Os pais de M.F, de Cachoeira do Sul (RS), vão ser julgados por descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder, não impedindo que o adolescente passe os dias na rua e seja usuário de drogas. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em votação unânime, afastou o argumento de carência da ação por impossibilidade jurídica do pedido com o qual o juiz tinha extingüido a ação contra os pais.
Para os ministros dessa Turma, não se pode falar em impossibilidade jurídica do pedido quando existe dispositivo de lei que contém, expressamente, a possibilidade de aplicação de pena diante de possível descumprimento pelos pais do dever que lhes é inerente. Assim, os ministros deram provimento ao recurso do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul para determinar o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau.
No caso, o Conselho Tutelar dos Direitos da Criança e do Adolescente de Cachoeira do Sul (RS) representou contra D.F., responsável pelo menor M.F., ao fundamento de que o adolescente passa o dia nas ruas e é usuário de drogas. A sentença julgou extinto o processo com base no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por maioria, negou provimento à apelação. Para o Acórdão, “não há como identificar conduta dolosa ou culposa a tipificar a infração administrativa prevista no artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que justifique o conseqüente apenamento dos pais com a imposição do pagamento de multa”. Prossegue afirmando que as provas já devem estar nos autos por ocasião do ajuizamento da ação e, ainda, que a “falha na atribuição do Conselho Tutelar não autoriza, por si só, a aplicação de medidas contra os pais. É necessário que haja obediência à cadeia de obrigações, e o Poder Público tem de superar suas falhas e assumir seu papel, para, só então, poder cobrar dos demais envolvidos o cumprimento das suas”.
No STJ, o Ministério Público estadual afirma estar comprovado nos autos que o adolescente não freqüenta a escola, fato do conhecimento dos pais. Alega que o Tribunal estadual, ao extinguir o feito, entendeu que o Conselho Tutelar não atuou efetivamente acerca de suas atribuições, “como se tal circunstância fosse uma das condições materiais da ação, transferindo a responsabilidade pela infreqüência escolar do adolescente dos pais ao Estado e Conselho Tutelar”.
Ao decidir, o relator, ministro Carlos Alberto Menezes Direito, destacou que somente poderia haver impossibilidade jurídica se o ordenamento jurídico brasileiro desconhecesse o tipo qualificado na disciplina positiva, o que não é o caso.
Por outro lado, disse o ministro, afirmar que as provas deveriam estar nos autos no momento do ajuizamento está em desacordo com a realidade, considerando que cabe ao Conselho Tutelar o encaminhamento ao Ministério Público da notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente. “Ora, se essa é a atribuição do Conselho Tutelar não me parece razoável admitir carência de ação ao fundamento de que teria havido apenas ‘uma burocracia inócua’ diante de ausência de comprovação da desobediência à lei, ou dolo ou culpa pela falta de freqüência às aulas. Anote-se que houve termo de responsabilidade assinado pelos pais e termo de advertência, daí provocando a iniciativa da representação ajuizada pelo Ministério Público”.
O relator ressaltou, ainda, que todos sabemos da ineficiência do Estado nos cuidados com a infância e adolescência, falhas até aqui políticas públicas capazes de enfrentar esse enorme desafio de criar condições concretas para prover educação e assistência aos que se encontram desamparados. Mas isso não significa, continuou o ministro, alijar do cenário a responsabilidade dos pais, embora, em muitas circunstâncias, seja-lhes difícil dispor de meios para tanto.