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STJ vai rever a Súmula 214, para que fiador não seja obrigado a pagar por aditamento a que não anuir

Atento à dinâmica e evolução da vida social, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se prepara para complementar a Súmula 214, que desobriga o fiador de locação de responder por obrigações resultantes de aditamento de contrato ao qual não anuiu. A necessidade de revisão foi suscitada pelo ministro Nilson Naves e aprovada, por maioria, pela Terceira Seção após amplo debate. O caso que deu margem à revisão da súmula foi relatado pelo ministro Paulo Medina.

A discussão que deu início ao debate iniciou-se em uma ação de execução no valor de R$ 25 mil movida contra Maria Myrthes de Azevedo Furtado, fiadora de contrato de locação. Ela foi responsabilizada pelo não-pagamento de alugueres e outros encargos locativos referentes a um período de nove meses. A fiadora não aceitou a cobrança porque havia se exonerado da obrigação de afiançar no ano anterior ao aditamento do contrato que resultou na cobrança. À época, a imobiliária e o afiançado foram notificados judicialmente da exoneração, mesmo assim, prorrogaram o contrato sem a concordância da fiadora.

Em sua defesa, Maria Furtado alegou ainda que o contrato de locação que afiançou foi firmado com prazo determinado, para vigorar de dezembro de 1995 a novembro de 1996. Afirmou que nenhuma das cláusulas estabelecia que a fiança poderia ser renovada tacitamente, por tempo indeterminado, sem que ela (fiadora) fosse instada a manifestar sua vontade. Ao contrário, disse expressamente que não pretendia manter a fiança e, por isso, tomou as providências pertinentes para isentar-se da obrigação.

O locador, por sua vez, protestou alegando que a exoneração da fiança somente poderia efetuar-se por via amigável ou judicial, jamais por notificação judicial, “efetuado por ato unilateral, sem aquiescência”, ressaltou. Disse, ainda, que a fiadora se comprometeu a responder por qualquer inadimplemento da locatária até a efetiva entrega das chaves. Nesse ponto, lembrou que a Lei do Inquilinato não permite a exoneração da fiança antes da desocupação do imóvel.

Decisão da primeira instância

O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), à unanimidade, decidiu que a fiadora era responsável pelo pagamento.

A íntegra do julgado diz que, “se, por força do pacto locatício, prorrogado por prazo incerto, é o fiador solidariamente responsável com o locatário, como devedor e principal pagador, até a efetiva devolução do imóvel ao locador, está obrigado a pagar o que o afiançado não adimpliu, isto é, locativos e encargos decorrentes, até aquele evento”.

A divergência entre a Quinta e a Sexta Turma

O caso chegou ao STJ em recurso especial relatado pelo ministro Gilson Dipp, da Quinta Turma, que, à unanimidade, posicionou-se a favor da fiadora, restabelecendo a decisão de primeira instância.

Seguindo a jurisprudência do STJ (que torna ineficaz a cláusula contratual que preveja a obrigação fidejussória até a entrega das chaves), os ministros decidiram que a obrigação da fiadora se restringia ao período originalmente contratado, de dezembro de 95 a novembro de 96. “Impondo-se afastar, para fins de responsabilização afiançatória, o lapso temporal que se seguiu, creditado à conta de prorrogação do contrato”, argumenta o ministro Dipp em seu voto.

Inconformado, o locador do imóvel interpôs embargos de divergência, alegando que a decisão do TJCE, mantida pela Quinta Turma do STJ, divergiu do entendimento consolidado pela Sexta Turma. Diante desse impasse, a questão foi encaminhada à Terceira Seção, para a pacificação do assunto e ficou sob a relatoria do ministro Paulo Medina.

Questão pacificada pela Terceira Seção

Firme em seu entendimento, o ministro Medina asseverou que, embora o artigo 39 da Lei nº 8.245/91 determine que qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, tal regra deve ser compatibilizada com o contrato de fiança. “Assim, a cada contrato de fiança firmado, diferentes conseqüências serão produzidas aos encargos do fiador”, explica o magistrado. Nesse sentido, ele destaca que os fiadores somente respondem pela prorrogação do contrato quando expressamente anuíram em estender a fiança até a entrega do imóvel. Ele defendeu, também, o direito do fiador de se exonerar do encargo nos termos do artigo 1.500 do Código Civil ou do artigo 835 do novo Código Civil, dependendo da época de assinatura do contrato.

O voto do ministro Medina foi acolhido pela maioria dos magistrados da Terceira Seção. O ministro Nilson Naves inaugurou a divergência e foi seguido pelos ministros Felix Fischer e Laurita Vaz. Ele insistiu que, diante de tal decisão, o STJ precisaria rever a Súmula 214. Tal sugestão foi votada em plenário e obteve aprovação da maioria, excetuando o ministro Paulo Gallotti, que considera a súmula clara e indubitável.

Caso seja aprovada a alteração, a Súmula 214 deverá trazer em seu texto parte da decisão do ministro Medina que estabelece: “continuam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC/16 ou 835 do CC/02, a depender da época que firmaram o acordo”.