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Precedentes do STJ indicam como Tribunal julga questões de acidentes aéreos

O recente episódio que envolveu um avião comercial e um jato particular no mais trágico acidente aéreo do Brasil não foi o primeiro choque ocorrido no ar entre duas aeronaves no País. Em 1962, no município de Paraibuna (SP), um avião modelo Scandia, da Viação Aérea São Paulo (Vasp), atualmente em recuperação judicial, colidiu em pleno vôo, a caminho do Rio de Janeiro, com uma aeronave particular, modelo Cesna-310.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável pela uniformização na interpretação das leis federais, tem recebido recursos sobre este e outros acidentes aeronáuticos em seus 15 anos de existência. Os resultados dos julgamentos criam precedentes e indicam a maneira como os ministros do STJ entendem questões relativas à responsabilidade das empresas, dos pilotos envolvidos, direitos à indenização e pensão e pagamento de dano moral aos familiares das vítimas.

Indenizações

Esposa e filhas de um dos passageiros da Vasp morto no acidente de Paraibuna ingressaram na Justiça com pedido de indenização, em 1965. O julgamento foi favorável a elas, e o Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, hoje extinto, determinou a penhora de 25% da receita diária da empresa aérea para o pagamento da dívida, que, em 1999, alcançava R$ 10,5 milhões. Essa decisão foi modificada, provisoriamente, pelo STJ, que concedeu liminar à Vasp para suspender os efeitos da penhora. O julgamento do mérito (questão de direito discutida na ação) ainda está pendente. O relator é o ministro Massami Uyeda, da Quarta Turma (MC 1831).

Em outro caso que tratou do pagamento de indenização, o STJ não aceitou recurso especial em que a empresa TAM tentava anular condenação imposta pela Justiça paulista para indenizar, por danos materiais, duas crianças que perderam o pai em acidente aéreo ocorrido no campo de Araçatuba (SP). No acidente com o avião modelo Bandeirante, além do pai das crianças, também morreram os pilotos e mais seis passageiros.

A investigação concluiu que o acidente ocorreu em decorrência das más condições meteorológicas, tornando inviável a aterrissagem segura. Ainda assim, os pilotos da aeronave assumiram o risco do pouso. Por isso, o entendimento de que o caso se enquadrava na legislação comum (o Código Civil) e não na legislação especial, representada pelo Código Brasileiro do Ar, substituído pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, como pretendia a empresa aérea (REsp 23875).

Limite à indenização

À época desse julgamento, em fevereiro de 2006, o ministro Ari Pargendler, da Terceira Turma, destacou que, no Brasil, a responsabilidade civil do transportador, em caso de acidente aéreo, pode ser cobrada conforme a lei especial se o sinistro decorrer de culpa, e na forma do Código Civil (lei comum) se ele resultar de dolo ou culpa grave. A culpa grave ocorre quando o transportador ou seus prepostos pretenderam o resultado ou assumiram o risco de produzi-lo. A lei especial limita a responsabilidade; a lei comum não. Em síntese, a responsabilidade do transportador, exceto em caso de dolo, é objetiva e limitada. No entanto, há entendimento pacífico no STJ sobre a prevalência do Código de Defesa do Consumidor sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, afastando o limite do alcance da responsabilidade, por entender que há, no contrato de transporte aéreo, uma relação de consumo.

Dano moral

O STJ tem entendido que a indenização por dano moral é compatível com a responsabilidade objetiva. O dano moral também pode ser indenizado, mesmo que não seja comprovada a culpa do causador do acidente. Um dos casos analisados trata de acidente com um avião da empresa Nordeste Linhas Aéreas Regionais. Os três filhos de uma das vítimas, à época com 37 anos, ingressaram com pedido de indenização por dano moral, além do dano material pago pela empresa aérea.

O STJ entende que a garantia de reparação do dano moral tem estatura constitucional, sendo que a morte do pai no acidente teria causado aos filhos sofrimento intenso, “somando-se ainda à perda de amparo material e emocional, faltando-lhes, da parte do ente querido, carinho e orientação” (REsp 245465).

Outro caso em que o STJ também reconheceu o direito a dano moral tratou da morte de mãe e filho que, dentro do carro, foram colhidos por um avião que tentava fazer a manobra de aterrissagem no aeroporto de Bauru (SP). O fato ocorreu em fevereiro de 1990. O acidente causou a morte de ambos. O viúvo e outros dois filhos do casal entraram com ação contra a TAM, proprietária do Fokker MK-60, alegando negligência, imperícia e imprudência dos pilotos do avião, ensejando o dever de indenizar, por culpa grave, os familiares, sem valor tarifado. Além de pensão mensal, pediram indenização por danos morais.

A Justiça estadual de São Paulo não reconheceu a obrigação da TAM de indenizar também por danos morais. Em outubro de 1999, a Quarta Turma do STJ reformou esta decisão e garantiu o ressarcimento ao marido e filhos por danos morais (equivalente a 500 salários mínimos por cada uma das vítimas), além de outra indenização por danos material. A TAM contesta esta decisão e novo recurso, alegando divergência entre entendimento do próprio STJ foi levado à apreciação da Segunda Seção, onde aguarda julgamento. (EREsp 41614)

Erro dos pilotos

Quando comprovada a culpa, piloto e co-piloto podem ser responsabilizados penalmente pelas mortes ocorridas em quedas de aeronaves. O julgamento de um recurso que tratou do acidente com um Boeing da Varig ocorrido na Amazônia, em setembro de 1989, concluiu que o piloto e o co-piloto da aeronave foram responsáveis pelas mortes de doze pessoas e lesões corporais graves em outras 29. O reconhecimento foi conseqüência de decisão da Quinta Turma do STJ, cujo entendimento determinou que ambos cumprissem pena restritiva de direitos, mais pagamento de multa (REsp 476445).

Piloto e co-piloto teriam agido com desatenção e imprudência ao percorrer o caminho errado: em vez de tomar o rumo norte, o piloto foi na direção sudoeste, por um erro de inserção de dados no computador de bordo. Em primeira instância, eles haviam sido condenados à pena de quatro anos de detenção, convertida em pena alternativa e pagamento de multa.

Empresa do exterior

A empresa norte-americana Northrop Grumman Corporation, fabricante da peça defeituosa que foi uma das causas da queda do Fokker 100 da empresa TAM, em outubro de 1996, em São Paulo (SP), foi obrigada pelo STJ a prestar caução de R$ 300 mil por vítima do desastre, para poder continuar se defendendo no processo em que as famílias das vítimas pedem indenização.

O julgamento aconteceu em dezembro de 2004, na Terceira Turma. O desastre matou todas as 99 pessoas a bordo, incluindo passageiros e tripulação. A caução foi pedida pelo Ministério Público, ao argumento de que a situação da empresa acusada, sem filial ou representante no País, poderia gerar a frustração final do pagamento das indenizações .