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A evoluçao histórica da responsabilidade civil do estado

EVOLUÇÃO HISTÓRICA: NOÇÕES GERAIS

A responsabilidade civil do Estado, estudada também sob outros títulos, quais sejam, a responsabilidade da Administração Pública, responsabilidade patrimonial ou responsabilidade extracontratual do Estado, consiste na obrigação a este imposta de reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiro em decorrência de suas atividades ou omissões.

A responsabilidade do Estado encontra-se, conforme o teor do art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 , entre os casos de responsabilidade objetiva. Entretanto, esta responsabilidade, hoje consagrada na legislação em vigor como objetiva, foi objeto de grandes e lentas transformações até chegar ao estágio atual.

É muito importante compreender o fenômeno evolutivo em seus diversos estágios para entender em que contexto se deu o desenvolvimento da Responsabilidade Civil do Estado no Direito Brasileiro. A consagração da responsabilidade objetiva no Brasil, hoje consignada no texto constitucional em vigor, é resultado de um grande processo de transformação.

TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE

O nascimento do Estado moderno não trouxe, de pronto, como se pode imaginar, a responsabilidade estatal por atos decorrentes das suas funções. Ao contrário, durante muitos séculos, vigorou o princípio da irresponsabilidade do Estado, advindo da teoria do direito divino dos reis, elaborada por Bossuet para justificar o poder absoluto dos monarcas a impossibilitar qualquer tentativa de responsabilizá-lo, pois o rei, designado por Deus, era infalível.

Além da infalibilidade dos monarcas, inúmeros outros motivos serviram de alicerce para justificar esta exoneração. Na lição da doutrinadora ODETE MEDAUAR :

Várias concepções justificavam tal isenção, dentre as quais: o monarca ou o Estado não erram; o Estado atua para atender ao interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso; a soberania do Estado, poder incontrastável, impede seja reconhecida sua responsabilidade perante o indivíduo.

Entretanto, mesmo vigendo a teoria da irresponsabilidade do Estado no período Absolutista, já se admitia a responsabilidade pecuniária pessoal dos agentes da Administração. Isto se devia a que, consoante preleciona SÉRGIO CAVALIERI FILHO , “sustentava-se que o Estado e o funcionário são sujeitos diferentes, pelo quê este último, mesmo agindo fora dos limites de seus poderes, ou abusando deles, não obrigava, com seu fato, a Administração”.

Dessa forma, o administrado, vítima de dano, poderia se insurgir apenas contra o funcionário da Administração causador do dano. O Estado jamais era demandado. Acontece que constantemente a ação de indenização resultava frustrada ante a insuficiência econômica do agente, o que inviabilizava o ressarcimento da vítima.

CONCEPÇÕES CIVILISTAS

Em um segundo momento da evolução, nos dizeres de SÉRGIO CAVALIERI FILHO , ocorreu a passagem da teoria da irresponsabilidade, “para uma concepção civilista da responsabilidade estatal, fundada na culpa do funcionário e nos princípios da responsabilidade por fato de terceiro (patrão, preponente, mandante, representante)”.

Em decorrência da Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, e do início do sistema capitalista, a estrutura da sociedade sofreu grandes transformações acompanhadas por uma notável evolução tecnológica. Além disso, difundiu-se a idéia de submissão do Estado ao Direito, gerando um crescente reconhecimento dos direitos dos indivíduos perante o Estado.

Foi nesse contexto de mudanças sociais e econômicas que paradigmas de alicerce da responsabilidade civil do Estado foram lançados, no final do século XIX, como, por exemplo, o surgimento da figura do Estado empresário. Passou-se a reconhecer, desta forma, a separação da atividade estatal em atos de império e atos de gestão. Em relação aos atos de Império, não haveria responsabilização do Estado, em contraponto aos atos de gestão, em que, atuando como se particular fosse, o Estado era obrigado a reparar os danos causados no desempenho de suas funções, desde que houvesse culpa do agente.

O Código Civil de 1916, no seu artigo 15, foi o primeiro diploma legal a prever especificamente a responsabilização do Estado, estabelecendo que:

As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao Direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. Pois bem, malgrado as concepções civilistas tenham admitido a possibilidade de responsabilização do Estado em pequenas proporções, passo importante foi dado nesse contexto evolutivo.

Todavia, esta situação ainda se apresentava muito desvantajosa para o indivíduo, ficando este, muitas vezes, sem ser ressarcido ante a impossibilidade de se distinguir as duas espécies de atos (de império e de gestão) em um caso concreto. Além disso, ainda que fosse possível separá-los, era preciso comprovar a culpa do agente administrativo, o que não raro resultava inviável.

Essas dificuldades para a vítima do dano, ou seus parentes, acionar o Poder Judiciário não se coadunavam com os ideais do racionalismo iluminista, instituidores da limitação dos poderes do Estado. A concepção civilista lançada não era suficientemente protetiva dos direitos dos cidadãos contra a indevida ingerência estatal.

Além disso, a evolução do princípio da legalidade implicou o reconhecimento de limitações na atuação do Estado, que, ao executar as leis emanadas do poder legislativo, subsumia-se à elas, assim como os particulares. Assim, aos poucos, a doutrina passou a entender e defender a tese de que o Estado era responsável pelos atos ilegais praticados pelos agentes administrativos causadores de danos a terceiros, salvo nos casos em que provasse inexistência de culpa. A jurisprudência construía, desta forma, a teoria da culpa presumida da Administração, que invertia o ônus da prova em benefício da vítima.

A CULPA ANÔNIMA

A responsabilização do Estado por ato do agente foi possível com a evolução do entendimento da natureza da relação existente entre eles. Sobre a Teoria do Órgão, oportuna é a transcrição do entendimento de SÉRGIO CAVALIERI FILHO , para quem:

(…) o Estado não é representado por seus agentes, mas age através deles e dos órgãos em que atuam. Como pessoa jurídica que é, o Estado não tem vontade nem ação, no sentido de manifestação psicológica e vida anímica própria. Estas, só os seres físicos as possuem. Não podendo agir diretamente, por não ser dotado de individualidade fisiopsíquica, a vontade e a ação do Estado são manifestadas pelos seus agentes, na medida em que se apresentem revestidos desta qualidade e atuem em seus órgãos. Pela teoria do órgão (ou organicista) o Estado é concebido como um organismo vivo, integrado por um conjunto de órgãos que realizam as suas funções. Tal como o ser humano, é dotado de órgãos de comando (políticos) que manifestam a vontade estatal e órgãos de execução (administrativos) que cumprem as ordens dos primeiros. A vontade e as ações desses órgãos, todavia, não são dos agentes humanos que neles atuam, mas sim do próprio Estado (…).

Com base nesses princípios, elaborou-se a teoria da responsabilidade do Estado pelo ato culposo de seu agente, pressupondo a atividade do funcionário como atividade da própria pessoa jurídica, a pessoa do Estado.

Assim, aos poucos, a teoria da responsabilidade civil do Estado em sua concepção individual foi dando lugar a culpa anônima (ou impessoal). A noção civilista da culpa restou ultrapassada, preterindo-se a prova da culpa à constatação do dano.

À jurisprudência francesa, através do Conseil dÉtat, coube a elaboração da noção de “falta de serviço” (faute du service). Configura-se a falta do serviço ou a culpa do serviço quando o serviço não funciona, funciona mal ou funciona atrasado (retardamento), bastando, portanto, comprovar a ausência do serviço devido ou seu defeituoso funcionamento para gerar a responsabilização do Estado pelos danos daí decorrentes aos administrados, frise-se, independentemente de culpa de seu agente.

O agente, inclusive, muito bem esclarecido por SÉRGIO CAVALIERI FILHO , não precisa ser determinado, sendo dispensável a prova de que funcionários nominalmente especificados tenham incorrido em culpa, satisfazendo-se a responsabilização apenas com a constatação de um mau agenciador geral, anônimo, impessoal, na defeituosa condução do serviço, à qual o dano possa ser imputado.

Em verdade, a falta do serviço implicava o reconhecimento de culpa da Administração. Assim é que JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO , ao discorrer sobre o assunto, revela que:

(…) para que o lesado pudesse exercer seu direito à reparação dos prejuízos, era necessário que comprovasse que o fato danoso se originava do mau funcionamento do serviço e que, em conseqüência, teria o Estado atuado culposamente. Cabia-lhe, ainda, o ônus de provar o elemento culpa.

Em inúmeros países, a tradução inadequada da noção faute du service, mais especificamente em relação à palavra francesa faute, confundiu alguns autores que chegaram a afirmar que não havia distinção entre culpa anônima e responsabilidade objetiva. O correto significado da palavra é culpa, mas foi traduzida, inadequadamente como falta (ausência), trazendo a idéia de algo objetivo, como bem ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO .

A RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Na última fase deste contexto evolutivo proclamou-se a responsabilidade objetiva do Estado, com base nos princípios da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais. Com base na teoria do risco, a sociedade deveria suportar o prejuízo causado pelo funcionamento do serviço público, não mais sendo necessário questionar-se da falta de seu agente ou do próprio serviço. A adoção desta teoria, ora a mais em voga, entende que basta que o particular demonstre o nexo de causalidade entre o ato da Administração e o dano sofrido, e que para a ocorrência do dano não tenha contribuído o particular com atitude culposa, para gerar uma responsabilização estatal.

Nessa linha de intelecção, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO faz a seguinte observação sobre a base jurídica da responsabilização objetiva:

(…) o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseqüente, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito.

Segundo ensinamentos da doutrinadora ODETE MEDAUAR , dois são os preceitos que respaldam a concepção da responsabilidade objetiva do Estado. São eles:

Em primeiro lugar, o próprio sentido de justiça (equidade), o neminem laedere, o alterum non laedere, que permeia o Direito e a própria vida, em virtude do qual o causador de prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano. No caso da Administração, a multiplicidade e amplitude de suas atividades e as suas prerrogativas de poder, ensejam risco maior de danos a terceiros. Por outro lado, nem sempre é possível identificar o agente causador, nem sempre é possível demonstrar seu dolo ou culpa. Melhor se asseguram os direitos da vítima ante o tratamento objetivo da responsabilidade da Administração.Em segundo lugar, o preceito da igualdade de todos ante os ônus e encargos da Administração, também denominado “solidariedade social”. Se, em tese, todos se beneficiam das atividades da Administração, todos (representados pelo Estado) devem compartilhar do ressarcimento dos danos que essas atividades causam a alguns.

A responsabilidade civil objetiva surgiu, portanto, da necessidade da vítima de obter reparação do dano sem provar a culpa do agente. Isso porque a culpa tornou-se insuficiente para solucionar todos os danos uma vez que sua prova nem sempre é possível na sociedade moderna, frente às evoluções tecnológicas e desenvolvimento industrial. Novas situações, então, que não poderiam ser amparadas pelo conceito tradicional de culpa, fizeram nascer esta responsabilidade. Descarta-se, assim, qualquer questionamento em torno da culpa lato sensu do funcionário causador do dano, ou sobre a falta do serviço ou culpa anônima da Administração.

Em suma, surge o dever de indenizar porque o Estado lesionou bem jurídico do administrado e há relação de causalidade entre a atividade administrativa e o dano sofrido pelo particular.

TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO

A teoria do risco, elaborada por Léon Duguit, representou passo decisivo na doutrina da responsabilidade estatal. Buscando adaptá-la para a Administração Pública, em busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado, surgiu a teoria do risco administrativo.

Explica MARCELO CAETANO que a justificativa ético-jurídica da adoção desta teoria está em que:

(…) os riscos acarretados pelas coisas ou atividades perigosas devem ser corridos por quem aproveite os benefícios da existência dessas coisas ou do desenrolar de tais atividades (…). A Administração deve responder pelos riscos resultantes de atividades perigosas ou da existência de coisas perigosas, quando não tenha havido força maior estranha ao funcionamento dos serviços (…) na origem dos danos e não consiga provar que estes foram causados por culpa de quem os sofreu.

Assim é que a teoria do risco administrativo proclama a atribuição ao Estado do dever de indenizar o particular, vítima de dano decorrente do exercício de suas funções, pelo risco criado pelo desenvolvimento da sua atividade administrativa. Democraticamente, se reparte os ônus e encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública.

Acrescenta, ainda, GUILHERME COUTO DE CASTRO que:

(…) a responsabilidade sem culpa do Estado existe e tem como fundamento a idéia de socializar o ônus injusto recaindo sobre um ou alguns isoladamente; a vítima também não é culpada, e como foi a ação própria e direta da administração a causadora do mal, é mais justo, em tais casos, a divisão dos custos pela coletividade, representada pelo ente público.

São, portanto, requisitos para o nascimento do dever ressarcitório do Estado, consoante a teoria do risco administrativo, hoje a mais difundida:

 a existência de um dano correspondente a lesão a um direito da vítima;

 o responsável pelo ato deve se revestir da qualidade de funcionário da Administração Pública;

 é preciso que haja nexo de causalidade entre o ato comissivo ou omissivo do agente da Administração e o dano causado.

Veja-se o seguinte aresto:

OBRA PÚBLICA. DANO ANORMAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO.

A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração no sentido de licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa é isto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais. Ação de indenização movida por particular contra o Município, em virtude dos prejuízos decorrentes da construção do viaduto. Procedência da ação .

Conclui-se, destarte, que toda lesão sofrida pelo particular deve ser ressarcida, independentemente da prova de culpa do agente público responsável, desde que reste configurado o nexo causal entre a atividade da Administração e o dano sofrido pelo particular. Esclareça-se, ademais, que as causas de exclusão de nexo causal, quais sejam, fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro, refutam o dever de indenizar do Estado.

Sobre o dever jurídico de incolumidade dos administrados, preleciona SÉRGIO CAVALIERI FILHO que:

O Estado tem o dever de exercer a sua atividade administrativa, mesmo quando perigosa ou arriscada, com absoluta segurança, de modo a não causar dano a ninguém. Está vinculado, portanto, a um dever de incolumidade, cuja violação enseja o dever de indenizar independentemente de culpa.

Ressalte-se que há situações em que, mesmo atuando de forma lícita, surge para o Estado o dever de indenizar o lesado . Pense-se na hipótese de tiroteio iniciado por marginais, no qual a reação da polícia atinge um terceiro, em virtude de troca de disparos que se tornou necessária. É óbvio o dever do ente público de reparar o dano sofrido pelo particular.

Convém trazer a lume, ainda, a distinção entre teoria do risco administrativo e a do risco integral, apesar de alguns doutrinadores negarem essa distinção, argüindo tratar-se de uma questão de semântica.

TEORIA DO RISCO INTEGRAL

Esta modalidade extremada da doutrina do risco parte da premissa de que o Estado deve indenizar em qualquer caso de dano sofrido pelo particular. Portanto, independentemente do nexo causal, estaria o Estado obrigado a ressarcir o dano sofrido pelo particular, mesmo que essa lesão sofrida tenha decorrido de fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior ou fato exclusivo de terceiro.

CARLOS ROBERTO GONÇALVES explica sobre a conseqüência da adoção da teoria do risco integral:

(…) a teoria do risco, sem qualificações, conduz necessariamente à responsabilidade objetiva em sua plenitude, com a dispensa de qualquer pressuposto de falha do serviço, ou culpa anônima da administração, na verificação do evento danoso.

Como bem ensina HELY LOPES MEIRELLES , a adoção da teoria do risco integral atenta contra a equidade social, vez que:

(…) por essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima. Daí por que foi acoimada de “brutal”, pelas graves conseqüências que haveria de produzir se aplicada na sua inteireza.

Conseqüentemente, ter-se-ia um aumento injustificado das despesas do Estado, erigido a segurador universal, o que poderia mesmo comprometer a qualidade dos serviços prestados à população.

Em contrapartida, como já salientado anteriormente, a teoria do risco administrativo permite ao Estado o afastamento de sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal: fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior ou fato exclusivo de terceiro.

A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO

No Brasil, a evolução histórica da responsabilidade do Estado se deu de forma diferente. Na verdade, inexistiu a fase da irresponsabilidade. Mesmo diante do silêncio de disposição legal, acreditava-se que o Estado responderia por seus atos.

A Constituição do Império , datada de 1824, consagrava a responsabilização dos empregados públicos pelos abusos e omissões praticados no exercício de sua função. Posteriormente, nesse mesmo sentido, foi promulgada na Constituição Republicana , de 1891, disposição com idêntico teor.

Não se tratava de atribuir responsabilização pessoal aos funcionários. O Estado era responsável solidário em relação aos atos praticados por seus agentes desde que a culpa do responsável restasse comprovada. Tal elemento era indispensável para determinar a responsabilização.

O artigo 15, do Código Civil de 1916 , foi o primeiro dispositivo legal a tratar do regime jurídico da responsabilidade civil do Estado. Apesar da maioria da doutrina ter conferido a este dispositivo entendimento no sentido de ter sido consagrada a teoria da culpa (responsabilidade subjetiva), houve doutrinadores que sustentavam a existência da responsabilidade objetiva da Administração Pública. Isso porque a redação do artigo deixou uma margem de dúvida, possibilitando essas interpretações doutrinárias em sentido diametralmente oposto.

A Constituição Federal de 1946 veio, explicitamente, consagrar a responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, no ordenamento jurídico brasileiro, dispondo, em seu art. 194, o que se segue: “As pessoas jurídicas de Direito Público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”.

Como se vê, claramente nenhuma referência à culpa se fazia no caput deste artigo, diferentemente da previsão do art. 15, do CC/16. A culpa como elemento indispensável para ensejar a responsabilidade da Administração estava prevista apenas no parágrafo único, a tratar do direito de regresso do Estado em face do agente causador do dano.

As Constituições promulgadas posteriormente, em 1967, 1969 e a vigente CF/88, mantiveram a responsabilidade objetiva pelo risco, “impondo à administração pública o dever de indenizar os danos causados por conduta comissiva ou omissiva de agente ou servidor, que aja nessa qualidade” .

Conclui-se, destarte, que desde a Constituição Federal de 1946, que consagrou claramente a responsabilidade objetiva pelo risco administrativo, no seu art. 194, a aplicação do art. 15, do Código Civil de 1916, restou prejudicada. Aliás, este dispositivo não foi recepcionado, por incompatibilidade com o novo sistema da responsabilidade objetiva, pelo direito constitucional positivo .