A avaliação de práticas que lesam a concorrência é atualmente diluída em três órgãos do governo. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça analisam os casos e buscam provas, enquanto o julgamento cabe ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Com a criação de um sistema brasileiro de defesa da concorrência, previsto no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para atrair novos investimentos, o processo será unificado. E nenhum contato entre diretores de empresas que pretendem se unir poderá ser feito enquanto o Cade não autorizar, num esquema mais rígido que o atual.
Quem explica é a presidente do Cade, Elizabeth Farina, nesta segunda parte de uma entrevista exclusiva. Segundo ele, o desenho atual “incentiva a redundância”.
Agência Brasil: O que muda com a entrada deste projeto no PAC?
Elizabeth Farina: É uma reiteração, um reconhecimento de que uma reestruturação no sistema torna mais célere o processo de defesa da concorrência e favorece o ambiente para o investimento. Um ambiente favorável à concorrência vai incentivar um investimento de qualidade.
ABr: Como seria esse sistema?
Farina: Existem alguns pontos. Um deles é a reestruturação no sentido de que os atos de instrução que estão na administração direta [Secretaria de Direito Econômico] passam a ser parte da autarquia que julga [o Cade]. Além disso, haverá a constituição de um departamento econômico, com um economista-chefe, o que hoje de alguma maneira é cumprido pelas atividades da Seae [Secretaria de Acompanhamento Econômico].
ABr: Formalmente, o Cade será essa autarquia responsável pelo sistema?
Farina: É uma autarquia nova no sentido que incorpora uma série de funções que hoje não tem, mas o nome não muda, será Cade, subordinada ao Ministério da Justiça. Isso foi uma discussão exaustiva, onde se reconheceu claramente que hoje a sociedade sabe o que é Cade, pode até não saber soletrar, mas sabe o que faz. Hoje o sistema todo conta com cerca de 60 gestores, como advogados e economistas. No Cadê, são 22. O novo sistema prevê 200.
ABr: Na prática, o que muda em relação ao atual sistema de defesa da concorrência?
Farina: Hoje, a denúncia é sempre encaminhada para a Secretaria de Direito Econômico, que faz a instrução [análise do caso e busca de provas]. A dinâmica vai ser parecida. A separação entre julgador e aquele que faz a instrução continuará, só que dentro da mesma autarquia. O sistema hoje envolve dois ministérios, dois secretários e um presidente de autarquia. É um desenho que incentiva a redundância. Pode acontecer de a Seae fazer um parecer, a SDE fazer outro contestando o primeiro e o tribunal achar que tem que refazer tudo diferente dos outros dois. Hoje eu diria que conseguimos superar várias dessas coisas por portarias e atitudes práticas das pessoas envolvidas.
ABr: Essa reestruturação permitirá mais rapidez nos processos?
Farina: O que demora mais tempo é a instrução do processo, e depende de cada caso. No Cade, o tempo caiu muito nos últimos três anos. O tempo médio para julgamento de um ato de concentração [fusões, incorporações etc.] caiu de 125 para 66 dias em razão de algumas decisões que foram tomadas, como a criação de um procedimento sumário para processos que desde o primeiro momento mostrem que praticamente não há danos para a concorrência. Esse procedimento sumário foi criado via portaria e é uma maneira de desobstruir o tempo do conselheiro para tratar de casos mais complexos. Hoje, 75% dos atos de concentração são resolvidos nesse procedimento sumário.
ABr: O que mais está previsto no projeto de lei que cria o sistema de defesa da concorrência?
Farina: Outra mudança importante é que se passa a fazer uma análise prévia. Hoje as empresas envolvidas têm 15 dias, a partir do momento em que se comprometem a fazer o negócio para apresentar o ato de concentração na SDE. Mas eles podem continuar o seu processo de incorporação ou fusão enquanto o órgão analisa. Com esse projeto de lei, não se autoriza processos de fusão e incorporação enquanto não houver aprovação do Cade. Nenhuma diretoria poder sentar na diretoria do outro, ninguém vai embora, não se faz investimento cruzado, não se coloca em conjunto as equipes de venda ou de produção. As empresas não podem fazer nada. A experiência internacional mostra que a análise prévia é adotada na esmagadora maioria das jurisdições.
ABr: Isso não pode atrasar ainda mais os processos?
Farina: Esse projeto não tem nenhum objetivo de criar mais um fila de trânsito, um engarrafamento de negócios esperando pela aprovação. O projeto prevê uma série de procedimentos pra que isso seja célere. Não há um prazo global máximo porque uma operação pode ser de uma complexidade muito grande e essa instrução pode demorar mais.