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As infrações de trânsito e a interpretação sistemática do CNT

O Capitulo XV do Código de Trânsito Brasileiro contempla, do artigo 161 ao artigo 255, todas as infrações de trânsito daquele ordenamento jurídico, com as respectivas penalidades e medidas administrativas a elas atribuídas.Entretanto, do estudo de cada uma das infrações de trânsito ali existentes, imperioso concluir pela necessidade da interpretação sistemática para a compreensão de todas as condutas passíveis de serem apenadas, posto que a simples leitura daqueles artigos nem sempre reflete exatamente quais os casos alcançados por eles, ora vinculando a descrição da infração a outro artigo do próprio Código, ora mencionando expressamente ou deixando a entender que se deva observar a regulamentação complementar.Relacionamos, a título de exemplo, trinta infrações de trânsito que somente podem ser compreendidas se associadas a outros dispositivos legais.

Vejamos, inicialmente, as infrações de trânsito que fazem menção a outros artigos do próprio Código:

01. Artigo 164. Permitir que pessoa nas condições referidas nos incisos do art. 162 tome posse do veículo automotor e passe a conduzi-lo na via.

02. Artigo 167. Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme previsto no art. 65.

03. Artigo 230, XVIII. Conduzir o veículo em mau estado de conservação, comprometendo a segurança, ou reprovado na avaliação de inspeção de segurança e de emissão de poluentes e ruído, prevista no art. 104.

04. Artigo 230, XX. Conduzir o veículo sem portar a autorização para condução de escolares, na forma estabelecida no art. 136.05. Artigo 233. Deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, junto ao órgão executivo de trânsito, ocorridas as hipóteses previstas no art. 123.

06. Artigo 248. Transportar em veículo destinado ao transporte de passageiros carga excedente em desacordo com o estabelecido no art. 109.

Nos casos acima assinalados, não temos problemas na compreensão da conduta típica, bastando ao leitor buscar, no artigo expressamente mencionado, a complementação da infração de trânsito específica, diferentemente do que ocorre nos casos a seguir exemplificados, em que não há a clara referência:

07. Artigo 168. Transportar crianças em veículo automotor sem observância das normas de segurança especiais estabelecidas neste Código.

08. Artigo 181, IV. Estacionar o veículo em desacordo com as posições estabelecidas neste Código.

09. Artigo 230, XV. Conduzir o veículo com inscrições, adesivos, legendas e símbolos de caráter publicitário afixados ou pintados no pára-brisa e em toda a extensão da parte traseira do veículo, excetuadas as hipóteses previstas neste Código.

10. Artigo 230, XXI. Conduzir o veículo de carga, com falta de inscrição da tara e demais inscrições previstas neste Código.

11. Artigo 232. Conduzir veículo sem os documentos de porte obrigatório referidos neste Código.

Vejam que, nestes exemplos, o leitor do Código de Trânsito deve conhecer os demais artigos para saber quais são os dispositivos que complementam cada uma das infrações, a saber, respectivamente: artigos 64; 48; 111; 117; 133 e 159, § 1º.Existem outras infrações, porém, em que não vemos nem mesmo a menção a outros artigos do Código, mas faz-se necessário o conhecimento das demais normas de trânsito, para a exata compreensão da conduta típica, como, por exemplo:

12. Artigo 162, III. Dirigir veículo com Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir de categoria diferente da do veículo que esteja conduzindo.

13. Artigo 179, I. Fazer ou deixar que se faça reparo em veículo na via pública, salvo nos casos de impedimento absoluto de sua remoção e em que o veículo esteja devidamente sinalizado, em pista de rolamento de rodovias e vias de trânsito rápido.

14. Artigo 230, IX. Conduzir o veículo sem equipamento obrigatório ou estando este ineficiente ou inoperante.

15. Artigo 230, XIV. Conduzir o veículo com registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo viciado ou defeituoso, quando houver exigência desse aparelho.

16. Artigo 230, XVII. Conduzir o veículo com cortinas ou persianas fechadas, não autorizadas pela legislação.

17. Artigo 231, IV. Transitar com o veículo com suas dimensões ou de sua carga superiores aos limites estabelecidos legalmente ou pela sinalização, sem autorização.

18. Artigo 237. Transitar com o veículo em desacordo com as especificações, e com falta de inscrição e simbologia necessárias à sua identificação, quando exigidas pela legislação.

Para a constatação do artigo 162, III, devem-se conhecer as categorias de habilitação previstas no artigo 143; já para a exceção do artigo 179, I, há a necessidade da leitura do artigo 46, complementado pela Resolução do CONTRAN nº 36/98.No caso dos incisos IX e XIV do artigo 230, para sabermos quais são as exigências aplicáveis, devemos nos remeter ao artigo 105, complementado pela Resolução do CONTRAN nº 14/98; no caso do inciso XVII, o artigo 111, inciso II, demonstra, de maneira bem simples, que somente não são autorizadas as cortinas ou persianas fechadas nos veículos em movimento que não possuam os dois espelhos retrovisores.

Quanto aos limites de dimensões dos veículos, com ou sem carga, há que se considerar o disposto no artigo 99, complementado pela Resolução do CONTRAN nº 12/98 e, finalmente, para sabermos quais são as inscrições e simbologias necessárias à identificação do veículo, verificamos, por exemplo, o disposto nos artigos 114; 120, § 1º e 136, III.

Se o leitor acha que paramos por aqui, vejamos algumas das infrações de trânsito que obrigam a regulamentação complementar do CONTRAN:

19. Artigo 181, VI. Estacionar o veículo junto ou sobre hidrantes de incêndio, registro de água ou tampas de poços de visita de galerias subterrâneas, desde que devidamente identificados, conforme especificação do CONTRAN.

20. Artigo 221. Portar no veículo placas de identificação em desacordo com as especificações e modelos estabelecidos pelo CONTRAN.

21. Artigo 227, V. Usar buzina em desacordo com os padrões e freqüências estabelecidas pelo CONTRAN.

22. Artigo 229. Usar indevidamente no veículo aparelho de alarme ou que produza sons e ruído que perturbem o sossego público, em desacordo com normas fixadas pelo CONTRAN.

23. Artigo 230, II. Conduzir o veículo transportando passageiros em compartimento de carga, salvo por motivo de força maior, com permissão da autoridade competente e na forma estabelecida pelo CONTRAN.

24. Artigo 231, III. Transitar com o veículo produzindo fumaça, gases ou partículas em níveis superiores aos fixados pelo CONTRAN.

25. Artigo 244, I – Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor sem usar capacete de segurança com viseira ou óculos de proteção e vestuário de acordo com as normas e especificações aprovadas pelo CONTRAN.

Para os casos acima transcritos, sem maiores delongas, ficam aqui registradas as Resoluções do CONTRAN que os complementam: sinalização de hidrantes e outros – 31/98; especificações e modelos de placas – 45/98 (além de outras, que tratam de placas especiais); padrões e freqüências das buzinas – 35/98; aparelho de alarme – 679/87 e 37/98; transporte de passageiros em compartimento de carga – 82/98; fiscalização de veículos a diesel – 510/77; capacete de segurança – 20/98 (sobre o vestuário de proteção, ainda não há regulamentação).

Existem, ainda, artigos que, a exemplo do que ocorre com o vestuário de proteção para motociclistas, até o presente momento não tiveram a regulamentação que se exige do CONTRAN:

26. Artigo 228. Usar no veículo equipamento com som em volume ou freqüência que não sejam autorizados pelo CONTRAN.

27. Artigo 231, V. Transitar com o veículo com excesso de peso, admitido percentual de tolerância quando aferido por equipamento, na forma a ser estabelecida pelo CONTRAN.

Logicamente, nestes casos, por falta da complementação exigida em lei, não é possível delimitar quando houve ou não o cometimento da infração de trânsito assinalada.

Até mesmo para a compreensão de artigos que parecem extremamente simples, do ponto de vista redacional, necessitará o hermeneuta de conhecimentos sistemáticos para a perfeita aplicação ao caso concreto, senão vejamos os três últimos exemplos desta nossa análise:

28. Artigo 196. Deixar de indicar com antecedência, mediante gesto regulamentar de braço ou luz indicadora de direção do veículo, o início da marcha, a realização da manobra de parar o veículo, a mudança de direção ou de faixa de circulação.

29. Artigo 198. Deixar de dar passagem pela esquerda, quando solicitado.

30. Artigo 208. Avançar o sinal vermelho do semáforo ou o de parada obrigatória.

Quais são os gestos regulamentares de braço? Quais são as formas de solicitação para que se dê passagem pela esquerda? E, finalmente, quais são os sinais de parada obrigatória?Quanto aos gestos de braço do condutor, os mesmos são contemplados pelo Anexo II do CTB. Para a solicitação de passagem pela esquerda, existem duas formas legalmente estabelecidas: a troca de luz baixa e alta, de forma intermitente e por curto período de tempo (artigo 40, III) e o toque breve de buzina, desde que fora das áreas urbanas (artigo 41, II). E, por incrível que pareça, o CTB não estabelece apenas a placa R-1 (PARE) como sinal de parada obrigatória, mas também elenca o gesto do agente (com o braço levantado e a mão espalmada) e o som de apito (2 silvos breves).

Por todo o exposto, vale ressaltar que, a exemplo dos casos ora analisados, em cada infração de trânsito várias considerações merecem ser registradas, o que nos permite concluir que não se trata de nenhum exagero imaginar que o agente de trânsito, responsável pela fiscalização de trânsito, deve, além de ser profundo conhecedor da legislação de trânsito brasileira, possuir alto senso de compreensão e exegese jurídica, a fim de não cometer erros na interpretação das infrações que lhe cabe coibir e, nas suas ocorrências, proceder as devidas autuações.