EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGISLATIVA
Antiguidade
O instituto da adoção originou-se na Antiguidade com base bastante diversa da qual conhecemos hoje, já que visava unicamente a perpetuação aos cultos e às cerimônias religiosas celebradas aos familiares, principalmente pelos seus descendentes.
Como bem estabelece o Código de Manu, na Lei IX, 10 , “aquele a quem a natureza não deu filhos pode adotar um para que as cerimônias fúnebres não cessem”.
Assim, note-se o principal fim ao qual se destina a adoção nos tempos antigos – dar um descendente àqueles que não possuíssem, para que não ficassem condenados ao esquecimento das suas raízes nos momentos religiosos.
Vale ressaltar que, a adoção possuía esta característica predominantemente religiosa, mas, além disso, conseguimos observar alguns pontos importantes existentes nos sistemas jurídicos dos hebreus, gregos e romanos. Conforme indica Valdir Sznick , os gregos, por exemplo, entendiam que, com a adoção, o adotado romperia “todos os laços da família anterior, a ponto de sequer poder prestar funerais ao seu pai natural”. Verifique-se aí uma forte ligação com o instituto atual da adoção que contém o efeito da irrevogabilidade trazido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mas, foi no direito romano que a adoção sofreu grande desenvolvimento. Inicialmente, duas espécies de adoção foram conhecidas: ad-rogação e adoção propriamente dita . Alguns doutrinadores citam ainda a adoptio per testamentum, como outra espécie de adoção. Mais tarde, o Código de Justiniano instituiu a adoptio minus quam plena e adoptio plena , bem parecidas com a classificação estabelecida anteriormente ao ECA, da adoção simples e adoção plena, que será vista ao longo deste trabalho.
Idade Média e Moderna
Na Idade Média, o instituto aqui tratado não foi muito utilizado, principalmente pela retaliação dos senhores feudais que “não admitiam mesclar nas suas famílias aldeões e plebeus ” e ainda da Igreja Católica que considerava a adoção um ato prejudicial ao matrimônio .
Com a Idade Moderna, como bem descreve Emmanuel Ribeiro , houve:
o início de uma mudança na forma de pensar. Durante a Idade Média, o pensamento predominante era o Teocentrismo, centrado na figura de Deus. Vários fatores contribuíram para essa mudança e que caracterizam a época Moderna: na economia, o surgimento do sistema capitalista, na sociedade, a importância crescente da burguesia, na política, o surgimento do Estado Nacional, na cultura, o Renascimento, na Religião, a Reforma Protestante. O pensamento moderno põe o homem no centro dos interesses e das decisões. A secularização do saber, da moral, da política e do direito é fomentada pela capacidade de livre investigação, levando o homem moderno a opor à fé e à revelação, o poder da razão de entender, diferenciar e comparar.
A partir de então, a adoção voltou a ser bastante utilizada, havendo definição de vários requisitos e ainda aplicação de efeitos, dentre eles, a própria irrevogabilidade que aqui será tratada.
Evolução no Brasil
No Brasil, a adoção se fez presente nas Codificações Portuguesas, mas somente foi instituída de fato na nossa legislação a partir do Código Civil de 1916.
Código Civil de 1916
Com efeito, o Código Civil de 1916, nos seus artigos 368 ao 378, instituiu algumas características para a adoção como: somente maiores de 50 anos poderiam adotar; diferença de idade de 18 anos entre adotante e adotado; ausência de filhos legítimos por parte do adotante; não poderia haver adoção por duas pessoas, salvo marido e mulher; tutor e curador poderiam adotar somente se prestassem contas; adoção realizada mediante escritura pública; e por fim, a adoção poderia ser revogada e não extinguiria os direitos e deveres da família natural.
Como bem observa Ana Paula Ariston , “a finalidade principal do instituto era beneficiar os pais que não tinham e não podiam ter filhos, tendo sido as normas elaboradas com esse propósito”.
Devido a esse excesso de tradicionalismo dado à adoção, o Código Civil de 1916 sofreu a primeira modificação com o advento da lei nº 3.133 de 1957 que buscou minimizar os requisitos ao reduzir a idade do adotante para maiores de 30 anos, ao diminuir a diferença de idade para 16 anos entre o adotante e adotado e ainda, ao dispensar a necessidade de ausência de filhos legítimos. Em contrapartida, estabeleceu a necessidade de período igual ou superior a cinco anos de casamento para os cônjuges poderem adotar, bem como impôs a exclusão do filho adotivo da sucessão hereditária, caso existissem filhos legítimos.
Lei 4655/65
Mesmo com a modificação do Código Civil pela lei 3133/57, o instituto da adoção vinha revelando-se insatisfatório, “principalmente porque os adotantes se viam frequentemente na contingência da partilharem o filho adotivo com a família biológica” .
Como bem explica Caio Mário , devido a esta insegurança vivida pelos adotantes em relação ao filho adotado, “clamava-se por um sistema que viesse suprir o parentesco civil dos meios hábeis a realizar efetivamente a integração do adotado no meio familiar que o recebia. Foi o que se fez pela legitimação adotiva” através da lei nº 4655 de 1965.
Esta lei, apesar do recebimento de duras críticas, por não inovar em muitos pontos, além de regredir em outros, como por exemplo, a retirada do solteiro do rol de possíveis adotantes, conforme já permitido na legislação comparada, na minha concepção, trouxe dois avanços importantes, senão vejamos :
Artigo 7º. A legitimação adotiva é irrevogável, ainda que aos adotantes venham a nascer filhos legítimos, aos quais estão equiparados aos legitimados adotivos, com os mesmo direitos e deveres estabelecidos em lei…. Art. 9º O legitimado adotivo tem os mesmos direitos e deveres do filho legítimo, salvo no caso de sucessão, se concorrer com filho legítimo superveniente à adoção (Cód. Civ. § 2º do art. 1.605). § 1º O vínculo da adoção se estende à família dos legitimantes, quando os seus ascendentes derem adesão ao ato que o consagrou.
Pois bem, o entendimento retirado a partir da leitura do artigo 7º cumulado ao 9º, caput e §1º é de uma tentativa de se buscar um maior estreitamento do vínculo entre o adotado e o adotante, colocando aquele com os mesmos direitos e deveres do filho legítimo, com a única exceção no caso de sucessão. E principalmente, existe a primeira previsão legal no direito brasileiro da irrevogabilidade da adoção, que se entenda como um efeito imposto justamente para que o fim precípuo da adoção seja conquistado, qual seja, de unir intimamente o adotante e o adotado, como se filho legítimo fosse, sem qualquer nível de insegurança.
O segundo avanço está contido no parágrafo 1º do artigo 5º da Lei que a seguir transcrevo: § 1º O Juiz, tendo em vista as conveniências do menor, o seu futuro e bem – estar, ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, as diligências e sindicâncias que julgar necessárias, correndo, contudo o processo em segrêdo de justiça.(grifo nosso)
Ora, note-se, nesta parte da Lei, a existência de uma tímida, mas nítida, preocupação com a figura do adotado, na medida em que determina que o juiz deveria considerar, durante o processo da adoção, as condições do adotado e não somente a do adotante, como era normalmente realizado.
Esta lei de legitimação adotiva foi revogada expressamente em 1979 pelo Código de Menores.
Código de Menores (Lei nº6697/79)
Antes de tudo, faz-se mister ressaltar que, apesar de revogar expressamente o instituto da legitimação adotiva, o Código de Menores, em verdade, apenas a transformou em adoção plena, já que esta possui estreitas características com as acima declinadas.
Com efeito, o Código de Menores trouxe ao ordenamento duas formas de adoção: a adoção plena, como já mencionado, com influências fortes da lei nº4655/65, ao buscar introduzir o adotado na família do adotante como se filho legitimo fosse, extinguindo todos laços com a família natural e ainda, a adoção simples, regulamentada pelo Código Civil, conforme estabelecido pelo artigo 27, a qual estabelece apenas um parentesco civil entre o adotante e o adotado, podendo haver revogação desta.
Após uma análise das características da adoção lato sensu constantes no Código de Menores, pode ser verificado o seu caráter assistencialista ao buscar tutelar os direitos do menor em situação irregular, protegendo-o de forma integral.
A adoção com o fim assistencialista proposto pelo Código de Menores foi um grande avanço naquele momento histórico, apesar de apenas proporcionar um a proteção integral ao menor em situação irregular, com bem observa Heloisa Helena Barboza :
Antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, o principio do melhor interesse a criança já integrava o nosso ordenamento jurídico, consoante dispositivo expresso do Código de Menores. Devido à sua restrita área de incidência, circunscrita ao menor em situação irregular, não houve derrogação do Código Civil.
De qualquer forma, mesmo podendo ser mais abrangente, o Código de Menores foi um grande passo na proteção dos direitos da criança e do adolescente.
Sua utilização no ordenamento ocorreu até a criação da lei nº 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Constituição Federal de 1988
Antes disso, só a título informativo, convém ressaltar que a Constituição Federal de 1988 trouxe no seu artigo 227, §6º que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Dessa forma, no ano de 1988, já se observa que o legislador constituinte aboliu quaisquer efeitos discriminatórios presentes nos tipos de adoção existentes, tornando todos os filhos iguais de direito e de fato.
Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) revogou o Código de Menores e consequentemente, a idéia da criança como apenas um objeto de tutela do Estado. Inaugurou-se a idéia da criança e do adolescente como sujeito de direitos, devendo o Estado protegê-los integralmente independentemente de tudo.
Em relação a adoção, o ECA tornou-a irrevogável. Porém, como o Código de 1916 ainda estava em vigor, tal efeito somente cabia a adoção da criança e adolescente menor de 18 anos.
Código Civil de 2002
Nessa mesma esteira, o Código Civil de 2002 foi instituído com o mesmo fim trazido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente: proteger integralmente a criança e o adolescente.
Esta finalidade pode ser notada no que concerne a adoção no seu artigo 1625 ao dizer que “somente será admitida a adoção que constituir efetivo beneficio para o adotando”.
Com isso, a adoção simples foi abolida, passando a existir apenas a adoção plena, qual seja adoção com o efeito da irrevogabilidade para melhor proteção da criança e do adolescente.