O artigo em apreço trata das feições e limites do processo administrativo de trânsito, desde a autuação da infração até a imposição da penalidade de cassação da CNH.
I – DAS INFRAÇÕES
II – DA AUTUAÇÃO
III – NOTIFICAÇÃO E DEFESA DA AUTUAÇÃO
IV – DA APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE ADVERTÊNCIA POR ESCRITO
V – IDENTIFICAÇÃO DO CONDUTOR INFRATOR
VI – NOTIFICAÇÃO DA PENALIDADE
VII – RECURSO À JUNTA AMINISTRATIVA DE RECURSO DE INFRAÇÕES – JARI (1ª INSTÂNCIA) E AO CETRAN/CONTRADIFE/CONTRAN/JARI (2ª INSTÂNCIA)
VIII – PEDIDO DE REVISÃO E DIREITO DE PETIÇÃOIX – PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA IMPOSIÇÃO DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR E CASSAÇÃO DA CNH
X – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste ano o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) completará a sua primeira década de vida. Certamente muitas vozes se levantarão para criticá-lo, na medida em que atualmente assistimos a um aumento da violência no trânsito, o que de certa forma poderia indicar a sua ineficácia. Porém, inequivocadamente, a sua promulgação propiciou a mudança de vários paradigmas e é possível se afirmar que os resultados só não foram melhores em virtude da inércia do Poder Público, mais preocupado com a arrecadação de receitas de multas do que com a efetiva educação para o trânsito e a redução dos danos causados por acidentes de trânsito.
Da mesma forma se verifica que a maioria dos motoristas pouco ou nada sabe a respeito de seus direitos como parte integrante do trânsito, seja no tocante às garantias erigidas para a segurança, fluidez, conforto e à educação para o trânsito, seja em relação ao seu direito de ampla defesa e contraditório relacionado ao processo administrativo de trânsito.
Devido a relativa escassez de artigos doutrinários versando sobre este tema, buscaremos estabelecer as fases e feições do processo administrativo para imposição de penalidades, desde a lavratura do auto de infração de trânsito até a imposição da penalidade de cassação da CNH, de forma a fornecer à comunidade acadêmica e ao público em geral mecanismos aptos à lídima defesa de seus interesses.
I – DAS INFRAÇÕES
O processo administrativo de trânsito foi considerado tão importante para o legislador que fez por merecer capítulo próprio no CTB. Dividido em duas seções, ele descreve minuciosamente todos os procedimentos a serem observados pelas autoridades e agentes da autoridade de trânsito no caso de infração à legislação de trânsito, a fim de que o Estado, por meio dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), na esfera de suas competências, exerça o jus puniendi e aplique a penalidade cabível ao infrator.
Prescreve o artigo 161 do CTB que a inobservância a qualquer preceito do Código, da legislação complementar ou das resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) constitui infração de trânsito, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas cabíveis indicadas em cada artigo, além das punições previstas como crimes automobilísticos.
Insta salientar, entretanto, que não é todo preceito contido no CTB que será tipificado como infração, mas tão somente aqueles indicados no Capítulo XV (Das Infrações). Explica-se: o Capítulo III trata das normas gerais de circulação e conduta e elenca uma série de mandamentos a serem observadas pelos usuários das vias públicas, porém um sem número delas não apresenta preceito sancionador em caso de desobediência. Neste passo deve se registrar que muitas infrações de trânsito são previstas em legislação complementar, como, por exemplo, aquelas dispostas no Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (Decreto nº 96.044, de 18 de maio de 1988).
Questão polêmica surge quando o intérprete se debruça sobre o § único do artigo 161, o qual prescreve, ipsis literis, que “as infrações cometidas em relação às resoluções do CONTRAN terão suas penalidades e medidas administrativas definidas nas próprias resoluções”. É consabido que àquele órgão, coordenador do SNT e instância máxima normativa e consultiva, o CTB concedeu atribuição para estabelecer as normas regulamentares referidas no Código, necessárias a sua melhor execução (inciso I do artigo 12 c.c artigo 314).
Para introdução da presente questão mister se faz relembrar o insígne Pontes de Miranda, em cujo escólio assevera que:
Regulamentar é editar editar regras que se limitem a adaptar a atividade humana ao texto e não o texto à atividade humana – cria meios que sirvam à atividade humana para melhor se entender o texto. Tanto assim que, se os casos apontados não esgotam o conteúdo da regra legal, os intérpretes, judiciários e administrativos, não ficam adstritos à taxatividade intrusa. Onde se estabelecem, alteram, ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso de poder regulamentar, invasão da competência do Poder Legislativo. O regulamento não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei.1
O nosso legislador foi imensamente infeliz e laborou em erro crasso ao admitir que uma simples resolução do CONTRAN possa criar uma nova infração, originalmente não prevista no CTB. O que se observa atualmente é um abuso desse poder regulamentar, com a elaboração de resoluções regulamentando assuntos já perfeitamente delineados no CTB e para o qual não se verifica remissão à necessidade de regulamentação por aquele órgão.Interessante se frisar que o Chefe do Poder Executivo à época, por meio da Mensagem nº 1.056, de 23 de setembro de 1997, nos termos do § 1º do artigo 66 da Constituição Federal, vetou parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei n° 3.710, de 1993 (n° 73/94 no Senado Federal), que instituiu o CTB. A mensagem de veto do § 2° do art. 256 está assim descrita:
Art. 256…………………§ 2° As infrações para as quais não haja penalidade específica serão punidas com a multa aplicada às infrações de natureza leve, enquanto não forem tipificadas pela legislação complementar ou resoluções do CONTRAN…………………..Razões do veto:”A parte final do dispositivo contraria frontalmente o princípio da reserva legal (CF, art. 5°, II e XXXIX), devendo, por isso, ser vetado” (grifo meu).2
O que não se pode olvidar, entretanto, é que igual orientação não se observou no tocante ao contido no artigo 161, o qual, de igual forma e pelos mesmos motivos, deveria ser vetado parcialmente. Nesse sentido alinho-me com o pensamento do inigualável Waldyr de Abreu, que em brilhante lição destaca:
Se os regulamentos estão infra legem, quanto mais as resoluções, açodadamente produzidas ao sabor das circunstâncias e interesses às vezes pouco claros. Quando chegam à veleidade de criar infrações, mesmo administrativas de trânsito, ferem, no mínimo, o item II do art. 5º da Constituição Federal: Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”. Até mesmo dentro dos limites legais de sua competência, a proliferação desordenada de resoluções, como já vem ocorrendo e ameaça agravar-se, aumentará as incertezas no trânsito, fora do alcance necessário do grande público e insuficientemente conhecidas do próprio CONTRAN e seus conselheiros. Ninguém é capaz de dizer hoje quantas estão em vigor e em que limites. É expressiva a disposição transitória ao art. 314 do novo Código.Pela ampla argumentação alinhada, todas as infrações de trânsito pretensamente criadas por resoluções do CONTRAN, que não sejam meros desdobramentos não exorbitantes das impostas no código, por manifesta inconstitucionalidade não resistirão à apreciação judiciária. Fomentam a balbúrdia viária, a arbitrariedade e minam o prestígio da autoridade pública.3
Com a sucinta finalidade de arrematar o assunto, a fim de exemplificar o acima exposto, trago à lembrança as infelizes iniciativas da Carteira Nacional de Habilitação com faixa dourada (Resolução nº 121/01) e, mais recentemente, a autuação do motorista que conduz veículo com a Permissão para dirigir vencida há mais de 30 dias como incurso nas sanções do inciso V do artigo 162 (Resolução nº 168/04).
II – DA AUTUAÇÃO
Finda a polêmica acerca da tipificação das infrações, passemos a estudar as fases do processo administrativo de trânsito. O CTB prescreve que, ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual deverá constar:
Art. 280…………………………………….
I – tipificação da infração;II – local, data e hora do cometimento da infração;III – caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;IV – o prontuário do condutor, sempre que possível;V – identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração;VI – assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.4
Os elementos acima indicados são os dados mínimos que deverão fazer parte do auto de infração, sendo que a estes ainda se somam o previsto em legislação específica, como por exemplo, os requisitos previstos na Resolução nº 165/04 do CONTRAN e Portaria nº 16/04 do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), a serem observadas para as infrações referentes à utilização de sistemas automáticos não metrológicos, bem como ao disposto na Resolução nº 146/03, a qual disciplina a utilização de equipamentos eletrônicos nas infrações por desrespeito aos limites de velocidade.
A tipificação da infração consiste na descrição do dispositivo legal violado, acompanhado do respectivo código de enquadramento, os quais podem ser obtidos por meio da Resolução nº 66/98 do CONTRAN e das Portarias nº 01/98 e 31/98 do DENATRAN, para onde remetemos o leitor.5 As circunstâncias de local e de tempo devem ser descritas a seguir, discriminando-se a via pública, o numeral ou ponto de referência onde ocorreu a infração. Para perfeita identificação do veículo, deverá o auto de infração conter os caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação, como, por exemplo, a sua cor ou a numeração do chassis, este último no caso de veículos que ainda não tenham sido registrados.
Conforme prescrito nos incisos IV e VI, o número de registro e a assinatura do condutor deverão ser colhidas, sempre que possível, sendo que no caso de impossibilidade esta circunstância deverá ser obrigatoriamente relatada no próprio auto de infração pelo agente de trânsito, em campo próprio do documento (observações), local onde ficará assentada a razão pela qual não foi possível a abordagem do veículo infrator. Essa assertiva também é defendida por Waldyr de Abreu, para quem:
O § 3º exige certa reflexão. Parece-nos que se refere ao infrator ausente, mas nem sempre também o veículo, como em geral ocorre no estacionamento irregular; ou quando o infrator advertido da infração, num avanço de sinal, por exemplo, não pára em atendimento aos silvos regulamentares do agente de trânsito e foge. Enfim, uma terceira hipótese, com tendência a crescer, é a de a infração ser surpreendida e provada, por meio eletrônico e outros, sem a presença do guarda no momento. Então, com os dados constantes dos incisos I, II e III do artigo ora em apreço e os esclarecimentos acima, o auto irá à autoridade competente, para seu julgamento, na forma do art. 281.6
A identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito será sempre obrigatória, bem como do equipamento que comprovar a infração, conforme se observa do contido no § 3º do artigo 2º da Resolução nº 149/03. Conforme já defendi em posicionamento anterior,7 mister se faz necessário que o agente de trânsito tenha presenciado a infração, ainda que a tenha comprovado por meio de equipamento eletrônico.
O § 4º do artigo 280 prescreve que o agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista, ou policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência. Referida norma estabelece, cristalinamente, que o servidor civil deva ser nomeado para exercer a referida função, ou seja, trata-se de provimento originário a ser efetuado por meio de concurso público para um cargo específico, o que afasta, por via de conseqüência, o servidor celetista. Igualmente, com arrimo na Deliberação nº 01/2005 do Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN) de São Paulo, em Parecer do DENATRAN e na regra inserta no § 8º do artigo 144 da CF/88, diga-se o mesmo a respeito das Guardas Municipais.8
Na seqüência o auto será encaminhado à autoridade de trânsito, a qual, na esfera de sua competência e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade de multa ou de advertência por escrito, essa última desde que se trate de infração de natureza leve ou média da qual o infrator não seja reincidente nos últimos 12 (doze) meses, tratando-se de direito público subjetivo do infrator, sujeito tão somente à análise pela autoridade dos seus requisitos objetivos.
Todavia, caso a autoridade de trânsito não expeça a notificação da autuação no prazo máximo de 30 (trinta) dias ou considere o auto de infração inconsistente ou irregular, este será arquivado e seu registro julgado insubsistente. Muito se discute sobre as diferenças entre a consistência e a regularidade do auto. Nesse aspecto colha-se a magistral lição do jurista Alessandro Samartin de Gouveia:
3 – DA EXISTÊNCIA OU INEXISTÊNCIA DO AIT
Sabemos que para existir um auto de infração de trânsito necessário se faz que seus elementos principais se concretizem. Sabemos que esses elementos são três, lavratura por Autoridade de Trânsito ou por Agente seu, conduta possivelmente infratora e a forma escrita.
Portanto, antes de qualquer análise qualificativa do auto de infração de trânsito a Autoridade de Trânsito que o estiver julgando deverá, primeiramente, analisar se os citados elementos de existência do auto de infração de trânsito estão presentes. Assim, o primeiro passo é examinar se o auto de infração foi lavrado por uma Autoridade de Trânsito ou um Agente seu. Salientamos que a análise feita não será se temos um AIT lavrado por Autoridade de Trânsito ou Agente da Autoridade de Trânsito competente, não! Investigamos só se a lavratura foi feita por um desses agentes. Se não foi, julgamos, de pronto inexistente o auto de infração, não aplicando nenhuma sanção ao infrator. Se foi, passamos ao segundo elemento.
Analisaremos, superada a primeira etapa, se a conduta descrita no AIT é uma conduta possivelmente infratora. Ou seja, se existe, dentro da legislação pertinente, a previsão daquela conduta como uma infração, por exemplo, avançar o sinal luminoso vermelho. Se não temos uma conduta passível de sanção, julgamos o auto de infração inexistente, não aplicando nenhuma sanção ao suposto infrator. Se há, passamos para a análise do último elemento de existência.
A forma consiste no revestimento externo dos fatos, no caso do auto de infração de trânsito, ele só poderá ter a forma escrita. Portanto, se o auto de infração não estiver na forma escrita, prontamente, a autoridade de trânsito, julgadora, deverá declará-lo inexistente, igualmente não aplicando nenhuma sanção ao suposto infrator. Agora, se estiver revestido de forma escrita, a autoridade de trânsito, competente para o julgamento, deverá avançar, passando a analisar os elementos qualificativos do auto de infração: (in)consistência, (ir)regularidade ou emissão da notificação da autuação fora do prazo de trinta dias. (…)
4.1 – (IN)CONSISTÊNCIA DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO
(….) Logo, ser consistente o AIT implica, necessariamente, em ser, o auto de infração, existente , pela concreção dos elementos nucleares do suporte fático e que as informações nele contidas sejam absolutamente verdadeiras.
Destarte, podemos afirmar que um auto de infração de trânsito será consistente, sempre que as informações nele narradas, desde a competência da autoridade ou agente da autoridade de trânsito até a infração, forem absolutamente verdadeiras.
Por exemplo, um cidadão estaciona o seu veículo em um local proibido, o agente da autoridade de trânsito competente, descreve no auto de infração aquela conduta e a tipifica. Todos os elementos do auto de infração que estão presentes são verdadeiros, logo, o auto de infração será consistente, porém, mesmo sendo consistente ele poderá ser irregular, porque, nesta, o que se exige é a presença do elemento e naquela é necessária a verdade da informação trazida pelo elemento presente. Estipulamos o que venha a ser consistente um auto de infração de trânsito, agora, de posse desse conhecimento, podemos, com segurança, passarmos a definir a inconsistência. Portanto, se temos, para consistência, a verdade, obviamente que, para inconsistência, teremos a inverdade, isto é, qualquer dúvida que exista sobre o elemento presente é suficiente, se não for possível o seu afastamento, a gerar a inconsistência do AIT.
(…) Por isso, a inconsistência, é um vício que pode ser suscitado a qualquer tempo do processo administrativo de trânsito e fora dele também, pois o pagamento da multa, proveniente de AIT inconsistente, é indevido.
Finalmente, vale ressaltar que o fato de ser, o auto de infração de trânsito, (in)consistente, não implica, necessariamente, na sua (ir)regularidade, porque consistência e regularidade são conseqüências totalmente distintas.
4.2 – DA (IR)REGULARIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO
A irregularidade do auto de infração diz respeito à ausência dos requisitos de validade do AIT, que são os previstos no art. 280, do CTB. Ser irregular é não dispor das informações essenciais para que o infrator exerça, regularmente, seu direito de defesa. Noutras palavras, é suprimir os elementos prescritos pelos incisos I, II, III, IV5 , V e VI6 , do Art. 280, do CTB.
Notemos que não dispor da informação impede, logicamente, que se possa exercer um juízo adequado de valor sobre a veracidade ou inverdade da declaração presente no auto de infração de trânsito, porque o elemento simplesmente não existe. A irregularidade do auto de infração em nada tem a ver com (in)consistência dele. Tal afirmação parecerá contraditória, se pensarmos que ambos são analisados no plano da validade, mas não na é. O AIT inconsistente possui um vício decorrente da concreção defeituosa dos elementos complementares, pois não retrata a verdade. Entretanto, um auto de infração irregular, que traga consigo a notícia do cometimento de uma infração de trânsito, não terá seu efeito produzido porque a concreção dos elementos complementares não foi completa, por não estarem presentes todos os elementos do suporte fático.
Anotemos que em ambos, inconsistência e irregularidade, teremos suportes fáticos deficientes, mas por causas diversas, naquele, pela falsidade da informação, e neste, pela ausência de um ou mais dos elementos complementares do suporte fático.9
III – NOTIFICAÇÃO E DEFESA DA AUTUAÇÃO
O exercício da defesa prévia, como o instituto era conhecido na vigência do antigo Código Nacional de Trânsito (CNT), teve disciplina estabelecida, respectivamente, pelas Resoluções nº 568/80, 744/89 e 829/97, tendo esta última vigorado, segundo nosso entendimento, até a edição da Resolução nº 149/03, quando foi tacitamente revogada. Após a edição do CTB, abalizadas vozes negaram, por muito tempo, a existência do instituto ante a suposta lacuna do texto legal. Ocorre que o artigo 314 do CTB deu plena eficácia à Resolução nº 829/97, a qual prescrevia em seu artigo 1º que:
O ato administrativo punitivo relativo à prática infracional de trânsito, precedido de ações que tenham assegurado ao infrator o exercício da defesa prévia, se efetiva a partir do momento em que, comprovadamente, se deu ciência ao apenado (grifo meu).10
Diga-se mais ainda. Com a alteração efetuada pela Lei nº 9.602/98 no inciso II do § único do artigo 281, restou evidente no texto legal a existência da dupla notificação: esta, relativa à notificação da autuação, e a constante do artigo 282, atinente à notificação da imposição da penalidade. Ainda que não se tenha sido erigida pelo CTB à categoria de recurso próprio, apresenta esta todas as nuances daqueles institutos, uma vez que seu deferimento propicia o imediato arquivamento do auto de infração. Apesar de todo o arcabouço jurídico existente, capitaneado pelo inciso LV do artigo 5º da CF/88, os motoristas brasileiros foram sumariamente destituídos de tão importante direito por mais de cinco anos.
E ainda continuam sendo face à consolidação da jurisprudência no sentido de que a autuação in facie do infrator, excluída tão somente a situação em que esta seja de responsabilidade do proprietário e o mesmo não esteja conduzindo o veículo, deve ser considerada como a primeira notificação, iniciando-se a partir daí o prazo de 30 dias para apresentação da defesa da autuação, desprezando por isso mesmo a regra contida no § 3º do artigo 3º da Resolução nº 149/03, a qual não exime o órgão de trânsito de expedir aviso informando ao proprietário do veículo os dados da autuação e do condutor identificado.
Equívoco expressivo comete nossos doutos julgadores e os eminentes conselheiros do CONTRAN. Desconhecem esses ilustres personagens que o início do processo administrativo para imposição de penalidade só irá se iniciar se a autoridade de trânsito julgar o auto de infração consistente e regular, pois caso contrário este será arquivado e seu registro julgado insubsistente. Portanto, o proprietário do veículo somente poderá apresentar a defesa da autuação quando esta for julgada válida pela autoridade de trânsito e encaminhada para sua ciência, ocasião então que se iniciará o prazo para apresentação do recurso. Qualquer entendimento em sentido oposto se chocará frontalmente com os sagrados princípios da ampla defesa e do contraditório e, com certeza, causará sérios prejuízos aos administrados.
Findo o julgamento do auto de infração pela autoridade de trânsito, deve esta expedir, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data do cometimento da infração, a notificação da autuação dirigida ao proprietário do veículo, na qual deverão constar, no mínimo, os dados definidos no art. 280 do CTB e em regulamentação específica (art. 281 do CTB e art. 3º da Resolução nº 149/03), devendo ser frisado que para infrações comprovadas por sistemas automáticos não metrológicos, tais como o avanço do sinal vermelho do e semáforo e parada sobre a faixa de pedestre, a notificação da autuação (e da imposição de penalidade) deverá conter, obrigatoriamente, a informação de que a infração foi comprovada por meio do uso daqueles sistemas.
A expedição da notificação se fará por meio de remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência do julgamento da autuação (aplicável à Defesa da Autuação, por analogia ao contido no caput do art. 282). Note-se que o CTB é claro ao impor aos órgãos e entidades de trânsito o dever de assegurar efetiva ciência ao proprietário do veículo, situação excepcionada tão somente no caso de devolução da notificação por desatualização do endereço do destinatário.
Ocorre que, inobstante tal fato, exorbitando de seu poder regulamentar, o CONTRAN estipulou que a expedição se caracterizará pela entrega da notificação da autuação à empresa responsável por seu envio, confrontando-se com a legislação maior e prejudicando claramente os administrados, uma vez que é consabido que esta entrega se faz por meio do conhecido AR (Aviso de Recebimento), o qual é restituído ao emitente após três tentativas de entrega.
Verifica-se que grande parte dos proprietários de veículos trabalha durante o período comercial, ocasião em que suas residências se encontram vazias, sendo cientificados tão somente, na imensa maioria das vezes, quando do licenciamento do veículo, tolhendo-se seus direitos inarredáveis de contraditório e ampla defesa pelo transcurso dos prazos de recursos. E nem se diga que a publicação de edital em jornal de circulação local e/ou regional ou em Diário Oficial possa suprir tal lacuna, haja vista que seria ilógico e indevido impor ao proprietário de veículo acompanhar diariamente essas publicações.Talvez uma solução intermediária para esse impasse seja a previsão contida na Deliberação nº 01/04 do CETRAN/SP,11 a qual prescreve que a expedição se caracterizará pela entrega da notificação à empresa responsável pelo seu envio, no endereço constante nos registros do órgão expedidor do CLA, situação esta que aparenta ser mais condizente com o preconizado no CTB, deixando-se de utilizar o famigerado AR.
Outra questão a ser posta se relaciona com as matérias a serem ventiladas na defesa da autuação. A Deliberação nº 01/04 do CETRAN/SP e várias portarias de órgãos e entidades de trânsito cingem o campo de abrangência da defesa da autuação aos aspectos formais do auto de infração, sem adentrar ao mérito da imputação, restringindo inadvertidamente o alcance postulado pela Resolução nº 149/03, que não limita a abrangência do instituto. E nem poderia ser diferente, uma vez que a limitação imposta fere mortalmente o princípio da ampla defesa.
Igual entendimento é ressaltado pelo CETRAN/SC na Resolução nº 008/2004,12 a qual veda expressamente a discussão acerca do mérito da infração, tendo, a par do entendimento ofertado pelo jurista Alessandro Samartin Gouveia, em interpretação autêntica, confundido inconsistência com irregularidade do auto de infração (artigo 8º, § 1º).
Nessa seara deve ser registrada e aplaudida a iniciativa dos preclaros Conselheiros do CETRAN/RJ, os quais fixaram entendimento no sentido de que “uma vez conhecidos elementos fáticos e/ou jurídicos capazes de proporcionar a análise das alegações apresentadas pelos recorrentes, as autoridades de trânsito – estaduais ou municipais, in casu específico – são obrigadas a promoverem decisões de mérito nos processos de DEFESA DA AUTUAÇÃO (defesa prévia), regularmente interpostos na forma do §2º. do artigo 3º. da Resolução CONTRAN nº. 149/2003” (Parecer nº 01/2005. Relator: Dr. Antônio Sérgio de Azevedo Damasceno. Disponível em:
Para abrilhantar o esmero da decisão acima adotada, tomo a liberdade de transcrever excerto do voto lavrado na Ata da 14ª Seção Ordinária daquele órgão:
Ao proceder o julgamento da defesa da autuação, decerto precedida de uma minuciosa análise da consistência ou regularidade do auto de infração, a autoridade de trânsito não poderá furtar-se em avaliar as alegações oferecidas pelo recorrente ─ proprietário e/ou condutor do veículo infracionado ─ sobre o não cometimento da infração contestada; e, inclusive, das razões que o levaram, inesperadamente, a cometê-la. (…) É oportuno relembrar que os valorosos órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público têm manifestado, inúmeras vezes, o seu posicionamento quanto à ilegalidade das decisões alcançadas em processos administrativos, cujos acusados não tenham sido assegurados o exercício dos ditos princípios constitucionais. Veja-se, por exemplo, o enunciado da Súmula 127 do STJ Superior Tribunal de Justiça , documento que contém registrado o seu entendimento quanto a que “é ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento da multa, da qual o infrator não foi notificado”.
Ora, se a Constituição Federal preceitua que “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (alínea “a”, do inciso XXXIV, do artigo 5º. da CRFB); não será por demasiado relembrar que aos ocupantes de cargos, empregos e/ou funções públicas, investidos sob qualquer das formas admitidas em lei, cumprem estreita observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, mandamentos esses estabelecidos no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Ante ao exposto, Senhores Conselheiros, por entender que as decisões alcançadas nos processos de defesa da autuação (defesa prévia), regularmente interpostos às autoridades de trânsito – estaduais e municipais , devem ser precedidas de minuciosa avaliação quanto às alegações e às provas apresentadas pelo recorrente, eConsiderando os enunciados das Súmulas nºs. 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, e o princípio da inafastabilidade, previsto no inciso XXXV do art. 5º. da Constituição da República Federativa do Brasil, verbis: ─ Súmula 346 do STF: “A Administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”─ Súmula 473 do STF: “A Administração pode anular seus próprios atos, quanto eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”— Inc. XXXV do art. 5º. CRFB: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”Considerando a responsabilidade objetiva conferida aos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, conforme preconizado no §3º. do artigo 1º. do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, ipsis litteris:CTB ─ ” Art. 1º.§ 3º. Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.”
VOTO pela OBRIGATORIEDADE DAS AUTORIDADES DE TRÂNSITO ESTADUAIS E MUNICIPAIS , sob pena de nulidade dos seus atos, PROMOVEREM DECISÕES DE MÉRITO nos processos administrativos instaurados para apuração das responsabilidades dos proprietários ou condutores de veículos infracionados, regularmente notificados para a apresentação de defesa da autuação, na forma do artigo 3º., caput, e seu §2º., da Resolução CONTRAN nº. 149/2004.13
A conclusão acima exposta também é reforçada pelo escólio do jurista Alessandro Samartin Gouveia, que assevera:
A primeira situação a ser examinada decorre da apresentação tempestiva da defesa prévia. Sabemos que o prazo para interposição da defesa prévia é de trinta dias contados da data em que o suposto infrator tomou ciência da autuação. E ele poderá impugnar todas as matérias atinentes ao auto de infração, desde a existência do AIT até a existência da infração.
Pois bem, com a interposição dentro do prazo, nasce para o autor da defesa prévia o direito de ter todos os seus pedidos e fundamentos examinados e julgados pela autoridade de trânsito que julgar o AIT. Por exemplo, se o suposto infrator alega a inexistência do auto de infração de trânsito porque o agente autuador não era agente da autoridade de trânsito, esse argumento não poderá ser relevado pela autoridade julgadora, sob pena de infringência direita ao princípio da ampla defesa, porque a não apreciação da matéria implicará em sérios danos à defesa do suposto infrator.
Portanto, temos, pela tempestiva apresentação da defesa prévia, a necessária vinculação da decisão da autoridade julgadora, sob pena de nulidade da decisão de imposição de penalidade. Salientemos que só não será necessário o enfrentamento de todas as razões da defesa prévia se, com a procedência de uma delas, as demais restarem prejudicadas, mas, mesmo nessa hipótese, tal circunstância deve ser expressamente referida no julgamento.
IV – DA APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE ADVERTÊNCIA POR ESCRITO
A penalidade de advertência por escrito poderá ser imposta no caso de infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa. Para Waldyr de Abreu a advertência é uma pena substitutiva da pena de multa leve ou média, de caráter essencialmente educativo, aplicável a critério da autoridade e desde que o condutor tenha bom prontuário, observando que a penalidade de multa anteriormente imposta deva apresentar decisão definitiva dentro do prazo a ser considerado (doze meses).14
A doutrina remansosa indica que esta não é uma faculdade concedida à autoridade de trânsito, mas sim um direito público subjetivo do infrator, desde que as circunstâncias objetivas ali estatuídas se façam presentes.
Questão controvertida a ser desvendada pelo intérprete da norma em comento se refere ao momento de sua imposição, ou seja, se esta deve ser aplicada após o julgamento do auto de infração pela autoridade ou após pedido expresso do infrator na análise da defesa da autuação. Sabe-se que a maioria dos órgãos e entidades de trânsito, sob o manto de alegações absurdas e questionáveis, preferem impor a penalidade de multa ao revés da advertência por escrito, mesmo porque em nenhum momento há o efetivo julgamento do auto de infração e as notificações de penalidade são impressas indistintamente, sob os auspícios da informática.
Cumpre-nos, nesse aspecto, parabenizar os eminentes conselheiros do CETRAN/SC que, percebendo a lacuna legislativa e a oposição das autoridades de trânsito em impor a referida penalidade, em afronta ao princípio da motivação dos atos administrativos, assentaram entendimento, por meio do Parecer nº 016/2005, no sentido de que nas decisões hipoteticamente sujeitas à imposição da advertência, a autoridade de trânsito tem o dever de motivar o seu ato, esclarecendo ao infrator o motivo pelo qual optou por advertir ou multar, sob pena de tornar o ato nulo, caso não proceda dessa forma,15 situação esta a que me filio por entender ser a mais coerente com a intenção do legislador. O referido parecer culminou, em 13 de junho de 2005, na publicação da Resolução nº 010/2005, a qual estabelece, ipsis literis:
(…)Art. 1o Nas hipóteses em que o Código de Trânsito Brasileiro prevê a aplicação de penalidade de advertência, a autoridade de trânsito deve justificar o motivo pelo qual deixou de fazê-lo.Art. 2o As Juntas Administrativas de Recursos de Infrações e o Conselho Estadual de Trânsito considerarão em suas decisões a falta de motivação do ato da autoridade de trânsito que deixar de aplicar a penalidade de advertência, sujeitando esse ato ao reconhecimento da nulidade.16(…)
Entendimento contrário possui o eminente jurista Arnaldo Luis Theodosio Pazetti, para o qual não pode a autoridade de trânsito impor, de ofício, a referida penalidade, devendo esta ser solicitada pelo infrator, assentado no seguinte entendimento:
Embora a redação do supracitado artigo não tenha explicitado, entendemos não ser possível a conversão de ofício da penalidade de multa em penalidade de advertência por escrito, pois, embora tal conversão, em tese, fosse benéfica em virtude de se afastar a aplicação de penalidade pecuniária, o infrator poderia entender que, no seu caso, seria preferível arcar com o valor de uma multa leve ou média ao invés de ver lançada uma advertência por escrito em seu prontuário.
Havendo solicitação da conversão por parte do infrator, a autoridade de trânsito poderá (na realidade deverá, caso não fundamente o motivo do indeferimento do pedido de conversão) aplicar a penalidade de advertência por escrito, desde que o interessado encontre-se nas hipóteses previstas no artigo 267, ou seja, desde que não tenha praticado a mesma infração, de natureza leve ou média, nos últimos doze meses, e a autoridade de trânsito entender esta providência como mais educativa.17
V – IDENTIFICAÇÃO DO CONDUTOR INFRATOR
Sendo a infração de responsabilidade do condutor, quando este não for identificado no ato do cometimento da infração, incumbe ao proprietário do veículo preencher o formulário de identificação de condutor infrator constante da notificação da autuação, o qual só produzirá os efeitos legais se estiver corretamente preenchido, assinado e acompanhado de cópia legível do documento de habilitação, além de documento que comprove a assinatura do condutor infrator, quando esta não constar do referido documento.A não identificação do condutor dentro do prazo fixado importará na imputação de responsabilidade ao proprietário do veículo e, sendo este pertencente a pessoa jurídica, na imposição de nova multa, mantida a originada pela infração, cujo valor é o da multa multiplicada pelo número de infrações iguais cometidas no período de doze meses (art.8º da Resolução nº 149/03 c.c a Resolução nº 151/03 e art.257, § 8º do CTB).
VI – NOTIFICAÇÃO DA PENALIDADE
Em caso de indeferimento da Defesa da Autuação ou de seu não exercício no prazo previsto (mínimo de quinze dias contados a partir da data da notificação), a autoridade de trânsito aplicará a penalidade, expedindo a notificação da penalidade, da qual deverão constar, no mínimo, os dados definidos no art. 280 do CTB, o previsto em regulamentação específica e a comunicação do não acolhimento da defesa, além da informação de que a penalidade foi aplicada em virtude da infração ter sido comprovada por meio de sistema automático não metrológico, se for o caso.
Caso a penalidade de multa seja aplicada, na notificação da penalidade deverá constar a data do término do prazo de apresentação de recurso do responsável pela infração, que não será inferior a trinta dias, contados da data da notificação, seja pelo condutor ou pelo proprietário, uma vez que ambos possuem legitimidade para tal procedimento. A data ali estabelecida delineará, também, a data para o recolhimento da multa, que poderá ser feita, nesse interregno, por oitenta por cento do seu valor.
VII – RECURSO À JUNTA AMINISTRATIVA DE RECURSO DE INFRAÇÕES – JARI (1ª INSTÂNCIA) E AO CETRAN/CONTRADIFE/CONTRAN/JARI (2ª INSTÂNCIA)
Recebida a notificação da penalidade de multa, inicia-se para o administrado o prazo para interposição de recurso à JARI, o qual deve ser protocolado junto ao órgão ou entidade de trânsito que impôs a penalidade, no prazo legal, sem o recolhimento de seu valor. Deve ser frisado que para cada penalidade aplicada deverá ser interposto, isoladamente, um recurso à JARI, no caso de cometimento de várias infrações, ainda que o infrator tenha recebido um único auto de infração.
Se a infração for cometida em localidade diversa daquela do licenciamento do veículo, o recurso poderá ser apresentado junto ao órgão ou entidade de trânsito da residência ou domicílio do infrator, devendo a autoridade de trânsito que receber o recurso remetê-lo, de pronto, à autoridade que impôs a penalidade, certificando a data de seu recebimento e fazendo-o acompanhar das cópias dos prontuários necessários ao julgamento.
Recebido o recurso na forma acima indicada ou interposto diretamente junto ao órgão de trânsito, incumbe à autoridade que impôs a penalidade remeter o recurso à JARI, dentro dos dez dias úteis subseqüentes à sua apresentação, e, se o entender intempestivo, assinalar o fato no despacho de encaminhamento. Após ser capeado, numerado e rubricado, inicia-se o procedimento administrativo junto a JARI, que deverá julgá-lo em até trinta dias; se, por motivo de força maior, o recurso não for julgado dentro deste prazo, a autoridade que impôs a penalidade, de ofício, ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo.
Em caso de indeferimento do recurso pela JARI, permite-se ao administrado opor-se à pretensão punitiva estatal por meio de recurso em 2ª instância, no prazo de trinta dias contado da publicação ou da notificação da decisão, desde que acompanhado do comprovante de recolhimento do valor da multa, imposição esta que já foi devidamente validada por diversos Tribunais de Justiça e pelo Superior Tribunal de Justiça, devendo ser apreciado pelo órgão colegiado no prazo de trinta dias.
Tratando-se de penalidade imposta por órgão ou entidade de trânsito da União, será o recurso apreciado pelo CONTRAN nos caso de suspensão do direito de dirigir por mais de seis meses, cassação do documento de habilitação ou penalidade por infrações gravíssimas; nos demais casos, a apreciação do recurso incumbirá a um colegiado especial integrado pelo Coordenador-Geral da JARI, pelo Presidente da Junta que apreciou o recurso e por mais um Presidente de Junta, sendo que, em havendo apenas uma JARI, o recurso será julgado por seus próprios membros.Essa última situação é fortemente criticada por Waldyr de Abreu, para quem esta estrutura não parece ser capaz de garantir decisões boas, imparciais e confiáveis, embora de última instância administrativa.18 Ressalta aos olhos, por óbvio, que tal permissivo afronta sobremaneira a garantia de ampla defesa e contraditório, caracterizando, cristalinamente, supressão de instância recursal.
Em se tratando de penalidade imposta por órgão ou entidade de trânsito estadual, municipal ou do Distrito Federal, serão os recursos interpostos apreciados pelo CETRAN e pelo Conselho de Trânsito do Distrito Federal (CONTRANDIFE), respectivamente.A apreciação do recurso acima indicado encerra a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades, finda a qual as penalidades aplicadas nos termos do CTB Código serão cadastradas no Registro Nacional de Carteiras de Habilitação (RENACH).
VIII – PEDIDO DE REVISÃO E DIREITO DE PETIÇÃO
De acordo com o disposto no art. 290 do CTB, a apreciação do recurso enunciado no art. 288 encerra a instância administrativa. O CETRAN/SC, por seu turno, em brilhante iniciativa, estatuiu, no Capítulo VI da Resolução nº 008/2004, o instituto da revisão, a qual restou assim disciplinada:
Art. 24 A decisão definitiva proferida em processo administrativo de que trata esta resolução, transitada em julgado, poderá ser revista, de ofício ou a pedido, no prazo de dois anos contados do trânsito em julgado, quando se verificar:I – reconhecimento, por parte da autoridade de trânsito responsável pela imposição da penalidade, de erro ou circunstâncias capazes de justificar a inocência do acusado ou nulidade da pena;II – falsidade de documentos em que se tenha fundamentado a decisão que se pretende rever;III – superveniência de documentos, com eficácia sobre a prova produzida; e,IV – desconsideração pelo julgador de documentos constantes dos autos, com eficácia sobre a prova produzida.Art. 25 Têm legitimidade para propor a Revisão:I – o infrator apenado;II – o proprietário do veículo responsável pelo pagamento da multa; eIII – a autoridade de trânsito.Art. 26 O pedido de Revisão não suspende a execução da decisão definitiva.Art. 27 O pedido de revisão será sempre dirigido à autoridade que aplicou a pena, ou colegiado que a tiver confirmado em grau de recurso.Art. 28 No processo revisional, o ônus da prova cabe ao requerente.Art. 29 A simples alegação de injustiça da penalidade não constitui fundamento para a revisão, que requer elementos novos, ainda não apreciados no processo originário.Art. 30 A revisão correrá em apenso ao processo originário. Art. 31 Julgada procedente a revisão, tornar-se-á sem efeito a penalidade imposta, restabelecendo-se todos os direitos por ela atingidos.Art. 32 Aplicam-se ao processo de revisão, no que couber, as normas e procedimentos próprios do processo administrativo originário.19
Caso o infrator continue irresignado com a decisão administrativa imposta, resta-lhe, observada a prescrição quinqüenal, a possibilidade do exercício do direito de petição, o qual encontra assento no inciso XXXIV do art. 5º da CF/88. No site DHnet encontramos o seguinte enunciado sobre o direito de petição: define-se “como o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre urna questão ou uma situação”, seja para denunciar urna lesão concreta e pedir a reorientação da situação. seja para solicitar uma modificação do direito em vigor, no sentido mais favorável á liberdade. Ele está consignado no art. 5º XXXIV, a . que assegura a todos o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.
O direito de petição cabe a qualquer pessoa. Pode ser, pois, utilizado por pessoa física ou por pessoa jurídica; por indivíduo ou por grupos de indivíduos; por nacionais ou por estrangeiros. Mas não pode ser formulado pelas forças militares corno tal, o que não impede reconhecer aos membros das Forças Armadas ou das policias militares o direito individual de petição, desde que sejam observadas as regras de hierarquia e disciplina. Pode ser dirigido a qualquer autoridade do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário.É importante frisar que o direito de petição não pode ser destituído de eficácia. Na pode a autoridade a quem é dirigido escusar de pronunciar-se sobre a petição, quer para acolhê-la quer para desacolhê-la com a devida motivação.20
IX – PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA IMPOSIÇÃO DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR E CASSAÇÃO DA CNH
Encerrada a instância administrativa e cadastrada a penalidade no RENACH, poderá se sujeitar o infrator, condutor ou proprietário do veículo, a novo procedimento administrativo, doravante para suspensão de seu direito de dirigir ou cassação da CNH, conforme estabelecido na Resolução nº 182/05 do CONTRAN.
A penalidade de suspensão do direito de dirigir poderá ser aplicada sempre que o infrator atingir a contagem de vinte pontos, no período de 12 (doze) meses, bem como nos casos de transgressão às normas estabelecidas no CTB, cujas infrações prevêem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir, tais como a transposição não autorizada de bloqueio viário policial (art. 210) e o racha (art. 173), não sendo os pontos relativos à essas infrações considerados para aquele somatório anterior.A penalidade de cassação da CNH poderá ser imposta quando, suspenso o direito de dirigir, o infrator conduzir qualquer veículo; no caso de reincidência, no prazo de doze meses, das infrações previstas no inciso III do art. 162 e nos arts. 163, 164, 165, 173, 174 e 175 do CTB; quando for condenado judicialmente por delito de trânsito, observado o disposto no art. 160, situação que somente será aplicada após regulamentação específica do CONTRAN (§ único do artigo 4º da Resolução nº 180/05).
Se a infração cometida for objeto de apreciação judicial, os pontos correspondentes ficarão suspensos até o julgamento e, sendo mantida a penalidade, os mesmos serão computados, observado o período de doze meses, considerada a data da infração.A portaria inaugural do processo administrativo (suspensão e cassação) deverá conterá o nome, qualificação do infrator, a infração com descrição sucinta do fato e indicação dos dispositivos legais pertinentes, expedindo-se notificação ao infrator por remessa postal, por meio tecnológico hábil ou por outros meios que assegurem a sua ciência, sendo que, esgotados estes, a notificação dar-se-á por edital, na forma da lei, ou, ainda, por meio de ciência pessoal no próprio órgão ou entidade de trânsito responsável pelo processo; frise-se, por oportuno, que a notificação devolvida por desatualização do endereço do infrator no RENACH será considerada válida para todos os efeitos legais.A notificação encaminhada ao infrator tem por finalidade cientificá-lo sobre a instauração do processo administrativo e estabelecer a data do término do prazo para apresentação da defesa, que não será inferior a quinze dias contados a partir da data da notificação, devendo observar, no mínimo, os requisitos contidos no art. 10 da Resolução nº 182/05.
A peça de defesa somente será conhecida se interposta tempestivamente e por quem seja parte legítima, devendo conter o nome do órgão a que se dirige, a qualificação do infrator, a exposição dos fatos, fundamentação legal do pedido, documentos que comprovem a alegação, a data e assinatura do requerente ou de seu representante legal e cópia de identificação civil que comprove a assinatura do infrator.
Concluída a análise do processo administrativo, a autoridade proferirá decisão motivada e fundamentada, sendo que, caso sejam acolhidas as razões de defesa, o processo será arquivado, dando-se ciência ao interessado. Em caso de não acolhimento da defesa ou do seu não exercício no prazo legal, a autoridade de trânsito aplicará a penalidade, dentro dos parâmetros estabelecidos, oportunidade em que notificará o infrator para interpor recurso ou entregar sua CNH no órgão de registro da habilitação, até a data do término do prazo constante na notificação, que não será inferior a trinta dias contados a partir da data da notificação da aplicação da penalidade.
Os órgãos competentes para apreciação de recurso contra penalidade de suspensão do direito de dirigir e de cassação da CNH são o CETRAN, no caso de penalidade imposta por órgão executivo de trânsito estadual, e o CONTRADIFE, no caso de penalidade imposta pelo órgão executivo de trânsito do Distrito Federal.
Mantida a penalidade pelos órgãos recursais ou não havendo interposição de recurso, a autoridade de trânsito notificará o infrator para entregar sua CNH até a data do término do prazo constante na notificação, que não será inferior a 48 (quarenta e oito) contadas a partir da notificação, sob as penas da lei, findo o qual a imposição da penalidade e a data de início de seu efetivo cumprimento serão inscritos no RENACH.No caso de penalidade de suspensão do direito de dirigir a CNH ficará apreendida e acostada aos autos e será devolvida ao infrator depois de cumprido o prazo de suspensão do direito de dirigir e comprovada a realização do curso de reciclagem. Em se tratando de cassação da CNH, decorridos dois anos da imposição da penalidade, o infrator poderá requerer a sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma estabelecida no § 2º do artigo 263 do CTB.
X – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O CTB trouxe a lume importante ferramenta para a correta ordenação do trânsito brasileiro, apesar das várias lacunas legislativas encontradas em seu bojo. Ao comemorarmos a sua primeira década de vida, devemos comemorar, igualmente, os grandes avanços obtidos desde a sua edição, seja na melhoria do tráfego ou na redução da letalidade nas estradas. Inobstante tal fato, carecia a comunidade acadêmica e o público em geral de artigos doutrinários que apontassem as feições e limites do processo administrativo de trânsito, desde a autuação do infrator até a cassação da CNH, de forma a fornecer-lhes subsídios para atuar com igualdade de armas no tocante à defesa de seus interesses junto aos órgãos e entidades de trânsito, o que procuramos fazer de forma a não esgotar o assunto.
A imposição de penalidade aos infratores de trânsito é necessária e deve sempre se fazer presente. O que não se pode olvidar e se permitir, entretanto, é que esta se conduza fora dos mandamentos constitucionais e infraconstitucionais atinentes à ampla defesa e contraditório, subtraindo-se aos administrados o direito de oporem-se ao jus puniendi estatal.
Excelente este Artigo.
Tenho que certeza que vai em muito me ajudar.
Obrigado pela contribuição.
Parabéns.