Em julgamento inédito no Superior Tribunal de Justiça (STJ), um homossexual teve garantido o direito a receber pensão pela morte do companheiro com quem viveu por 18 anos. A decisão considerou discriminatório pretender excluir parte da sociedade – aqueles que têm relações homoafetivas – da tutela do Poder Judiciário sob o argumento de não haver previsão legal para a hipótese.
O caso em questão não trata de Direito de Família, mas de Direito Previdenciário. A Sexta Turma do STJ não atendeu a recurso do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que pretendia reformar decisão de segunda instância da Justiça Federal gaúcha. Acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre) considerou que o vácuo na legislação a respeito da relação de dependência entre pessoas do mesmo sexo que convivem como em um casamento não poderia ser um obstáculo para o reconhecimento dessa relação jurídica.
Ao STJ, o INSS alegou que a Lei n. 8.213/91 foi afrontada pela decisão do TRF, uma vez que a lei considera companheira ou companheiro a pessoa que, mesmo sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada. Dessa forma, no entender do Instituto, a lei não contemplaria os homossexuais. O INSS argumentou também que faltaria legitimidade ao Ministério Público para atuar como parte na ação.
Porém o relator do recurso especial, ministro Hélio Quaglia Barbosa, admitiu a legitimidade do MP porque o processo trata da busca por tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais. O ministro relator destacou que são beneficiários do segurado aqueles que, quando do seu falecimento, eram seus dependentes, sendo que o benefício visa suprir as necessidades econômicas desses dependentes.
Quanto à Lei n. 8.213/91, o ministro Hélio Quaglia manteve o entendimento da segunda instância de que esta norma se preocupou em desenhar o conceito de entidade familiar, contemplando a união estável, sem excluir as relações homoafetivas. Também a própria Constituição Federal, conforme lembrou o relator, não excluiu tais relacionamentos, deixando uma lacuna que deve ser preenchida a partir de outras fontes do direito.
Concluindo, o ministro Hélio Quaglia revelou que o próprio INSS regulou a concessão de benefício a companheiro ou companheira homossexual (Instrução Normativa 25, de 7 de junho de 2000). A regulação visava atender a determinação judicial da juíza federal Simone Barbasin Fortes, da 3ª Vara Previdenciária de Porto Alegre, que concedeu uma liminar em ação civil pública sobre o tema, cujo efeito não se limitou às partes do processo (efeito erga omnes), atingindo todo o território nacional. O voto do relator do recurso especial foi seguido por unanimidade na Sexta Turma.
O ministro Paulo Gallotti, presidente da Turma, e o ministro Paulo Medina acompanharam o entendimento. Tribunais Regionais Federais bem como órgãos administrativos já vêm reconhecendo a possibilidade de extensão dos benefícios previdenciários aos parceiros homossexuais conviventes.
União estávelPor meio de uma ação judicial contra o INSS, o companheiro do beneficiário falecido pediu o recebimento da pensão previdenciária por morte, bem como o complemento da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ).
Ele argumentou que o relacionamento com o companheiro, além de ter durado duas décadas, era semelhante às relações heterossexuais, como nos casamentos, “dividindo despesas, pactuando alegrias e tristezas”. Sua defesa invocou a própria Constituição, que assegura a liberdade e a igualdade (sexual, inclusive), além do artigo 16, I, da Lei n. 8.213/91, que define os dependentes beneficiários do regime geral da Previdência Social.
O INSS contestou, alegando que o companheiro do beneficiário não se enquadraria como dependente e, em primeiro grau, a Justiça Federal julgou o pedido improcedente. Mas o Ministério Público Federal apelou da sentença, sustentando que o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição, que garante a proteção do Estado à família, não exclui a união estável homossexual.
O companheiro também apelou ao TRF, obtendo o reconhecimento de seu direito ao recebimento da pensão, que deverá ser paga desde o ajuizamento da ação. O Acórdão ainda determinou que as parcelas vencidas deverão ser corrigidas pelo IGP-DI, com juros de mora de 6% ao ano, a contar da citação. Já os honorários advocatícios foram fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a execução do julgado. Com o julgamento no STJ, esta é a decisão que ficou mantida.