Consumidores que tenham adquirido nos Supermercados Carrefour aparelhos de DVD da marca Bluesky com defeito de funcionamento poderão ter a imediata substituição dos aparelhos ou a restituição do valor pago. A decisão liminar é do Juiz de Direito Giovanni Conti, da 15ª Vara Cível do Foro de Porto Alegre, em ação coletiva de consumo proposta pelo Ministério Público.
A critério do consumidor, a empresa deverá encaminhar para a assistência técnica, sem qualquer ônus, os produtos eletrônicos por ela comercializados que, no período de garantia, apresentarem vícios de qualidade. No caso do conserto não ser realizado no prazo máximo de 30 dias, o supermercado deverá providenciar a substituição do produto, a restituição do valor pago ou o abatimento proporcional do preço.
Para o Juiz Giovanni, analisando os fatos descritos e a prova dos autos, em especial as inúmeras reclamações formalizadas pelos consumidores junto aos PROCONs, ficou evidenciado o reiterado descaso da empresa com clientes que adquiriram os produtos eletrônicos defeituosos.
O magistrado determinou também que sejam afixados cartazes com essas informações, em local de fácil visualização, junto aos caixas, no interior de todas as lojas da rede Carrefour, pelo prazo mínimo de um ano. Em caso de descumprimento da decisão, haverá multa pecuniária equivalente a R$ 10 mil reais. O valor arrecadado a este título reverterá para o Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados. No cartz deverá constar a seguinte informação:
“Informamos que devido à comercialização de um grande número de aparelhos de DVD da marca BLUESKY que apresentaram vício de qualidade, todos os consumidores que adquiriram este produto junto ao CARREFOUR poderão optar pela sua substituição por outro equivalente, sem qualquer ônus, pela restituição da quantia paga, monetariamente atualizada, ou pelo abatimento do preço”.
Segue abaixo a íntegra da decisão.
Processo nº 001/1.09.0183537-8
Ação Coletiva de Consumo
Vistos os autos.
Trata-se de ação coletiva de consumo ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL, contra CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA., em virtude de prática comercial abusiva, consistente na comercialização de produtos eletrônicos com vício de qualidade, especialmente DVDs da marca Bluesky, pertencente à requerida.
Cumpre salientar, inicialmente, que o primeiro ponto de partida para aplicação da Lei 8078/90, é imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85) e subsidiariamente dos instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais, aplicados em conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica trazida inicialmente para análise “inaudita autera pars”, ou seja, o provimento liminar de antecipação dos efeitos da tutela (art. 273, do CPC).
Restam caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor, nos exatos termos dos arts. 2º e 3º da Lei 8078/90, hipótese em que todo o seu sistema principiológico e todas as questões que permeiam a demanda, sob sua ótica devem ser tratadas.
A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo ao consumidor, considerado tanto em sua forma individual como coletiva. Por isso, em seu art. 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica, elemento estrutural fundante de todas as normas e de toda a relação de consumo.
Por isso que este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirmar que a dignidade da pessoa humana é elemento informador de toda base constitucional, para um Estado que se diz Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o intérprete buscar a força normativa destes Princípios que se espelham e intercalam para todo o sistema de proteção do consumidor, devendo ser concretizados através do Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.
Sendo assim, todas as questões definidas, servem para traçar a opção jurídica entre antecipar os efeitos da tutela, liminarmente, ou, com base em outros Princípios, como do Contraditório e da Segurança Jurídica aguardar toda a tramitação do processo, para isso a técnica processual se utilizou e criou o instrumento contido no art. 273, e 461 do CPC c/c art. 84, do CDC.
Este instrumento processual requer que sejam postos para uma decisão urgente, buscando o que a doutrina tem atualmente tratado como tutela específica. Há a satisfação antecipada (exceção no processo civil), liminar, com base em princípios e em elementos que demonstrem a plausibilidade das alegações da parte autora (fumus boni iuris) e o perigo de dano iminente e irreparável (periculum in mora) como modo de garantir a efetividade para segurança, havendo a antecipação de um efeito concreto que possa garantir a utilidade final do provimento com base na satisfação antecipada que se dá, no CASO CONCRETO, por meio de um provimento mandamental que determine uma obrigação negativa, de não fazer.
A plausibilidade das alegações é evidenciada pelos documentos constantes nos autos. Questiona-se prática comercial abusiva, consistente na comercialização de produtos eletrônicos com vício de qualidade, especialmente DVDs com marca Bluesky, pertencente à requerida.
Ora, tomando apenas por base a Lei 8078/90, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. Não se trata de afastar este Princípio somente com a alegação de que a demandante não é consumidor considerado em sua feição individual. A vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo, como elemento básico e não se confunde com a Hipossuficiência (outra questão jurídica). Cumpre, então, destacar e enfocar Princípio da Vulnerabilidade1, nesse sentido:
“(…) vulnerabilidade é um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém. Também evidencia a qualidade daquele que foi ferido, ofendido, melindrado por causa de alguma atuação de quem possui potência suficiente para tanto”.
Vulnerabilidade é, então, o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou daqueles sujeitos de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação.
O princípio da vulnerabilidade “decorre diretamente do princípio da igualdade, com vistas ao estabelecimento de liberdade, considerado, na forma já comentada no item específico sobre este último princípio, que somente pode ser reconhecido igual alguém que não está subjugado por outrem.”2
O consumidor considerado em sua forma individual ou metaindividual (direitos individuais homogêneos, coletivo strito sensu e difusos) são os vulneráveis desta relação jurídica, a parte mais fraca e que, na maioria das vezes sobre reflexos lesivos no desenvolvimento das atividades mais comuns da vida e diria indispensáveis da moderna sociedade de consumo.
Traçado o prisma ou ótica que deve ser observada a plausibilidade das alegações, verossimilhança (juízo mais robusto de plausibilidade) tenho por aplicáveis várias disposições que informam o sistema de proteção consumerista.
Ressalte-se, em tempo, que a Lei 8078/90 é de interesse público e social, sendo as suas disposições fundamentais para o crescimento não só da economia, mas que haja o devido respeito ao consumidor. Por isso, a política das relações de consumo deve ter como norte as determinações do art. 4º, incisos I, II, VI, VII, VIII, que tratam exatamente da vulnerabilidade, da ação governamental de proteção ao consumidor, do Princípio da Repressão Eficiente aos Abusos, racionalização e melhoria dos serviços públicos e estudo constante das modificações de mercado. Maus que isso, devem ser respeitados os direitos básicos do consumidor, contidos no art. 6º, com especial atenção aos incisos V, VII, VIII, X.
Sendo que nas práticas comerciais e nos contratos, deve haver a harmonia das relações de consumo, que também é um princípio básico, onde deve ser sempre buscado o Equilíbrio Contratual e os Fins Sociais dos Contratos, como bem demonstram as disposições dos arts. 39, incisos, V e X, 49 e 51, incisos IV, XXIII, XV e parágrafo 1º, incisos I, II e III.
Além disso, evidenciado está o direito do consumidor de ter facilitada a assistência técnica dos produtos eletrônicos comercializados pela requerida, bem como exercer o direito de escolha (substituição do produto, restituição integral do valor ou abatimento proporcional do preço) na hipótese de não ser solucionado o problema (art. 18, § 1º, do DCD) no prazo de 30 (trinta) dias.
Plausíveis as alegações do autor, cumpre, agora, determinar onde reside o perigo de dano iminente e irreparável. Tal dano não decorre da simples morosidade eventual ou natural que atinge a prestação jurisdicional em razão da busca da cognição plena e segurança jurídica inequívoca – impensável na sociedade de consumo de massa, instantânea. O dano advém da própria violação jurídica coletiva (art. 81 do CPC), em que muitos, diria incalculáveis consumidores.
O dano advém dessa perspectiva material e moral do consumidor, que não pode ser ignorada, no caso, reiterados descasos com clientes adquirentes de produtos eletrônicos defeituosos da marca Bluesky de propriedade da requerida. Restam, por isso, presentes os requisitos positivos para concessão da medida antecipatória da tutela, consubstanciado no fato de que a manutenção das práticas referidas acarretaria prejuízo a outros consumidores.
Considerando, ainda, a espécie de direito tutelado, vislumbrando o consumidor em sua forma coletivizada – metaindividual – a atividade preventiva e repressiva é essencial não apenas para cessação do perigo, mas para evitar a proliferação do dano (ainda que suposta a atividade nociva) já que é na tutela específica que se estrutura a função primordial da Lei 8078/90 – Princípio da Efetividade e Instrumentalidade do processo.
Ressalto, finalmente, que não observo a presença dos requisitos negativos que vedariam a concessão da medida liminar.
Diante dos fatos descritos e da prova carreada aos autos, em especial as inúmeras reclamações formalizadas pelos consumidores junto aos PROCONs e autora, entendo presente a verossimilhança (semelhança com a verdade) das alegações.
DIANTE DO EXPOSTO:
1 – DEFIRO os pedidos liminares de antecipação de tutela para:
a) DETERMINAR o cumprimento dos itens “a”, “b”, “c” e “d” da exordial (fls. 13/14);
b) FIXAR a pena de multa pecuniária equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento de qualquer dos itens anteriores, revertendo o eventual numerário arrecadado a este título para o Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados, com fulcro no art. 13 da Lei nº 7.347/85.
2 – DEFIRO a inversão do ônus da prova nos termos requeridos na inicial.
3- EXPEÇA-SE o edital previsto no art. 94 do CDC.
Cite-se.
Intime-se.
Porto Alegre, 02 de julho de 2009.
GIOVANNI CONTI,Juiz de Direito.
1 “Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor;”
2 PAULO VALÉRIO DAL PAI MORAES. Código de Defesa do Consumidor – o princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 96 e 97.
Determinações da liminar:
a) DETERMINAR ao requerido que, durante o período da garantia, diante da ocorrência de qualquer vício de qualidade em produtos eletroeletrônicos por ele comercializados, a critério do consumidor, além dos meios já existentes para encaminhamento da solução de vícios, proporcione, junto aos seus estabelecimentos, o recebimento e encaminhamento destes produtos à assistência técnica, sem qualquer ônus para o consumidor, desde que o vício não subsuma às hipóteses elencadas no parágrafo 3º do art. 18 do CDC, casos em que o consumidor poderá valer-se imediatamente das alternativas previstas nos incisos do parágrafo 1º, do mesmo artigo (substituição do produto, restituição do valor pago ou abatimento proporcional do preço);
b) DETERMINAR que no caso do item anterior, encaminhado o produto para assistência técnica pelo requerido, não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 dias, contados da data de seu recebimento junto ao demandado, mediante protocolo de recebimento, independente de qualquer justificativa, à escolha do consumidor, dê atendimento imediato a uma das alternativas previstas nos incisos do parágrafo 1º do art. 18 do CDC (substituição do produto, restituição do valor pago ou abatimento proporcional do preço);
c) DETERMINAR que a requerida proporcione a todos consumidores adquirentes dos DVDs da marca BLUESKY, dos quais inúmeros exemplares apresentaram vício de qualidade, o exercício imediato das faculdades previstas no parágrafo 3º, do art. 18 do CDC a critério do consumidor, com a imediata substituição do produto por outro de mesma natureza ou restituição do valor pago, monetariamente atualizado;
d) DETERMINAR que o requerido afixe, em local de fácil visualização, junto aos caixas, no interior de todas suas lojas, pelo prazo mínimo de um ano, a contar da ciência dessa decisão, 10 cartazes informativos, com as dimensões de 50 cm X 50 cm, com a seguinte informação:
“Informamos que devido à comercialização de um grande número de aparelhos de DVD da marca BLUESKY que apresentaram vício de qualidade, todos os consumidores que adquiriram este produto junto ao CARREFOUR poderão optar pela sua substituição por outro equivalente, sem qualquer ônus, pela restituição da quantia paga, monetariamente atualizada, ou pelo abatimento do preço”.