Para que possamos adentrar ao tema em comento, faz-se necessária algumas considerações iniciais concernentes à própria origem do Direito Internacional, enquanto ramo autônomo da ciência jurídica, posto que este intróito servirá de base para edificarmos nosso pequeno edifício teórico.
Tratando-se de uma coletividade composta por nacionais, estabelecida em um território, com laços sócio-ideológicos comuns e regidos por um Estado politicamente organizado – dotado de soberania, portanto – temos o pressuposto que uma nação não pode existir por si só, sem que estabeleça múltiplos laços de relacionamento com as demais, cuja finalidade precípua (além daquela de ordem meramente econômica), é a incessante busca do bem-estar comum, do progresso e da paz social.
Deste modo, a fim de sistematizar forma e conteúdo, validade e eficácia destas relações vêm a ciência do direito oferecer sua contribuição única e característica, permitindo assim que indivíduos, organismos, organizações e nações, singela ou coletivamente consideradas, possam interagir de modo harmônico e ponderado, buscando minimizar diferenças e suavizar atritos, conduzindo em conjunto com os entes envolvidos na direção do equilíbrio.
Pois bem. Desta pequena análise introdutória, extraímos uma consideração inicial extremamente relevante acerca das origens do direito internacional: trata-se de um “direito das gentes”, compreendidas as pessoas independente de sua nacionalidade, até porque opera-se uma interdependência natural, primeiramente entre pessoas e, a seguir, entre nações, vigorando de forma imperiosa o princípio geral do direito que estabelece que “os pactos deverão ser cumpridos”.
No mundo moderno, em que soberania se encontra tão volatilizada, e até mesmo fragilizada tendo em vista os excessos cometidos recentemente, não há como se conceber que indivíduos ou nações sejam capazes de sobreviver sós, na onda da própria sorte e por conta de um destino absolutamente incerto; aliás, incerteza é o mote que sempre delineou a existência humana sobre a terra; razão pela qual o princípio acima enunciado serve como pressuposto mais adequado a cingir de evidência científica a assertiva de que a origem do direito internacional encontra-se repousada no “direito das gentes”.
DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL.
Passada esta fase preambular, adentremos ao tema considerado, fazendo uma afirmação de fé: que os elementos essenciais da responsabilidade internacional são os mesmos estabelecidos para a responsabilidade civil, quais sejam: a) objetivos: ato ilícito, imputabilidade e dano, e b) subjetivos: nexo de causalidade.Ora, é comezinho aos estudiosos do tema que os elementos acima elencados, constituem aqueles essenciais à concretização da responsabilidade civil, e ainda que sua transposição para o direito internacional guarda um similaridade ímpar, além de ser de facial apreensão.
Senão vejamos. Têm-se por conduta ilícita aquela que afronta ou viola uma norma de caráter cogente, pressupondo-se uma ação cuja orientação esteja em desarmonia com o direito posto, que pode ser, no caso estudado, uma norma de direito internacional.Imputabilidade corresponde à indicação da pessoa ou agente a quem se deve atribuir ou impor a responsabilidade ou autoria do ato tido como ilícito.
Dano é o resultado ou fruto do ato praticado e tido como ilícito e que se reveste da figura romana do quase-delito, ou aquiliano, podendo ainda ser resultado de uma ação ou de uma omissão, e gerando perante todos a obrigação de ser reparado, sendo certo que tal reparação, tanto em direito civil como em internacional, adota contornos inicialmente e nitidamente patrimoniais.Por fim, o nexo de causalidade que subsiste como elo de ligação entre a causa, ou melhor, o fato e o resultado (dano), de tal modo que reste inequívoca a responsabilidade do agente que deu causa ao dano. Isto representa a responsabilidade civil objetiva.Todavia, em direito internacional não se busca a responsabilidade subjetiva, mas apenas e tão somente a objetiva, pela qual caracteriza-se o ato ilícito (autoria típica de violação de norma de direito internacional) e que pode ser levada a efeito tanto por um chefe de Estado ou de Governo, um diplomata, um ministro ou ainda e também um representante dos demais órgãos componentes do poder legislativo ou judiciário, incorrendo, assim, na possível imputação.
Aspecto relevante a ser considerado diz respeito ao fato de quem em direito internacional a intenção ou motivação (culpa) são irrelevantes, ou seja, não necessidade de sua apuração na conduta do agente, bastando que tenha ocorrido fato típico, antijurídico e punível.
Por derradeiro, observe-se que a ratificação pelos Estados-membros da Organização do Estados Americanos (OEA) da convenção americana de direitos humanos, acabou por codificar o princípio de direito internacional de que a declaração de responsabilidade internacional gera o dever de reabilitar ao status quo ante à violação do direito, quando possível e reparar os danos irremediáveis causados pela mesma violação.
PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS.
Não resta a menor sombra de dúvida que o efetivo interesse pelas autoridades internacionais quanto ao tema ora delineado ganhou seus primeiros delineamentos logo após o final da Segunda Guerra Mundial, primeiramente porque a constatação fática das atrocidades cometidas durante o conflito vieram à tona tal um verdadeiro turbilhão de emoções desencontradas, despertando os mais variados sentimentos de repulsa, ódio e revolta, não apenas pelo sistemático extermínio de minorias étnicas, levadas a cabo pelo poder beligerante que reinava na Alemanha Nazista, como também – e não menos pior – a forma com que este processo foi levado a cabo, demonstrando a eficácia de ações premeditadas praticadas pelo ser humano contra o ser humano.
Em segundo lugar, anote-se que regime da responsabilidade internacional do Estado referia-se originalmente apenas à disputas entre países e suas pendências voltadas às relações diretamente ligadas à soberania nacional, tal uma verdadeira preponderância egocêntrica de uns com relação a outros. Porém, com a evolução das relações internacionais, surge uma nova vertente de disputas, na qual o prejuízo deixava a órbita do Estado e integrava-se – através de um dos seus nacionais – ao seio do cidadão comum que novamente era alvo frágil do produto dessa zona de atrito. Desse modo ocorreu uma evidente ampliação do regime de responsabilidade internacional com a finalidade maior de proteger cidadãos e cidadãs de um Estado em relação à outro contra arbítrios praticados fora de seu Estado de origem em nome de interesses que ele mesmo – algumas vezes, mas nem sempre – havia dado causa.
Importante frisar que a natureza objetiva das obrigações de proteção de direitos humanos consagra o indivíduo como principal preocupação da responsabilidade internacional do Estado por violação direta ou indireta de direitos humanos assegurados à todos nós, componentes da civilização humana sem haver, inclusive, a necessidade de caracterizar-se o elemento culpa, posto que basta que haja uma violação de direitos humanos tendo como resultado uma inobservância por parte do Estado de suas obrigações de forma direta ou por pessoas por ele interpostas. O fundamento da responsabilidade está na constatação, pura e simples, de um eventual comportamento que não esteja de acordo com a norma internacional vigente por meio de convenções, tratados e acordos internacionais.
ENCERRAMENTO
À guisa apenas de um pequeno breviário, salientamos que a apuração da responsabilidade internacional em vista do caráter eminentemente protetivo dos direitos humanos ganhou, nos últimos tempos, vestes de representatividade máxima sem muita eficácia prática, posto que uma breve vista de olhos sobre as recentes notícias sobre o norte da África, Oriente Médio, Leste europeu e oeste da América do Sul, mostram um evidente escárnio de governantes e seus assessores face ao instituto ora em comento.
Mortes, crimes sem solução, queimas de arquivo e demais situações congêneres não se limitam apenas e tão somente às vítimas diretas, mas também – e na maior parte – às vítimas indiretas, ma sua grande parte inocentes úteis ou mesmo simples cidadãos comuns que poderiam tornar-se vítimas por acaso, mas acabam por faze-lo quando encontram-se no lugar errado e na hora errada.
Todavia, aceitamos com fato evidente e sem considerações em contrário, que esta proteção internacional dos direitos humanos, além de necessária em tempos como os atuais, tornou-se primordial para a existência, bem como sobrevivência, da humanidade nos próximos anos. As gerações futuras deverão ser mais capazes e mais aptas a enfrentarem este problema de frente e compreender que significa algo mais do que moral algo mais profundo do ponto de vista ético, que a conduta internacional se paute por mecanismos de proteção da raça humana, independentemente de sua origem étnica, religiosa, social ou política, até mesmo porque indissociável é a natureza humana de suas próprias origens, que não se prendem, nem nunca se atrelaram a qualquer destes esteriótipos criados apenas e tão somente com a finalidade de estabelecer distâncias e desigualdades entre aqueles que nunca conheceram qualquer tipo de fronteira e cujos pecados são mesmos pecados que um dia, anos atrás os expulsaram dos jardins do Éden.