Ninguém é culpado até prova em contrário. Para os juízes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP), a revista íntima sem autorização judicial inverte essa ordem jurídica, estabelecendo a presunção de culpa contra os empregados. Com base neste entendimento, a turma condenou a Transbank Segurança e Transporte de Valores Ltda. a indenizar um ex-funcionário em R$ 62 mil
Após ser demitido pela Transbank, o auxiliar de tesouraria entrou com processo na 2ª Vara do Trabalho de Santos (SP), reclamando reparação por danos morais. O trabalhador alegou que a empresa “o obrigava, todos os dias, a ficar totalmente nu no final de expediente a fim de ser revistado”.
De acordo com a ação, a empresa promovia um sorteio diário utilizando duas tampinhas, uma verde e a outra vermelha. Se o empregado sorteasse a verde era revistado de cueca, se retirasse a vermelha deveria ficar nu e “dar uma voltinha”.
Por não se submeter a uma dessas revistas, ele teria sido dispensado por “descumprimento de normas de segurança da empresa”. Segundo o reclamante, a humilhação provocou “trauma irreparável”, com a necessidade de apoio médico e psiquiátrico. O trabalhador pediu que a reparação por danos morais fosse fixada em 500 salários mínimos (hoje, R$ 150 mil).
Em sua defesa, a Transbank sustentou que, “em virtude da crise de segurança que assola o país, nada mais natural que a ré adote procedimentos de segurança para zelar pelo seu patrimônio e pela integridade de seus empregados. Dentre estas medidas (…), encontra-se, por exemplo, a revista dos empregados que, como o autor, prestam serviços no departamento de tesouraria ou caixa-forte”.
Segundo a empresa, “curiosamente, o autor somente veio a se insurgir em relação à conduta – que afirma ter sido absolutamente vexatória e humilhante – após ter sido dispensado pela reclamada”.
Como a vara entendeu que o trabalhador não comprovou o dano moral sofrido, negou o pedido de indenização. Inconformado, ele recorreu da sentença ao TRT-SP.
Para o juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, relator do Recurso Ordinário no tribunal, “fosse o reclamante um modelo fotográfico e, ainda assim, a circunstância continuaria tendo relevo, vez que até para um ‘operário da nudez’, o ato de ser obrigado a despir-se diante de terceiros, para satisfazer as suspeitas do empregador, constituiria grave humilhação”.
No entender do relator, “não é razoável que se submetesse sem constrangimento algum à revista íntima, nu ou de cuecas, diante de colegas e superior hierárquico, sob vaga suspeita de que pudesse ter surripiado algum numerário”. Para ele, “o direito do empregador, de proteger o patrimônio próprio e, bem assim, o que lhe foi confiado por terceiros, termina onde começa o direito à intimidade e dignidade do empregado”.
De acordo com o juiz Trigueiros, “a revista, sem que existam pelo menos indícios de comportamento delituoso e sem autorização judicial, constitui procedimento próprio dos regimes de exceção, autoritários, que colocam o cidadão sob permanente suspeita”.
“Não há nenhuma razão para que se estabeleça a premissa de que o trabalhador é sempre suspeito de furto ou apropriação indébita. Ao contrário, a regra em nosso país é que a gente humilde é honesta, e cada dia mais a deliqüência invade os estratos abastados da sociedade”, observou o relator.
Por unanimidade, a 4ª Turma acompanhou o voto do juiz Trigueiros, condenando a Transbank a pagar indenização por danos morais no valor de 100 salários contratuais do empregado, o que equivale a R$ 62 mil.