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A doutrina da proteção integral da criança e do adolescente

Hoje em dia, em quase todos os países do mundo, é pacífica a idéia de proteção integral da criança e do adolescente. Convém esclarecer que esta proteção, além de integral, é também especial, no sentido de que transforma a criança e o adolescente num sujeito de direitos, devendo estes serem salvaguardados perante tudo e todos.

Porém, há bem pouco tempo atrás, a criança e o adolescente eram vistos apenas como objetos de tutela do Estado, ou seja, só eram protegidos de maneira integral, como atualmente, apenas quando estivessem em situação irregular, diga-se, abandonados, maltratados, sem família, etc.

Com efeito, a preocupação com os direitos da criança e do adolescente, por se tratarem de sujeitos numa condição especial, já que estão em estado de desenvolvimento, seja psíquico, mental ou físico, data desde o início do século XX, com a Declaração de Genebra de 1924, e como observa Fabiana Saenz :

“a partir da década de 50, a humanidade esforçou-se no sentido de positivar os direitos e garantias da criança e do adolescente. Espelho disso é a Declaração dos Direitos da Criança de 1959, ratificada pelo Brasil, bem como as Regras de Beijing de 1985, a Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança (1989), as Regras das Nações Unidas para a proteção dos menores privados de liberdade (1990) e as Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad -1990).

Instrumentos internacionais de proteção

Cumpre analisar, ainda que em linhas gerais, alguns destes instrumentos internacionais de proteção da criança e do adolescente.

A preocupação protecionista no tocante aos direitos da criança é evidente na Declaração dos Direitos da Criança proclamada pela Organização das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1959, e pode bem ser observada a partir da leitura dos seus artigos 2º e 7º, os quais afirmam que a criança deverá gozar de uma proteção especial para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como, em condições de liberdade e dignidade e que o interesse superior da criança deve ser o princípio diretivo.

A Convenção sobre os Direitos da Criança foi o grande marco para a “imposição” de respeito ao princípio do melhor interesse da criança naquele cenário de proteção mediana existente. Esta Convenção entrou em vigor internacionalmente em 02 de setembro de 1990 e foi ratificada no Brasil através do Decreto nº. 99.710, em 21 de novembro de 1990.

Dentre as grandes contribuições trazidas por esta Convenção, têm-se o artigo 3.1, que é explícito ao afirmar que “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança” (grifo nosso).

Além disso, com relação à proteção integral da criança no momento da adoção, a Convenção foi expressa ao determinar no seu artigo 21 que, para a concessão da adoção, deve ser observado primordialmente o interesse maior da criança. O referido artigo ainda completa que deverá se atentar para que:

a adoção da criança seja autorizada apenas pelas autoridades competentes, as quais determinarão, consoante as leis e os procedimentos cabíveis e com base em todas as informações pertinentes e fidedignas, que a adoção é admissível em vista da situação jurídica da criança com relação a seus pais, parentes e representantes legais e que, caso solicitado, as pessoas interessadas tenham dado, com conhecimento de causa, seu consentimento à adoção, com base no assessoramento que possa ser necessário; Também podem ser citados: o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados promulgado no Brasil pelo Decreto nº. 5.006 de 08 de março de 2004; o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil e a Convenção relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em matéria de Adoção Internacional, que entrou em vigor na ordem internacional em 01 de maio de 1995.

Antônio Silveira Ribeiro ainda traz outros instrumentos internacionais de proteção à criança, como: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU- 1948), a Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem -Estar da Criança (ONU-1986) e a Agenda 21, que no capítulo 25, propõe a participação da juventude nas questões de desenvolvimento sustentável, destacando: a promoção do papel da juventude e de sua participação ativa na proteção do meio ambiente e no fomento o desenvolvimento econômico e social, a ainda a inclusão da criança no desenvolvimento sustentável.

No âmbito do continente americano, como menciona Fabiana Saenz , há ainda o Pacto de São José da Costa Rica de 1969, que estabelece: “toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer por parte da família, da sociedade e do Estado” (art. 19). Tal pacto foi ratificado pelo Brasil através do Decreto 678/92, e juntamente com os demais aqui trazidos, constituem os verdadeiros embriões de uma nova concepção jurídica para a criança e o adolescente, e que culminou na previsão constitucional dos artigos 227 e 228 e na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Outrossim, saliente-se que, para a concretização desta doutrina de proteção integral da criança e do adolescente que vem sendo implantada ao longo de tantos anos, o princípio fundamental e norteador é o princípio da proteção integral ou do melhor interesse da criança e do adolescente.

A expressão melhor interesse da criança (“the best interests of the child”) surgiu na Inglaterra vinculada ao instituto do parens patriae, como assevera, Ana Paula Ariston :

Por este instituto, o Rei e a Coroa tinham a prerrogativa de atuar como guardiães de pessoas incapazes – crianças, loucos e débeis -, bem como proteger seu patrimônio. A partir do século XIV, esta responsabilidade foi delegada ao Chanceler e, no início do século XVIII, as Cortes de Chancelaria passaram a distinguir as atribuições do parens patrie de proteção infantil das de proteção dos loucos.

Ana Paula Ariston ainda registra que este instituto da parens patrie não foi concebido com objetivo de primazia do interesse da criança, isto porque a criança nada mais era do que uma coisa pertencente ao pai e posteriormente, à mãe.

Nos Estados Unidos , o princípio do best interests tem sua origem no caso Commonweath v. Addicks, da Corte da Pensilvânia, no qual seu julgamento fez nascer a doutrina de que a criança em tenra idade, melhor será assistida por sua mãe (Tender years). Neste caso, a referida Corte deu a guarda da criança à sua mãe, mesmo tendo sido esta a causadora do divórcio pelo adultério.

No século XX, os Estados Unidos passaram a adotar a teoria do Tie Breaker que segundo esta, “deve prevalecer uma aplicação neutra do melhor interesse da criança, confrontando-se todos os fatores e levando-se em consideração o caso sub judice. Dessa forma, prestigia-se o interesse do menor, mesmo que em prejuízo do interesse de seus pais” .

Ademais, conforme será mais bem visto a seguir, o princípio da proteção integral norteia incisivamente o ordenamento jurídico brasileiro no que toca à proteção aos direitos da criança e do adolescente, principalmente, a partir da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando foi mais largamente respeitado e utilizado.

Importância dos princípios no ordenamento jurídico brasileiro

Neste momento do trabalho, faz-se necessária a análise da importância dos princípios dentro do ordenamento jurídico brasileiro, isto para que, ao final, seja verificada a grande influência exercida pelo princípio da proteção integral da criança e do adolescente em todo e qualquer momento da vida desses sujeitos de direitos, inclusive, no momento da concessão da adoção.

Com efeito, “o ordenamento jurídico é formado por um conjunto de normas, dispostas hierarquicamente. Das normas inferiores, criadas por particulares (os contratos), às constitucionais, forma-se aquilo que se convencionou chamar de pirâmide jurídica “. Ou seja, dentro desta pirâmide que é o ordenamento jurídico, as normas inferiores devem adequar-se às normas superiores, sob pena de não terem validade. Consequentemente, em respeito ao princípio da hierarquia das normas, quando existir conflito entre elas, deve-se prevalecer a superior.

Ora, perceba-se, a partir disso que, de todas as normas, as constitucionais são o ápice do ordenamento jurídico. Como cita Roque Carrazza , baseado nos ensinamentos de Hans Kelsen:

“a Constituição não é um mero repositório de recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional. (…) é a lei máxima, que submete todos os cidadãos e os próprios Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Uma norma jurídica só será considerada válida se estiver em harmonia com as normas constitucionais”.

Porém, dentro da própria Constituição, podem ser observadas normas mais relevantes que outras, pois algumas são simples regras e outras são princípios, ou seja, bases norteadoras do ordenamento jurídico.

Pois bem, os princípios significam “começo, alicerce, ponto de partida. (…) é a pedra angular de qualquer sistema” . Considerando o sistema jurídico como um grande edifício disposto numa boa estrutura, pode-se verificar que os princípios são as vigas mestres, a base deste edifício .

O conceito trazido por Celso Antônio Bandeira é de que princípio:

é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.

Neste mesmo sentido, afirma Jesús González Perez que

os princípios jurídicos constituem a base do Ordenamento jurídico, a parte permanente e eterna do Direito e, também, o fator cambiante e mutável que determina a evolução jurídica; são as idéias fundamentais e informadoras da organização jurídica da Nação.

Porém, convém ressaltar que nem sempre os princípios foram considerados como base do ordenamento jurídico. A pouco, a lei predominava sobre os princípios, que eram utilizados como último elemento de integração, ficando atrás da analogia e costumes.

De toda forma, “a doutrina contemporânea não concebe mais os princípios como mera fonte subsidiária de terceiro grau, cuja função se adstringe ao preenchimento de lacunas legais “, a eles é dada normatividade . Surge, com isso, o pós-positivismo como:

conjunto difuso de idéias que ultrapassam o legalismo estrito do positivismo normativista, sem recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturalismo. Sua marca é a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. O pós-positivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Não se trata do abandono da lei, mas reintrodução de idéias como justiça e legitimidade. A volta da discussão ética ao Direito .

Segundo Jane Pereira e Fernanda Duarte ,”a nova concepção principiológica se deve também ao destaque dado no constitucionalismo contemporâneo aos direitos fundamentais, previstos sobretudo por meio de disposições dotadas de alto grau de abertura e forte carga valorativa”.

Por isso, é que uma das características mais importantes dessa fase pós-positivista é “a inserção dos princípios nas constituições, fincados como verdadeiros alicerces sobre os quais se erguem os novos sistemas jurídicos” .

A exemplo disso, pode ser citada a Constituição Federal brasileira de 1988 que, dentre muitos outros princípios, trouxe o princípio da proteção integral da criança no seu artigo 227 e implicitamente no artigo 5º, §2º (através da ratificação de tratados e convenções internacionais, como, por exemplo, a Convenção sobre os Direitos da Criança, aqui já mencionada).

Dessa forma, resta claro que, atualmente, segundo os respeitados doutrinadores aqui citados, os princípios são de grande valia num ordenamento jurídico, vez que somente a partir deles, podem ser apontados os “rumos a serem seguidos por toda sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo” . A partir disso, será notado o grande papel exercido pelo princípio da proteção integral aos direitos da criança e do adolescente dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

O princípio da proteção integral da criança e do adolescente como base norteadora do Estatuto da Criança e do Adolescente

Inicialmente, convém esclarecer que, em determinado momento histórico, muitas nações do mundo já haviam introduzido nas suas Constituições algumas linhas gerais sobre os direitos da criança, isso com base da Declaração da ONU dos Direitos da Criança datada de 1959. Porém, o Brasil, apesar de signatário da referida declaração internacional, nunca destacou tais direitos .

A partir da Constituição Brasileira de 1988, esta situação modificou-se, pois o legislador, desta vez, trouxe a previsão de co-responsabilidade da família, do Estado e da sociedade em proteger os direitos da criança e do adolescente à saúde, à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência comunitária.

Pois bem, a previsão de tantos direitos para a criança e o adolescente adveio da necessidade biológica, e também histórica de proteção destes indivíduos, esquecidos por tanto tempo como sujeitos de direitos que são.

É importante neste momento, fazer uma análise ainda que breve dos níveis de proteção dados à criança e ao adolescente no Brasil e quais os fatores históricos que impulsionaram a chegada da nova concepção de proteção integral, senão veja-se.

Legislações de proteção de proteção anteriores ao ECA

De acordo com Rinaldo Segundo, no final do século XIX e começo do século XX, a sociedade brasileira, predominantemente rural, convivia com uma realidade balizada na urbanidade em função do processo de industrialização. Ocorre que esta industrialização gerou uma crise na sociedade, tendo como uma das maiores conseqüências o aumento da ocorrência de crimes – reflexos de uma maior incidência de conflitos urbanos.

Assim, é nesse cenário de mudanças que a criança e o adolescente brasileiros aparecem como “menores” e passam a transitar entre atividades lícitas e ilícitas. Com isso,

“o Estado é chamado a intervir, sempre na perspectiva de reprimir a questão social por ser um problema moral de determinados membros da sociedade e opta por uma política de correção moral a esses menores, encontrando na proliferação dos internatos, o modelo perfeito de realização dessa moral” .

Surge assim, o primeiro Código de “proteção” ao menor: o Código Mello Bastos de 1927. Contudo, este código é marcado pela extrema inobservância dos verdadeiros direitos infanto-juvenis, vez que delimitava excessivamente o conceito de menor, sendo este qualquer criança ou o adolescente identificado como delinqüente, marginal e abandonado, ou seja, que estivesse em situação irregular.

Durante o período de vigência do Código Mello Bastos, somente

os “vadios”, “abandonados” ou “delinqüentes”, isto é, os desajustados sociais eram objeto de intervenção do poder judiciário, apenas se e quando se enquadrassem em alguma daquelas definições haveria uma ação do poder público através da intervenção do poder judiciário .

Após isso, em 1979, surgiu o Código de Menores, através da lei nº. 6.697, pois, segundo Rinaldo Segundo, “o modelo de internação, característica fundamental estabelecida pelo Código Mello Bastos, apresentava sinais de esgotamento ante aos resultados pífios de recuperação de menores (…)”.

Neste Código de 1979, o legislador optou novamente em tutelar os direitos do menor que estivesse em situação irregular, porém, desta vez, listou os casos em que ele se enquadraria em tal situação, quais sejam, quando privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de falta de ação ou omissão dos pais ou responsável ou em manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; quando vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; quando em perigo moral, devido a encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes ou a exploração em atividade contrária aos bons costumes; quando privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; e por fim, quando autor de infração penal .

Este Código não representou grande avanço no contexto de proteção da criança e do adolescente com relação ao antigo, como será melhor visto abaixo, pelo que

aos poucos a sociedade se deu conta de que esta doutrina da situação irregular era apenas mais um modelo de opressão aos menores que estavam vulneráveis, o que proporcionou o terreno fértil para a sedimentação do caminho em direção à doutrina da proteção integral .

Assim sendo, nota-se que, com a Constituição Federal de 1988 inaugurou-se “oficialmente” no Brasil o início de uma maior proteção aos direitos da criança e do adolescente. Porém, como essa situação ainda conflitava com o Código de Menores vigente,

exigia-se a elaboração de um novo diploma legislativo sobre a infância e a juventude fundado agora na perspectiva da enunciação de direitos. Um novo direito da criança, mais científico, mais jurídico e dirigido a todas as crianças deveria ser erigido, consagrando na ordem jurídica a doutrina da proteção integral .

Em 1990, surgiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, e a partir de então, pôde ser verificado no cenário histórico, uma sempre crescente proteção dos direitos da criança e do adolescente, norteada principalmente pelo princípio da proteção integral ou do melhor interesse destes indivíduos.

Ressalte-se que a participação popular no processo de confecção e aprovação do Estatuto

foi impressionante (…) Havia encontros nacionais onde o projeto do Estatuto era explicado e discutido com pessoas do país inteiro, que traziam de volta a discussão em suas cidades, por meio de encontros em praças, com cartazes, desenhos feitos pelas próprias crianças e adolescentes .

Portanto, vê-se que a lei nº 8069/90 que instituiu o ECA é uma conquista da sociedade civil organizada e não do governo, “que só assinou forçado pela grande pressão internacional contra o extermínio de crianças e pela necessidade de mostrar que o Brasil tinha interesse em respeitar as convenções internacionais “.

Com efeito, o ECA rompeu com todos os alicerces da legislação anterior aplicada às crianças e adolescentes, já que trouxe previsão, em seus 267 artigos, de medidas de prevenção e de proteção, para que não ocorra violação nem ameaça dos seus direitos, estendendo-se desde a área cível até a penal.

Mudanças trazidas pelo ECA

Grandes foram as mudanças introduzidas pelo ECA, senão veja-se as mais importantes.

No artigo 1º do Estatuto, já pode ser verificada de imediato a nova base doutrinária vigente: a proteção integral da criança e do adolescente .

Ora, como já citado, a partir do ECA, a criança e o adolescente começaram a ser considerados sujeitos de direitos, e não mais, meros objetos de tutela do Estado. Como bem observa Rinaldo Segundo ,

é o fato de tornar crianças e adolescentes sujeitos de direitos que diferencia fundamentalmente o ECA do Código de Menores de 1979, criando-se a possibilidade de crianças e adolescentes terem acesso aos meios de defesa dos seus direitos, principalmente da liberdade, do respeito e da dignidade, bem como à responsabilização daqueles que porventura venham a ofendê-los. Tornar crianças e adolescentes sujeitos de direitos parece ser a principal característica da doutrina da proteção integral.(grifo nosso)

Ademais, é de se notar que “essa nova condição jurídica a que foram alçadas as crianças e os adolescentes coloca-os em posição de igualdade em relação aos adultos, ambos são vistos como pessoa humana, possuindo direitos subjetivos que podem ser exigidos judicialmente “.

Contudo, importante frisar que essa igualdade refere-se apenas a condição de pessoa humana, haja vista a necessidade de tratamento diferenciado à criança e ao adolescente, devido a sua condição especial por estar em fase de desenvolvimento e transformação.

Nesse mesmo sentido, uma nova concepção político-social foi introduzida, vez que o ECA impulsionava a família, a sociedade e o Estado a buscar

soluções efetivas e não mais os paliativos da legislação anterior, passa-se a enxergar o menor como um ser impar, e como tal, carente de uma maior e mais ampla proteção, no intuito de garantir seu pleno desenvolvimento e inserção social. Visa-se então a solução efetiva dos problemas que afetam a infância e a juventude, deixando-se de lado a política antiga de “fechar os olhos” para os evidentes problemas dando-lhes soluções provisórias .

Além disso, pode ser observado que atualmente a atuação do Judiciário é mais democrática, devido a uma maior fiscalização e cobrança existente, o que não existia na legislação anterior, na qual a autoridade judiciária poderia determinar a apreensão do menor, sob o genérico argumento de resguardo da execução das medidas de assistência e proteção previstas no Código, como advertência, colocação em lar substituto, internação, dentre outros .

Na mesma esteira, o direito de defesa do menor tornou-se mais eficaz, pois agora pode ser realizado por um profissional isento de parcialidade, com capacidade para buscar uma efetiva proteção dos direitos do menor. No Código de menores de 1979 quem exercia a atividade de defensor, ou melhor, de curador do menor eram membros do Ministério Público, assim

os Curadores não tinham o real compromisso de defender os menores, pois como parte do Estado que eram, também compartilhavam do interesse de afastar aqueles menores que ameaçavam a paz e a ordem social, desta forma pouco faziam para livrar realmente os jovens e evitar o seu confinamento .

No âmbito social, a diferença entre as legislações em destaque são abruptas. Ora, como bem assevera Leonardo Mata :

no Código de Menores, o legislador não teve a menor preocupação com questões como a reinserção social do menor, educação, formação do caráter dentre outras necessidades básicas inerentes a infância e a adolescência, desta forma o que se promovia era a tentativa do controle social puro e simples, completamente desligado da questão humanística e educacional

Em contrapartida, o escopo maior do ECA, como já amplamente aduzido, é justamente proteger o menor, (re)introduzindo-o num ambiente propício e adequado à sua condição especial, dentro do qual sejam respeitados todos os seus direitos – à saúde, à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, dentre outros.

Outra grande diferença é a previsão do ECA de existência de instrumentos efetivos para a concretização da proteção integral da criança e do adolescente, “como os Conselhos de Direitos, os Conselhos Tutelares, os Fundos da Criança e, ainda, ação civil pública para responsabilização de autoridades que, por ação ou omissão, descumprirem seus preceitos “.

Ademais, uma das maiores e importantes mudanças no cenário de proteção da criança e do adolescente trazido pelo ECA diz respeito a unificação da adoção, porém, a análise do processo de transformação deste instituto será realizada no capítulo a seguir.

Por tudo, a partir da apresentação das mudanças aqui citadas, note-se que o ECA inaugurou uma nova era na proteção dos direitos da criança e do adolescente, passando a existir um enorme leque de medidas aplicáveis para efetivar essa proteção integral.