Uma empresa pode fiscalizar seus empregados e proteger seu patrimônio, mas não pode subverter a escala de valores e, usurpando o poder de polícia, utilizar de práticas que infrinjam sofrimento ao trabalhador. A dignidade, o direito à boa imagem que cada indivíduo detém e resguarda, em relação à sociedade, à família e a si próprio, não podem ser violentados pela empresa.
Baseados nesse entendimento, os juízes da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região condenaram a American Airlines Inc. ao pagamento de indenização de R$ 80 mil por danos morais a uma ex-funcionária.
Segundo a ação, que tramitou na 1ª Vara do Trabalho de Guarulhos, a funcionária era submetida rotineiramente a interrogatório pela empresa, que utilizava-se do polígrafo (detector de mentiras) para avaliação das respostas.
Durante esses interrogatórios, eram feitas perguntas sobre o uso de drogas, furto de mercadorias da empresa, relacionamento com traficantes e até da existência de elo familiar da comissária com traficantes.
Em sua defesa, a American Airlines alegou que o intuito da empresa, ao utilizar o detector de mentiras, era o de constatar se a funcionária “contribuíra ou permitira que entorpecentes ilegais, ou outro tipo de contrabando fossem colocados em um avião, e se paralelamente, estivera envolvida em furtos ou impropriedades contra a empresa”.
A Vara de Guarulhos condenou a companhia aérea por dano moral mas, a empresa e a ex-funcionária recorreram da decisão ao TRT-SP. No tribunal, a empresa tentou justificar que o uso do “detector de mentiras”, em situações especiais, corresponde a instrumento “justificável e conveniente”.
No entendimento da juíza Rosa Maria Villa, relatora do recurso no TRT-SP, entretanto, esse procedimento ofende o patrimônio moral do empregado. “A primeira consideração a ser feita, é que a recorrida não estava motivada pela segurança dos passageiros e empregados, eis que o exame do polígrafo tinha como único intuito, preservar seu patrimônio e coibir o contrabando, inclusive de entorpecentes”, destacou.
Para ela, “sem muito esforço, pode-se imaginar a aflição, o medo, a vergonha e o constrangimento, a que era submetida periodicamente a funcionária. Tanto o cinema, quanto a literatura, reproduzem situações em que pessoas inocentes não passam no teste do polígrafo, dando a entender que o excesso de nervosismo, pode comprometer os resultados”.
A juíza Rosa Maria Villa reconheceu, ainda, que a funcionária sofria, de forma rotineira, “atentado ao patrimônio psíquico, emocional e moral, eis que por um lado, era questionada sobre a prática de crimes e sobre a inidoneidade de seus familiares e amigos; por outro lado, temia pelo resultado do teste, e por sua correta interpretação”.
A inconveniência da empresa aérea “causa perplexidade, não medindo atos nem conseqüências, impelida pelo temor de que seu patrimônio pudesse ser alvo de furtos, e que pudesse ser responsabilizada pelo transporte de entorpecentes, independentemente de seu conhecimento”, observou a juíza, para concluir, em seguida, que “o dano moral, no caso, não precisava ser comprovado”.
Os juízes da 2ª Turma do TRT-SP acompanharam a posição da juíza Rosa Maria Villa e, por maioria de votos, condenaram a American Airlines a pagar uma indenização no valor de R$ 80 mil por dano moral à ex-funcionária.