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Os Direitos do Nascituro à Luz do Artigo 2º da Lei nº 10.406/2002 (Novo Código Civil)

Os Direitos do Nascituro à luz do Artigo 2º da Lei nº 10.406/2002(Novo Código Civil)

Tema controverso e ainda longe de se pacificar na doutrina, a condição jurídica do nascituro movimenta inflamadas discussões entre juristas do mundo todo e com reflexos notáveis na atividade prática do direito. Dele defluem debates sobre temas igualmente polêmicos sem o entendimento uníssono de autoridades cientificas, jurídicas, políticas e religiosas.

Afinal, qual o status do nascituro no direito brasileiro? Pode ele ser admitido como pessoa e, portanto, como portador de personalidade jurídica? Instigado por indagações dessa natureza este estudo busca compreender matéria tão nebulosa, que incita profissionais de áreas diversas.

Qual é o conceito de “pessoa”? É neste ponto, certamente, que estará a resposta razoável às dúvidas advindas da matéria. Conforme ensina Washington de Barros Monteiro, filosoficamente,”Pessoa é o ente que realiza seu fim moral e emprega sua atividade de modo consciente. É o homem, ou qualquer coletividade, que preencha aquelas condições. Na acepção jurídica, pessoa é o ente físico ou moral, susceptível de direitos e obrigações. É o sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica.” ¹

No entendimento jurídico que ora interessa, cabe perguntar se o nascituro atende a esses pressupostos e, consequentemente, se possui o estado de pessoa. É da solução desse empasse que brotará a real situação do nascituro como portador de personalidade jurídica ou apenas como uma pretensão de adquiri-la.

Várias doutrinas se formaram no intuito de dirimir as dúvidas quanto a estágio jurídico do nascituro. Dentre tantas, lograram maior projeção a corrente natalista e a corrente concepcionista. A primeira, de maior recepção, admite o nascimento com vida como marco inicial da personalidade jurídica, sendo, em geral, a posição acolhida pelos países com legislações tolerantes e permissivas ao aborto. Doutro lado, em senda diametralmente oposta, figura-se a doutrina concepcionista, a reconhecer o começo da personalidade jurídica desde o momento da concepção, ou seja, a partir do processo de fecundação com a formação do zigoto ou embrião. A adoção de uma ou outra dessas correntes é que irá determinar o entendimento sobre diversos institutos a elas relacionados, como bem se nota no caso do aborto.

O legislador brasileiro não procedeu com clareza ao dispor sobre questão de tão grande relevância para o direito. O Artigo 2º da lei nº 10.406/2002(Novo Código Civil) aduz ser o nascimento com vida o termo inicial para adquirir o status de pessoa, a personalidade jurídica, e as prerrogativas que dela derivam. Entretanto, e eis a dificuldade interpretativa, acrescenta o artigo, in fine, que a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do concepto, o que de fato se verifica em vários de seus dispositivos. Reside aqui, efetivamente, o cerne do problema apresentado. A personalidade jurídica, consoante a disposição expressa no artigo sobredito, começa no instante do nascimento com vida, o que à primeira vista, credencia o direito brasileiro à corrente natalista. Porém, os direitos do nascituro assegurados pela lei são, desde logo, capazes de confirmar a personalidade do já concebido, que a lei prefere protelar ao seu nascimento com vida. Diante desse evidente paradoxo, não é possível afirmar, em definitivo, a que corrente se vincula o ordenamento brasileiro, à doutrina natalista ou à concepcionista. Sabe-se, sim, que o nascituro é titular de direitos a ele legalmente reconhecidos, mormente aqueles inerentes à natureza humana, a saber, os direitos personalíssimos.

O estudo da lei civil brasileira permite, com relativa facilidade, identificar vários dispositivos que encerram direitos, desde já, atribuídos ao nascituro. São direitos, em grande parte, atinentes à própria condição humana, os famigerados direitos da personalidade, como o direito prioritário à vida, à saúde e integridade física, à honra, à liberdade, dentre tantos. A lei ainda permite ao nascituro ter reconhecido o seu status de filho por iniciativa voluntária paterna (Artigo 1609 do atual Código Civil). Decisões importantes e pioneiras emanadas de tribunais paulistas têm deferido ainda ao feto a prerrogativa de ingressar em juízo como pólo ativo de uma ação de seu interesse, como a assistência pré-natal através da gestante e a investigação da paternidade, com a conseqüente ação de alimentos. Estes acórdãos representam um avanço substancial no tratamento da questão, por criarem tão relevante precedência nos tribunais, o que, naturalmente, confirmará de vez a titularidade de direitos do nascituro e a sua personalidade jurídica, adquirida desde a concepção.

Além dos direitos já mencionados, o Código Civil Brasileiro reconhece ao nascituro direitos de ordem patrimonial, os quais, no entanto, ficam subjugados à condição suspensiva do nascimento com vida. Esses direitos só terão plena eficácia quando da verificação da condição prevista, e é o que ocorre, exemplificativamente, em casos de recebimento de herança ou de doação. Se o feto nascer vivo e assim permanecer, ainda que por mínimo lapso de tempo, adquire na totalidade seus diretos patrimoniais, podendo, em caso de óbito posterior, transmiti-los aos seus herdeiros legais. Se, no entanto, nascituro não superar a condição de nascer com vida (natimorto), seus direitos patrimoniais retornam ao monte de origem como se de lá nunca houvessem sido retirados. Mesmo nesses casos, tem o nascituro a prerrogativa de efetuar, mediante adequada representação, atos de administração e conservação do direito futuro e condicional.

Nota-se que a legislação civil brasileira elenca um expressivo número de direitos endereçados ao nascituro, o que embaraça a exegese do artigo 2º do atual Código Civil. Não há, destarte, segurança suficiente para afirmar, peremptoriamente, qual seja a real tutela civil dispensada ao nascituro. A sustentar numa interpretação lógica, extensiva e sistemática do referido artigo, parece ser de melhor sabedoria credenciar o Direito Brasileiro à doutrina concepcionista, por ser esta a que melhor se ajusta aos demais dispositivos legais.