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A Pena de Morte no Direito Penal Militar: Algumas considerações

Introdução

Muitas pessoas pensam que não há pena de morte prevista no Brasil, e sequer imaginam que existe amparo constitucional para tal. Trata-se de pena a ser aplicada exclusivamente em tempo de guerra para os crimes militares mais graves, que às vezes podem colocar em risco a própria existência do Estado.

Nas últimas décadas, provavelmente motivada pelo aumento desenfreado da criminalidade, a sociedade tem discutido alguns temas delicados como pena de morte, aumento das penas e maioridade penal, entre outros. A inexistência de pena de morte em nosso ordenamento jurídico é fato conhecido por todos, sendo inclusive uma ordem constitucional. Nosso Código Penal, de 1940, não tem em seu rol de penas a morte, nem a atual Constituição a aceita; aliás, segundo Alexandre de Moraes, “o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos” (Moraes, p. 61). Entretanto, muitos não dão conta de que este mandamento não é absoluto, comportando uma (única) exceção, já que a Constituição diz que não haverá pena de morte salvo no caso de guerra declarada (CF/88, art. 5º, XLVII, a).

Breve histórico

A pena de morte foi trazida de Portugal pelo Capitão Martim Afonso, sendo imposta pelo arbítrio dos capitães portugueses até 1530; foi abolida pela Constituição de 1891, exceto em tempo de guerra. Na Constituição de 1934 era feita referência a tempo de guerra com país estrangeiro; em 1937 foi suprimida a referência à guerra com país estrangeiro, ressurgindo assim a pena de morte inclusive para crimes não militares (Assis [b], p. 147 e 148). A Constituição de 1967 dizia que não haveria pena de morte, com a ressalva de guerra externa (art. 150, §11), sendo que o Ato Institucional nº 14/69 acrescentou ao parágrafo as guerras psicológica, revolucionária ou subversiva ao rol de exceções que permitiriam pena de morte.

Esmeraldino Bandeira (p. 199) diz que pelo modo de execução da pena de morte pode-se ter uma indicação precisa do estado de evolução intelectual e moral de um povo. E continua:

Os escriptores modernos, no dizer de um mestre, são unanimes em pensar que se deve reduzir ao minimo os soffrimentos phisicos e moraes do condemnado á morte, ao qual não se pode, sem barbaridade, pedir mais que o sacrificio da vida.

Realmente, delongar o supplicio e intensificar a agonia de um tal condemnado é cousa só e apenas compativel com os tempos em que Cesar não havia ainda revelado o homem á humanidade, apiedando-se dos vencidos.

A questão da execução sem humilhação, porém, não ocorre em todos os povos. O autor supracitado, para ilustrar o assunto, conta em detalhes o fuzilamento de Misdea, militar italiano que sofria de epilepsia e que, num momento de fúria, assassinou sete companheiros de caserna (p. 209):

Não se comprehende que a morte de um condemnado seja ainda aggravada com a ignominia. Nem tão pouco se justifica a apparatosa solemnidade marcial para humilhar publicamente um desgraçado já intimamente humilhado pela condemnação. Tanto mais quanto no caso de Misdea se tratava de um inconsciente, de um epileptico.

Certo que foi gravissimo o crime desse desgraçado; mas certo tambem é que a pena que se lhe devia impôr não era a cadeira infamante das execuções militares, mas um apartamento no manicomio penal ou uma execução sem apparato.

Desde que entrou em vigor o Regulamento Processual Criminal Militar, que revogou o Regulamento de 20 de fevereiro de 1708, a pena de morte tem seu cerimonial de execução mais simples, sem humilhações e com mais respeito à pessoa do condenado.

A pena de morte no CPM

Comparando as penas do Código Penal comum com o Código Penal Militar (CPM), temos neste a morte como uma das penas principais (no CPM estão previstas as penas principais e as penas acessórias, sendo que estas últimas causam controvérsia quanto à sua aplicabilidade, visto que no direito penal comum estão abolidas desde 1984), enquanto naquele as penas possíveis são privativas de liberdade, restritivas de direito e multa (CP, art. 32). O CPM diz, em seus artigos 55 a 57:

Art. 55 – As penas principais são:

morte;reclusãodetenção;prisão;impedimento;suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função;

reforma.

Art. 56 – A pena de morte é executada por fuzilamento.

Art. 57 – A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada, logo que passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias após a comunicação.

Parágrafo único. Se a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares.

O fuzilamento é a forma de execução prevista também no artigo 707 do Código de Processo Penal Militar. A pessoa que for fuzilada deverá sair da prisão com uniforme comum e sem insígnias (no caso de militar), ou decentemente vestido (sendo civil ou assemelhado), e terá os olhos vendados no momento da execução, podendo recusar a venda, sendo também permitido ao condenado receber socorro espiritual.

A comunicação ao Presidente da República, a que faz referência o art. 57 do CPM e art. 707 §3º do CPPM, é em razão da competência privativa do mesmo, nos termos do art. 84, XII da atual Constituição: “conceder indulto e comutar penas […]”. Durante o prazo de sete dias o Presidente da República poderá conceder indulto ou comutar a pena do condenado, como ocorreu na 2ª Guerra Mundial, em um caso de condenação à morte que foi julgado pela Justiça Militar brasileira (Assis [b], p. 151):

[…] Os criminosos eram soldados que violentaram uma moça, deflorando-a e mataram o avô da vítima, para impedir que ele defendesse a neta (Ac. Do Conselho Superior da Justiça Militar, de 07.03.1945, DJU de 24.03.1945). O Presidente da República, usando do direito constitucional comutou a pena para 30 anos de reclusão.

O Conselho Supremo de Justiça Militar (criado pelo Dec-Lei 6396, de 01.04.1944) confirmou a sentença apelada, anotando não ter sido encontrada nenhuma atenuante que pudesse minorar a situação dos réus. Tratando-se de crimes praticados em zonas de efetivas operações militares, e atendendo às circunstâncias de que se revestiram, impunha-se a aplicação de pena capital.

O prazo anterior de comunicação ao Presidente da República era de cinco dias, mas levando em consideração as dificuldades de comunicação numa situação de guerra, o atual Código Penal Militar aumentou para sete dias, é explanado em sua Exposição de Motivos (nº 8):

Alongou-se de cinco para sete dias o prazo de comunicação ao Presidente da República de sentença definitiva de condenação à pena de morte, para atender às hipóteses de distância do local de julgamento e possíveis dificuldades de comunicação em estado de guerra. Manteve-se, porém, a norma do Código vigente, de execução imediata da pena, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares.

O Livro II da Parte Especial do CPM trata dos crimes militares em tempo de guerra, onde a grande maioria das penas estão expressas em graus, máximo e mínimo, não admitindo variações (Assis [a], p. 409). Alguns dos crimes que têm a morte como pena em grau máximo são a traição, favorecimento ao inimigo, covardia [01], espionagem, motim [02], danificar bens de interesse militar, abandono de posto, deserção, homicídio qualificado [03], genocídio e outros.

Conclusão

A aplicação ou não da pena de morte em tempo de paz foi motivo de muitas discussões na década de 90, sendo um assunto que não está tão em voga atualmente, e sua proibição é considerada cláusula pétrea, não podendo ser modificada, portanto, por emenda constitucional. Como o Brasil felizmente não é país beligerante, não temos uma jurisprudência formada para os crimes militares em tempo de guerra.

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