O matrimônio não consumado devido à recusa permanente ao relacionamento sexual revela desconhecimento sobre a identidade psicofísica do parceiro, tornando insuportável o convívio conjugal, o que caracteriza a anulação do casamento. Esse foi o entendimento dos integrantes da 7ª Câmara Cível do TJRS que, por maioria, atenderam apelação do marido e do Ministério Público, contra sentença que julgou improcedente a Ação Anulatória de Casamento no 1º Grau.
O agente ministerial alegou não ter ficado esclarecido o motivo pelo qual a esposa recusava-se a manter relações sexuais com o marido. Argumentou que a negativa poderia decorrer de problemas físicos ou mentais, ou mesmo da vontade da mulher, o que dá causa à anulação do casamento nos termos do art. 1.557, incisos I, III ou IV, do Código Civil. Sustentou ser injusto sujeitar o cônjuge ao status de separado ou divorciado, com as conseqüências patrimoniais decorrentes.
O marido declarou tratar-se de rejeição contínua desde a noite de núpcias. Manifestou que a relação sexual integra a vida em comum, não aceitando a omissão da esposa, que poderia ter declarado antes do casamento sua negativa às relações sexuais. Asseverou que a recusa injustificada caracteriza erro essencial quanto à pessoa, conduzindo à anulação do casamento.
A mulher declarou que a abdicação às relações sexuais não afeta os planos de existência, validade e eficácia do matrimônio. Disse que as partes coabitaram por quase um ano, e asseverou ter o casamento fracassado em razão da incompreensão do marido, que deveria ter procurado superar o problema em conjunto, cabendo-lhe recorrer à separação judicial ou ao divórcio, se desejasse a dissolução.
Segundo o Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, relator do recurso, a reiteração da conduta, de forma imotivada, viola deveres da vida em comum e consideração com o cônjuge, afetando o princípio solar da dignidade da pessoa humana e de sua imagem. Certificou que a lei fundamental brasileira ergueu como maior valor do ordenamento o princípio da dignidade da pessoa humana de acordo com o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. “Entre outras garantias, o respeito à intimidade, à vida privada, à imagem e à reputação, os deveres da fidelidade recíproca, da vida comum sob o mesmo teto, obrigações a que se comprometem os cônjuges, conforme o art. 1.566, incisos I, II e V, do Código Civil.”
Baseado nos dizeres do Tribunal paulista, realçou: “O cônjuge que inicial e obstinadamente se recusa a pagar o débito conjugal, jamais manifestou a vontade de casar, quis, apenas, com o ato matrimonial, realizar qualquer outra coisa, que não pode ser havida como casamento, em seu sentido jurídico”. Constatou que houve a ruptura do laço afetivo e o casal encontra-se em desavença, fato que torna insuportável a vida em comum. Anulou o casamento com apoio no art. 1.577, inciso I, do Código Civil, reformando a decisão da Comarca de Guaíba.
A Desembargadora Maria Berenice Dias, que foi voto vencido, declarou que a preservação do vínculo do casamento não necessita ser defendida pelo Estado, muito menos a sua anulação. Disse que ainda que o agente ministerial atue como fiscal da lei, não tem legitimidade para recorrer buscando a desconstituição do casamento. Para a magistrada, a negativa de contato sexual não configura erro essencial a ensejar a anulação do casamento. “Reconhecer a obrigação de contatos sexuais acabaria por impor a existência do direito à vida sexual, o que estaria chancelando a violência sexual e até a prática de estupro na busca do exercício de um direito”, ponderou.
Votou de acordo com o relator o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. Posteriormente, em 09/12/2005, o 4° Grupo Cível desacolheu, por maioria, o recurso de Embargos Infringentes opostos pela mulher.
A decisão da 7ª Câmara Cível integra a Revista de Jurisprudência do TJRS, edição janeiro/fevereiro de 2006.