O vocábulo suceder, em sua acepção jurídica, significa substituir, tomar o lugar de outrem no campo dos fenômenos jurídicos, tendo em vista que este deixou de integrar a relação jurídica. Há uma mudança subjetiva na relação, podendo ocorrer tanto no pólo passivo quanto no pólo ativo.
Como todo fenômeno jurídico e, assim sendo, humano, não se encontra em uma posição estática no tempo e no espaço, tendo sofrido mudanças estruturais e axiológicas com o passar do tempo e com o evoluir das civilizações e culturas.
No direito há duas formas de sucessão: inter vivos e causa mortis. A primeira se dá, como o próprio nome diz, entre vivos, decorrente de um ato entre sujeitos, a exemplo do contrato. No caso da sucessão tendo como causa a morte, a sucessão se dá entre a pessoa de cujus sucessione agitur (de cuja sucessão se trata) e seus herdeiros e legatários.
Segundo os dizeres de Sílvio de Salvo Venosa, “quando se fala, na ciência jurídica, em direito das sucessões, está se tratando de um campo específico do direito civil: a transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte.” . É sobre esse campo do direito civil que o presente trabalho se propugna a discorrer.
Antes de estudar o instituto da sucessão, convém demonstrar seu histórico nas várias legislações passadas, em especial na antiguidade e idade média, assim como a influência de fatores como a religião e a família em sua evolução, a fim de melhor compreender este fenômeno hodiernamente.
1.1 Sucessão na Antiguidade
No livro “A Cidade Antiga”, de Fustel de Coulanges, está escrito que, entre os antigos, principalmente na antiguidade romana, a hereditariedade era pela linhagem masculina, nunca pela feminina, que deveria renunciar ao culto familiar e assumir a do seu marido, no casamento. No caso da filha ser a única herdeira e ser solteira, sua situação era apenas provisória, tendo sido criadas situação para que a sua herança passasse ao marido no casamento, como no caso do pai adotar um filho e dar-lhe sua filha em casamento ou se o pai morria sem ter adotado ou deixado testamento, seu parente mais próximo seria seu herdeiro e tinha a obrigação de desposar a filha.
O sucessor herdava não apenas o patrimônio de seu pai, mas sim todas as relações jurídicas e o culto familiar, essencialmente paternalista. Assim, a continuidade da propriedade, bem como a do culto, era uma obrigação tanto quanto um direito.
O culto hereditário não podia se extinguir pela morte de seu titular, dessa forma deveria sempre haver um continuador, para que não se extinguisse e para manter o patrimônio íntegro. A aquisição de propriedade fora do culto, sendo exceção, tornou os institutos da adoção e do testamento de grande importância em Roma e demais povos antigos, pois com eles o romano impedia a extinção do culto familiar, já que sua extinção, pela morte sem sucessor, significava o fim da família e infelicidade aos mortos. O Direito Grego só aceitava a sucessão por testamento, no caso de falta de filhos para herdar.
Segundo as crenças daquelas épocas, “o homem era apenas o representante por alguns anos de um ser constante e imortal, a família. Detinha o culto e a propriedade tão-somente como um depósito; seu direito a eles cessava com sua vida”. Porém, enquanto exercia esse papel, era o chefe absoluto da família.
O primogênito gozava de privilégio, após a morte de seu pai, de presidir a todas as cerimônias do culto doméstico, herdando, sozinho, os bens. Essa predileção não era a espoliação dos filhos mais novos em detrimento do primogênito, pois no fundo, o fruir dos bens da família continuava, mas com a preeminência do mais velho, representando a indivisão do patrimônio, bem como da família.
A sucessão hereditária, tendo principalmente um interesse religioso, tinha, outrossim, o interesse dos credores do de cujus, que podiam cobrar seus créditos da pessoa do herdeiro.
1.2 Sucessão na Idade Média
Durante a Idade Média, na legislação, nos costumes, as disposições tomadas tratam do bem de família, do interesse da linhagem. A família tem um papel fundamental no instituto da sucessão, porém, o pai não é mais o chefe absoluto da família, mas uma espécie de gerente, responsável pela propriedade, pela prosperidade da família e pela defesa de seus entes. O verdadeiro proprietário dos bens nessa época é a família, não mais o individuo.
Quando um homem atingia a maioridade, apesar de continuar a ter a solidariedade familiar, ele ganhava plena liberdade, podendo se afastar de sua família, criar uma outra e administrar seus próprios bens conforme o seu interesse, contrariamente ao que ocorria em Roma, na antiguidade, onde era subordinado ao pater familias até a morte deste.
A base material da família era o bem fundiário. No início da Idade Média era a única fonte de riqueza. Sendo impenhorável e inalienável, as dificuldades da família não poderiam prejudicá-lo. Ninguém poderia tirá-lo da família, bem como esta não tinha o direito de vendê-la.
Com a morte do pai, o bem principal, a terra, passa aos herdeiros diretos. Às vezes a herança é dividida, mas em geral é o filho mais velho que sucede. Novamente, na Idade Média, o instituto da sucessão sofre mudanças em relação à antiguidade: a maleabilidade dos costumes faz com que, em regra, o primogênito fique com a terra, pois foi o filho que mais ajudou seus pais na manutenção e crescimento do patrimônio, porém, em certas províncias, será o filho mais moço, já que o filho mais velho se casa primeiro e vai estabelecer uma família por conta própria, enquanto o mais novo fica cuidando de seus pais na velhice.
O critério para a transmissibilidade do bem principal se baseia nos laços naturais, familiares, sanguíneos. Na morte de um pai de família, seu sucessor natural adquire o patrimônio, não interferindo a vontade do testamentário. O testamento, na ocasião, só serve aos bens móveis e para as terras adquiridas durante a vida, não fazendo estas parte do bem de família.
Caso ocorresse a falta de herdeiros diretos, os bens de origem paterna voltariam à família do pai, e os bens de origem materna, à família da mãe. Porém, antes de devolver os bens às respectivas famílias de origem, procura-se os parentes afastados, primos, sobrinhos netos.
Assim sendo, o pai de família não é o proprietário único e absoluto dos bens: assim como ele os recebeu de seus antepassados, deve repassar aos seus descendentes, sempre tendo o dever de os defender, proteger e os frutificar.
Pelo exposto, podemos observar as evoluções e características que, ao longo dos anos foram forjando o instituto da sucessão no Direito.
De grande esclarecimento são as lições de Guilherme Calmon, quando aduz que “a evolução histórica demonstra o papel e a influência dos elementos social, familiar e individual sobre a construção de regras e princípios jurídicos em matéria de sucessão hereditária, ora com a preponderância do elemento social e familial (na sucessão legítima), ora com a preponderância do elemento individual (na sucessão testamentária)”.