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O direito esportivo – ou desportivo

O direito esportivo – ou desportivo, não havendo diferenças técnicas entre as denominações –, apesar de pouco afeito para alguns, está em amplo crescimento perante nossos tribunais, e, hodiernamente, caracteriza-se cada vez mais como uma área de intensa discussão pelos doutrinadores.

Mesmo com algumas legislações anteriores que trataram da matéria, foi a Lei nº 9.615, de março de 1998, que introduziu as normas que hoje vigoram na seara não só do futebol, bem como dos demais esportes. Referida lei também é denominada de “Lei Geral Sobre o Desporto” ou simplesmente “Lei Pelé”, alcunha que homenageia – por axiomático – o atleta do século, Edson Arantes do Nascimento.

O direito desportivo é regido primordialmente pela Lei Pelé, mas as disposições emanadas da Consolidação das Leis do Trabalho, em caráter subsidiário, também se aplicam aos atletas de futebol, desde que compatíveis com a profissão.

O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol se diferencia do pacto que envolve os demais trabalhadores por vários aspectos, todos oriundos de uma atividade considerada pela doutrina como sendo especial.

Entre as peculiaridades, temos, por exemplo, os chamados bichos e as luvas, que são pagos diretamente pelo empregador aos atletas. Compõem a remuneração dos jogadores para todos os efeitos, eis que provenientes diretamente da relação empregatícia entre as partes.

Segundo doutrina do ilustre Ralph Cândia (1987, p.14), no que tange ao chamado “bicho”, quanto ao inciso II, do art 3º, da Lei 6.354/76 – lei que, apesar de quase na sua totalidade estar revogada pela Lei Pelé, possui alguns artigos que ainda subsistem -, aduz-se que qualquer parcela auferida pelo atleta em função do contrato, ainda que não prevista taxativamente, se integrará na remuneração para todos os efeitos, desde que se revista de habitualidade, segundo conceito já definido amplamente pela doutrina e jurisprudência trabalhista. Essa verba funda-se, como aduz Alice Monteiro de Barros (2003, p.175), em uma valorização objetiva, consequentemente, dado o seu pagamento habitual e periódico, tendo feição retributiva, na inteligência do artigo 31, §1º, da Lei Pelé, tal como ocorre com as luvas, que compõem a remuneração do atleta para todos os efeitos legais, e podem se caracterizar em dinheiro, títulos ou bens, como automóveis – in natura – . Malgrado possuir natureza retributiva, não se confundem as luvas com prêmios e gratificações, cujas causas ocorrem no curso do contrato, eis que têm caráter de salário pago de forma antecipada, não denotando ser indenização, pois nelas não se encontra presente o caráter ressarcitório advindo da perda.

A jornada de trabalho do atleta profissional de futebol, não obstante haver quem entenda ser idêntica a de um empregado regido somente pela CLT, possui especificidades.

Por um lado, Dominghos Sávio Zainaghi obtempera que: “A Lei 9.615/98 e suas alterações, silenciou-se sobre a jornada de trabalho dos atletas profissionais. Estariam, hoje, portanto, sem qualquer limitação de jornada e duração semanal de trabalho os atletas, sejam eles de futebol ou não? Entendemos que não, ou seja, os atletas profissionais – de futebol ou de qualquer outra modalidade – têm a jornada limitada em oito horas e a duração semanal em quarenta e quatro horas.”

Por outro, diverso posicionamento tem Monteiro de Barros: “A duração do trabalho do desportista possui peculiaridades que não permitem atribuir-lhe o tratamento das normas gerais da CLT no seu aspecto global (…)” Há a tradicional concentração, que se constitui em um período selecionado pelo empregador para que o atleta se resguarde na véspera de jogos ou torneios, e é usual em todos pactos laborais desta natureza.

Insta colacionar o que diz, acertadamente, Zainaghi (1998, p.91) a respeito: “Em concentração o jogador descansa, alimenta-se, poderá até mesmo treinar, mas inclusive dorme. É de se perguntar: durante as horas de sono teria o atleta direito a computar na jornada como horas de trabalho? Evidentemente que não.”

Questões referentes ao horário e eventuais horas extras não são pacíficas na doutrina e na jurisprudência dos tribunais, bem como se é devido ou não aos jogadores de futebol o adicional noturno – devido ao empregado que labora nesse período do dia –. Fica ao alvedrio do julgador dirimir as lides nos tópicos polêmicos, e cada caso retratará os direitos dos atletas e do seu respectivo empregador.

A posição jurisprudencial dominante é no sentido de não ser devido o adicional, mormente porque as partidas não tem por costume adentrar ao horário previsto na Lei como noturno. Sob argumentação, ainda que fosse devido, a remuneração do empregado já abrangeria este adicional.

Existem, também, os institutos da cláusula penal e da multa rescisória, que são quantias exigíveis quando da ruptura abrupta do contrato, antes do término estipulado pelas partes. Essas indenizações, geralmente, possuem alto valor pecuniário, visto que o escopo do legislador foi o de que os contratantes cumpram fiel e cabalmente a avenca, nos termos do pacta sunt servanda.

A avença celebrada entre o atleta e o clube deverá – com espeque no artigo 28, §§3º e 4º, da Lei 9.615/98 – conter, obrigatoriamente, cláusula penal para hipóteses de descumprimento do contrato, rompimento ou rescisão unilateral. O valor desta multa, que outrora não figurava na Lei, conforme já dito alhures, será estabelecido de forma livre pelas partes contratantes, não podendo todavia exceder em 100(cem) vezes o importe da remuneração anual do empregado.

De acordo com o §5º, do artigo 28, da LGSD, a cláusula penal não sofrerá limites na hipótese de transferência para o exterior, desde que assim disponha o contrato de trabalho desportivo.

A multa rescisória, por sua vez, é devida quando há o descumprimento do contrato de trabalho pelo empregador, o que se denomina rescisão indireta. De acordo com o que impera o artigo 31, §3º, da Lei Pelé – modificado pela Lei nº 10.672/03 – , aplica-se ao descumprimento das obrigações trabalhistas pelo clube os efeitos do artigo 479 da CLT, que trata da dispensa do empregado nos contratos a termo. Na hipótese em comento, o atleta faz jus ao recebimento de importe equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor restante do contrato. Por não ser cediço entre os doutrinadores, tampouco na jurisprudência, se a cláusula penal seria devida somente a uma parte, ou aplicável de modo bilateral, demonstrado está que, quando a ocorrência da rescisão contratual por inadimplemento das obrigações pelo clube, há uma controvérsia acerca da penalidade a ser imposta ao empregador: se seria tão somente a aplicação da multa rescisória – com espeque no art.479 da CLT – ou se, a partir da redação do §3º do art.31 da Lei 9.615/98, seria exigível tanto o pagamento da multa rescisória quanto o da cláusula penal – com esteio no art.28 da Lei Pelé – .

Entre os direitos do jogador estão os intitulados de imagem e de arena, que são institutos distintos e não se confundem. O contrato de licença de uso de imagem possui natureza eminentemente do direito civil, mas é, atualmente, utilizado pelas partes com o objetivo de ludibriar o fisco e a previdência, restando, pois, ao órgão jurisdicional, definir a existência ou não da fraude em cada contrato realizado.

A priori, urge ressaltar que a utilização dos termos “contrato de imagem” e “contrato de cessão de imagem”, bastante usados hodiernamente, são incorretos. O adequado seria denominá-lo de “contrato de licença de uso de imagem”, tendo em vista que o titular do direito – o atleta – só concede a exploração da imagem e não o próprio direito. Não é crível que um direito personalíssimo e inalienável do cidadão possa ser cedido a outrem.

O direito de arena, por sua vez, é pago por terceiros e tem como bem tutelado a participação do atleta em jogos e transmissões oriundas da televisão, compondo para todos os efeitos a remuneração mensal do empregado.

Com o fito de corroborar o assegurado pela Carta Magna, em seu artigo 5º, XXXVIII, a Lei Geral Sobre o Desporto traz, em seu artigo 42, §1º, que é assegurado ao jogador de futebol o percentual de no mínimo 20% (vinte por cento) do total auferido pelo empregador a título de transmissão ou veiculação da imagem do clube ao público. Ululante que fica ao alvedrio do clube o direito de negociar, autorizar ou proibir fixação, transmissão ou retransmissão da imagem dos espetáculos e eventos que vier a participar, tal como está disposto no caput do artigo da Lei Pelé que trata do assunto.

Os demais direitos dos trabalhadores regidos pela CLT se aplicam aos atletas em igual forma, tais como repouso semanal remunerado, férias, suspensão e interrupção do contrato, e prazos prescricionais.

Além dos direitos ínsitos aos atletas, circunda ainda o contrato de trabalho desses profissionais os deveres do empregador, entre os quais estão o de oferecer condições dignas de trabalho ao profissional, para que ele desenvolva seu mister da melhor maneira possível, e de cumprir integralmente o pactuado com o seu jogador.

Caso haja alguma inadimplência por parte do empregador, está assegurado pela lei ao atleta a rescisão de seu contrato, desde que comprovada em juízo a conduta lesiva alegada. Urge ressaltar que a Justiça do Trabalho é a competente para prestar a tutela em lides provenientes entre o atleta profissional de futebol e o clube/empregador, constituindo-se, inclusive, em demanda com crescimento relevante em nossos tribunais.

Em escorço, e por fim, constata-se que muitos clubes deveriam elaborar melhor os contratos formulados com seus atletas, utilizando cláusulas específicas e diretas, evitando com isso o número imenso de ações ajuizadas em decorrência de pactos mal redigidos, que acabam prejudicando financeiramente as equipes, desgastando os jogadores de futebol na mídia, e criando lides trabalhistas temerárias.

Os clubes tornam-se reféns dos seus próprios equívocos, já que é incontestável que a realidade, hoje, demonstra que contrato de trabalho com jogador profissional de futebol não pode ser realizado por amadores.