernizada para que haja equilíbrio permanente entre dois interesses legítimos: o interesse em que as condutas delituosas sejam punidas em tempo razoável e, de outro lado, o interesse de proteção do indivíduo, assegurando a ele o direito de não ter um processo sumário que resulte em condenação com violação de garantias fundamentais.
Para o novo ministro, a legislação deve ser ajustada de modo que se tenha uma configuração que permita um processo menos moroso, sem o sacrifício das liberdades públicas.
“No nosso direito, só se pode executar uma pena quando não mais cabe qualquer recurso contra a decisão que condenou o acusado. E isso, por conta da quantidade de recursos disponíveis para a defesa, pode demandar anos. O resultado é uma sensação de impunidade. Nós teríamos de pensar em meios de contornar essa dificuldade que, de fato, gera frustrações no meio social”, avaliou.
Quantidade x qualidade
O novo ministro assume no STJ com um acervo superior a dez mil processos e o desafio de “reduzir esse patamar a um nível razoável”. Para dar conta de tanto trabalho, sua estratégia será, primeiramente, fazer uma triagem rigorosa dos casos pendentes de julgamento.
“Minha equipe, que foi criteriosamente formada, está ciente de que nós teremos dificuldades, mas eu espero que, em pouco tempo, consigamos atingir um ritmo que possa nos colocar em situação de razoável fluxo dos processos”, afirmou.
Outra preocupação de Schietti é com a qualidade dos julgados. Ele sabe que, para cada parte envolvida num processo, a sua causa é a mais importante. “Eu não posso prejudicar a qualidade em nome de fazer números. Mas eu sei também que é inadmissível manter números tão elevados por muito tempo. Além disso, é importante selecionar as questões que efetivamente possam impactar de modo mais agudo o interesse dos jurisdicionados”, explicou.
Investigação pelo MP
Proveniente do Ministério Público do Distrito Federal, Rogerio Schietti é a favor do poder investigativo da instituição – tema que recentemente gerou grande polêmica na sociedade, por conta da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, afinal rejeitada pelo Congresso. O ministro conta que ele mesmo já se defrontou com situações concretas em que a investigação realizada pela polícia se mostrou insuficiente.
Segundo Schietti, nos países que vivem sob o Estado Democrático de Direito, o Ministério Público investiga livremente, com o auxílio da polícia ou por sua própria conta. Até porque, em alguns países, a polícia integra a própria estrutura do MP.
“Eu acho muito bom que haja essa distinção, essa independência entre a polícia e o Ministério Público. Mas eu não concebo um Estado de Direito ou uma Justiça criminal em que o órgão titular da Ação Penal não possa investigar”, afirmou o novo ministro.
Maioridade penal
Rogerio Schietti rechaça a ideia de redução da maioridade penal, assunto que sempre volta a debate na sociedade cada vez que um ato violento cometido por menor ganha repercussão na imprensa.
“Penso que haja uma solução intermediária. Eu não creio que a simples redução da maioridade penal possa resolver essa questão da violência juvenil. Nós podemos trabalhar, talvez, com o incremento da punição dos adultos que permitem ou se valem de adolescentes para praticar crimes em conjunto com eles”, afirmou.
Para ele, o melhor é implementar as medidas socioeducativas do Estatuto da Criança e do Adolescente que até hoje não entraram em vigor. “As medidas de semiliberdade e liberdade assistida são quase letra morta no estatuto, e a medida mais drástica, que é a internação, tem sido executada em estabelecimentos absolutamente impróprios, com superlotação, sem a oferta de meios de acompanhamento pedagógico dos menores infratores”, lamentou Schietti.
Entretanto, o novo ministro destaca que para aqueles casos muito graves, de violência muito palpável, pode-se pensar no aumento do número de anos de internação. “Em certos casos, após estudos criteriosos, não se tem a expectativa de que o adolescente possa retornar ao convívio social sem expor a sociedade a riscos. Em tais hipóteses, considero razoável manter o infrator sob a custódia do estado por mais de três anos, limite máximo previsto na legislação atual”, assinalou.
Execução penal
Segundo Schietti, o sistema penitenciário brasileiro, que a cada ano encarcera mais e mais pessoas, é um produtor e reprodutor de crimes. “Um ministro da Justiça do governo Thatcher, na Inglaterra, afirmou que a prisão é uma maneira muito cara de tornar as pessoas piores. Infelizmente, para muitos casos, não existe outra solução”, disse.
Entretanto, o novo ministro reconhece que há pouco investimento estatal nos estabelecimentos prisionais, não se qualificam suficientemente os agentes penitenciários e a sociedade civil não se envolve positivamente nessa questão. “Além disso”, acrescenta Schietti, “a Lei de Execução Penal, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, não é, com o perdão do trocadilho, executada.”
De acordo com Rogerio Schietti, as penas alternativas, quando aplicadas, não recebem acompanhamento e a necessária fiscalização, descumprindo seu papel de mecanismo eficaz de substituição da pena privativa de liberdade.
“E, para agravar essa situação, não há qualquer amparo psicossocial ao condenado que readquire sua liberdade, o que o leva a encontrar as mesmas condições familiares e sociais que concorreram para a violação da lei penal. As chances, portanto, de algum egresso do sistema penitenciário não delinquir novamente são mínimas”, concluiu.
Olhar os dois lados
Questionado se o fato de vir do Ministério Público o fará um magistrado mais “duro”, Rogerio Schietti afirmou que não haverá mudança radical em sua maneira de pensar. “Eu tenho as minhas convicções, meus valores, minhas ideias, minha visão de mundo, e não acredito que tudo isso vá altera-se de modo radical simplesmente pela mudança de cargo”, declarou.
Entretanto, o novo ministro admite que a transposição de uma carreira para outra pode produzir algum efeito: “Eu não sei exatamente que nível isso vai atingir, mas eu posso dizer que sempre fui um representante do Ministério Público preocupado em espelhar o próprio nome que denota sua função: promotor de Justiça.”
Assim, Schietti afirma que vai continuar a ter a mesma preocupação de olhar o lado da sociedade, mas também o lado do acusado que precisa ser protegido contra eventuais abusos ou excessos do estado punitivo.
“O ponto de equilíbrio é o ponto ótimo da atuação do promotor de Justiça e do magistrado. Tanto o Ministério Público quanto a magistratura têm em comum a preocupação em realizar a justiça a partir da obtenção da verdade, esteja ela do lado que estiver – da acusação ou da defesa”, ponderou.
Formação profissional
Mestre e doutor em direito processual pela Universidade de São Paulo e professor de direito processual penal nos cursos de pós-graduação da Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), o novo ministro do STJ entende que as escolas profissionais têm um papel relevante para quem ingressou nessa carreira, inclusive para promover sua reciclagem.
Tendo lecionado por quase 20 anos em cursos de pós-graduação e cursos de formação para magistrados do Distrito Federal, oferecidos pela Escola de Magistratura do DF, o novo ministro entende como absolutamente indispensável o treinamento de magistrados e membros do MP.
“É preciso um treinamento em que se trabalhe a conexão entre a academia e o foro, de modo que o profissional compreenda a dimensão concreta de seu aprendizado e a importância de ver o direito como um instrumento para a realização da justiça, do bem comum e de transformação da realidade social”, avaliou.