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Busato: corrupção é um câncer que corrói o país

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, afirmou que o desperdício e a corrupção no setor público formam um “câncer que corrói o país”. Para ele, estes fatores, aliados à alta carga de impostos, impedem o Brasil de dar um salto de qualidade. Em Salvador para a reunião do Conselho Federal da OAB e para o 50º Congresso da União Internacional dos Advogados – que em 2007 será presidida pelo brasileiro Paulo Lins e Silva – Busato falou ao Correio da Bahia sobre o atual papel da OAB no país, o futuro da advocacia nacional e suas expectativas para o novo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Busato nasceu em 1955, na cidade catarinense de Caçador. Anos depois, mudou-se para Ponta Grossa, onde cursou direito. Em 2002, o advogado tornou-se vice-presidente da Union Ibero-Americana de Colégios y Agrupaciones de Abogados (Uiba), com sede em Madri, com mandato que termina no fim deste ano. Há dois anos, Busato ocupa a presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que a partir de sua gestão ganhou importantes prerrogativas junto ao governo federal, como a possibilidade de opinar no reconhecimento dos cursos de direito oferecidos no país e exercer uma considerável influência junto às decisões do Congresso Nacional e Senado Federal.

Segue entrevista concedida a repórter Ana Carolina Araújo:

Correio da Bahia – Qual é o quadro atual da formação do advogado brasileiro?Roberto Busato – O quadro é muito difícil, pois houve um afrouxamento muito grande da regra para a criação de cursos de direito. É bom que se diga, já de início, que a Ordem não é contra a instalação de cursos de direito. O ensino da ciência do direito interessa à cidadania, e é até uma maneira de formação de cidadania. O que nós temos visto é a mercantilização dessa formação profissional. Antes, as instituições eram ligadas a entidades religiosas, poder público ou famílias tradicionalmente vocacionadas para a educação. Hoje temos empresas explorando a maioria dos cursos, o que traz uma diminuição no conteúdo e uma conseqüente má formação cultural. Isso deságua num alto índice de reprovação no exame de ordem.

CB – A postura do MEC se afrouxou nesse sentido?RB – A gestão do ministro Tarso Genro teve alguns ganhos nesse campo. Um deles foi a criação de uma comissão paritária entre a Ordem e o MEC, criando os novos fundamentos para a aprovação ou não dos novos cursos. Isso ainda não surtiu o efeito desejado. Esperávamos que com isso houvesse uma simetria entre as opiniões da ordem e do ministério, mas o que houve é que a diminuição das autorizações não está acompanhando a decisão da ordem. A ordem não recomendou muitos cursos que o MEC aprovou. Estamos participando também no reconhecimento dos cursos, o que é mais fiel. Agora, cabe ao ministro Fernando Haddad cumprir esse compromisso.

CB – Quais são os estados com mais problemas em relação a essa formação?RB – Os do Sudeste, especialmente pelo excesso de cursos instalados. O estado do Rio de Janeiro é o mais complicado, com cursos que podemos chamar de exóticos. Um deles funciona de madrugada, em grupos escolares, tendo que terminar antes de as crianças entrarem, às 7h.

CB – Como o senhor classifica a afirmação de que o exame de ordem é uma prova de “decoreba”? RB – Se fosse assim, seria fácil de resolver com um cursinho e não estaria havendo uma reprovação de mais de 80% dos candidatos em todo o Brasil. O exame sofre um preconceito de pessoas que pretendem a extinção dessa prova. Hoje temos certeza de que a instituição e a profissão de advogado perderiam com isso. Por exemplo, o exame tem muito foco na ética, que é muito exigida do advogado, até por ser a base da atividade. Perder o exame é ter o poder de inscrever 100 mil bacharéis ao ano formados de qualquer jeito. Acaba a responsabilidade da OAB com a sociedade brasileira.

CB – O senhor concorda com o pedido do Ministério Público Federal, de que a OAB não exija o diploma para a inscrição no exame de ordem? RB – A ordem já tem feito essa flexibilização para desmistificar a imagem de que queremos ser corporativistas. Por isso passamos a permitir que concluintes participem, o que é uma novidade que começou na minha gestão. Ao longo do tempo, a ordem vem modificando os requisitos do exame para facilitar, mas sempre dentro dos requisitos de segurança para manter a qualidade profissional da categoria.

CB – Até que ponto as acusações de corporativismo feitas à OAB têm sentido?RB – Essa afirmação é feita por pessoas desinformadas. Somos a segunda maior corporação de advogados do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, que tem um PIB muito maior para sustentar seus profissionais. Afinal, somos o segundo país que menos cresce na América, atrás apenas do Haiti, que está em guerra civil. Se nós pensássemos em termos corporativos, teríamos tomado uma atitude muito mais drástica a partir do governo FHC, quando houve uma curva absurda de crescimento dos cursos de direito. Desde então, flexibilizamos muito o exame, ao invés de endurecer. Hoje temos um aumento muito grande de profissionais e, com certeza, nos próximos anos, passaremos os EUA. Isso porque temos 1.300 cursos, enquanto eles têm apenas 200.

CB – Como a OAB combate a corrupção dentro da categoria, já que a maior parte das queixas no seu Tribunal de Ética é ligada à lesão financeira a clientes?CB – A OAB é a entidade de classe que mais pune seus membros no país e somos muito severos nisso. Além de sermos em grande número, a ordem quer trazer a advocacia ao nível do prestígio da OAB. A instituição tem muito mais credibilidade perante a sociedade do que a profissão em si. Em qualquer categoria, quando um delinqüe, todos são contaminados. Quando se vê um padre pedófilo, contamina-se toda a imagem da Igreja. Então, quando se vê um advogado transportando drogas, fica em xeque a credibilidade da categoria. O problema começa na má formação e continua num mercado de trabalho absolutamente disputado. Essa briga cria necessidades prementes. Além disso, o que aconteceu com a educação básica do Brasil foi crime de lesa-pátria. Isso tem um resultado absolutamente distorcido no ensino universitário, logo, no campo profissional.

CB – E o senhor acredita que o novo governo Lula dará mais passos para melhorar a educação? RB – Temos que acreditar que haverá preocupação com a educação, pois é a única forma de o país melhorar. Uma das razões para que eu confie é a presença do ministro Tarso Genro, que sai com uma influência forte no governo, principalmente pela estabilidade que ele acabou dando a uma gestão que foi absolutamente inconstante até a sua entrada na Secretaria de Relações Institucionais.

CB – O senhor acredita que a reforma política vai sair do papel? RB – A OAB está na terceira rodada de estudos para levar uma proposta ao próximo Congresso Nacional. Temos que pensar no voto obrigatório, na fidelidade partidária, no sentido real da cláusula de barreira e do voto distrital, no sistema de prestação de contas de campanhas. Primeiro, é preciso redesenhar todo o arcabouço eleitoral do país. A partir daí, poderemos entrar numa representação legítima, o que muitas vezes não existe. Se não vier a reforma política, não virá nenhuma outra.

CB – Quais são os pontos imprescindíveis para a tão esperada reforma do Judiciário? RB – A atualização da legislação processual, que tem sido feita através de medidas esparsas e sem um efeito global. É preciso uma visão única que não vem só da magistratura, mas também dos advogados, que estão na ponta e têm a sensibilidade de saber o que o cidadão precisa. O Conselho Nacional de Justiça, por exemplo, foi um grande avanço, mas é uma operação plástica. Agora é preciso alimentar o aparelho. Arou-se o campo. Agora é preciso colocar a semente, que é a reforma processual. Como ponto central, acho que o mais importante é estabelecer a súmula impeditiva de recursos. Isso irá prevenir o excesso de recursos que torna os processos muito lentos. Muitas vezes a lei admite brechas. O papel dos advogados é usar todos os recursos permitidos a favor dos seus clientes. Isso é como um veneno que mata a erva daninha e a planta.

CB – A reforma tributária poderia ser o primeiro passo para uma “reforma social”? RB – A tributação do Brasil é absurda, confiscatória. Expulsamos os portugueses do país para não pagarmos o “quinto dos infernos” e agora estamos pagando “terço dos diabos”. Há uma injustiça social brutal. De um lado está a alta carga tributária. De outro, a péssima qualidade dos serviços públicos que o Estado como um todo oferece de volta à população. Ninguém está satisfeito com a carga de impostos, mas o desgosto é ainda pior com a saúde pública, a educação, a segurança pública, o equipamento das Forças Armadas, as estradas brasileiras. Esse é o grande desafio. O desperdício e a corrupção do dinheiro público e a alta carga de impostos formam um câncer que corrói o país e o impede de dar o salto que é necessário para que o Brasil saia do terceiro para o primeiro mundo. Eu já disse claramente ao presidente Lula que não iremos ao primeiro mundo com o povo no terceiro. A carga tributária também é muito pesada da Europa, mas eles têm um retorno com qualidade. Nos países periféricos, como Argentina e México, os serviços também são ruins, mas a carga é muito menor do que a nossa.

CB – As parcerias público-privadas, que também estão sendo chamadas de privatização das estradas, são legais? RB – Legais, são, mas se são legítimas é outra coisa. Se tivéssemos a CPMF – que é tida como um imposto sujo, ou seja, que não beneficia o cidadão – e uma saúde de primeiro mundo, pelo menos haveria conforto. Com relação às PPPs nas estradas, isso faz parte do mundo moderno. O grande problema é administrar com a mentalidade medieval e usar mecanismos contemporâneos. Aí começa um problema que talvez seja a pior das serpentes que o país sofre que é a corrupção. É uma diabete social que vai cortando pela periferia.

CB – O Brasil é, de fato, um país democrático? RB – Nós vivemos numa democracia de fachada sem nenhum conteúdo ético e social. Temos instituições funcionando sobre o vazio. A democracia já poderia ter dado dez passos à frente e não o fez. Vemos isso pelas últimas eleições em que personagens sinistras da vida nacional ganham cargos depois de serem muito bem votadas. Vimos qual foi o discurso altamente vitorioso dessas eleições, e isso mostra que alguma coisa precisa mudar.

CB – Em que posição estamos em relação aos direitos humanos? RB – Há certos grilhões que seguram a evolução dos direitos humanos no país. Nós estamos no século XXI sofrendo efeitos da escravidão, como ocorre nos grotões do Pará, a escravidão do serviço infantil, da prostituição infantil, que são coisas absurdas para o século em que estamos. Isso precisa ser visto mais de perto. No campo econômico, a quebra dos DH é muito cruel. Sofisticou-se o instituto dos DH, que hoje abordam até a questão alimentar. Aí precisa haver uma política ampla que atenda a todas essas demandas. Eu acredito que o grande problema hoje seja a inversão do eixo das políticas públicas voltadas ao homem para serem voltadas ao sistema financeiro. Isso é uma questão internacional. Eu estive em Madri e lá vi uma grande manifestação do povo espanhol contra a fome, contra a guerra, contra a falta de moradia, que não são problemas só nossos.

CB – Como instituição de peso social e político, o que a OAB tem feito para melhorar essa situação? RB – As seccionais da OAB nos estados brasileiros são a instância que mais se envolvem em questões de cidadania. Principalmente no Nordeste, há uma visão social muito própria do advogado, porque ele tem um viés privado e um público de atuação, diferente de juízes e promotores. Isso acontece pela própria necessidade da sociedade, e por isso prestam serviços inestimáveis.

CB – E a Defensoria Pública tem ajudado a melhorar a situação?RB – É um sistema pessimamente deficiente. O Brasil é um país absolutamente carente e os níveis de injustiça e exclusão social tornam esse um serviço de primeira necessidade. O Banco Mundial chegou à conclusão de que o dinheiro a fundo perdido mais bem gasto da instituição é com relação à assistência judiciária. Dando isso à população, você diminui a miséria e a exclusão social, pois dá acesso aos direitos fundamentais da população. As melhores defensorias que temos são dos estados mais pobres da federação. No Piauí, tem uma das melhores do Brasil, mas no Paraná quase não existe.

CB – Como a Justiça brasileira tem se colocado diante do debate global sobre as novas tecnologias? RB – A Justiça tem que se modernizar, mas com o critério da ampla defesa e da preservação do Estado democrático de direto. A combinação destes dois fatores vai trazer um ponto de equilíbrio. Hoje temos a preservação do devido processo legal, da ampla defesa, mas não temos uma visão maior dentro das novas tecnologias. Nós temos que avançar nesse caminho, mas sempre sabendo que são questões delicadas. A tecnologia tem que ser usada, e se o judiciário não tiver tecnologia avançada, vai entrar em caos. Um exemplo muito claro é o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ele era um dos piores do Brasil e se tornou padrão de excelência com inversão de valores em tecnologia. Apenas com isso, saiu da rabeira e foi para a vanguarda como a Justiça estadual que melhor responde às necessidades da população. | Imprimir | Voltar | Enviar notícia por e-mail Busca por palavra chave: