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Um apanhado sobre a mais nova forma de tutela de Direitos Autorais, o código aberto, desde sua origem histórica no mundo dos Softwares até os seus possíveis futuros usos.

1.1 Aspecto histórico precedente1.2 A Licença Criativa dos Bens Comuns1.2.1 Creative Commons e o Brasil1.3 Vores Oel, a cerveja de código aberto1.4 O código aberto e os medicamentos

1 O CÓDIGO ABERTO

O termo “código aberto” (open source, no seu original em inglês) é a denominação de um dos mais modernos conceitos referentes à proteção de direitos dos autores sobre suas obras. Ele surgiu com o intuito de suprir o grande vácuo que antes existia entre a total reserva de direitos oferecida pela lei e o domínio público, no qual o autor deixava de possuir qualquer direito sobre sua obra.Com o código aberto, o autor pode abrir mão de alguns de seus direitos sobre sua obra, enquanto mantêm outros, o que significou uma evolução do “todos os direitos reservados” ao “alguns direitos reservados”. Inicialmente, era uma tecnologia restrita a programas de computador, os chamados softwares, mas já existem diversos projetos de se realizar uma expansão desta forma de proteção de direitos às mais diversas áreas.

1.1 Aspecto histórico precedente

O termo código aberto surgiu durante um debate realizado em fevereiro de 1998 do qual participou Todd Anderson, Chris Peterson, John Hall, Larry Augustin, Sam Ockman e Eric Raymond, os quais representavam os mais diversos grupos interessados na criação deste nosso recurso de proteção de direitos e que foram os responsáveis por originar a Open Source Inicative, que forneceu uma roupagem mais atraente para o código aberto e assim o deixou mais popular.

A explicação para a escolha deste nome é mais fácil de ser compreendida quando analisado seu contexto original. Segundo Eric Raymond, em entrevista dada ao jornal “O Estado de São Paulo” durante sua última visita ao Brasil, durante o 6.º Fórum Internacional de Software Livre, que aconteceu nos dias 1 a 4 de junho de 2005, em Porto Alegre:

“Em português, as pessoas podem dizer software livre, que não será confundido com software grátis. Na sua linguagem, não é difícil distinguir “free” como em “free speech” (liberdade de expressão) de “free” como em “free beer” (cerveja grátis). Em inglês, esta distinção é difícil de ser feita. Por causa deste problema com a palavra “free”, as pessoas acabavam tendo concepções erradas a respeito do software livre nos países de língua inglesa. Achei que poderíamos vender melhor a idéia não somente com um rótulo diferente, mas desenvolvendo uma nova série de argumentos, mais focados em motivos econômicos e em conseqüências de mercado.”

O debate de origem do código aberto, na verdade, foi apenas a parte final de uma idéia que havia nascido em 1984 com a criação do projeto GNU por Richard Stallman, cujo objetivo era criar um sistema operacional totalmente livre, no qual qualquer indivíduo poderia usar e redistribuir sem ter que pagar licenças de uso.Em 1991, um estudante finlandês chamado Linus Torvalds, desenvolveu um novo kernel (algo como o núcleo do programa) utilizando o sistema GNU e o rebatizou como GNU/Linux, forma como ainda hoje é conhecido e utilizado por programadores e usuários domésticos de todo o mundo. O Linux, por não cobrar os direitos autorais e ser um sistema operacional com muitos recursos, ocupa um papel de destaque como um possível futuro concorrente ao Windows da Microsoft.

A contribuição maior do projeto GNU à origem do código aberto foi a criação da Fundação para o Software Livre (FSF, Free Software Foundation) que originou a Licença Pública Geral (GPL, General Public License) que assegura ao software o direito de ser distribuido de forma livre, da mesma forma que assegura a manutenção dos direitos autorais. Esta licença possui respaldo legal na Constituição Estadunidense e conseqüentemente é aceita em todos os países signatários dos acordos referentes à patentes e direitos autorais.

Em uma primeira tentativa de expansão do projeto para outros universos, foi desenvolvida a Licença da Livre Documentação (GNU FDL, Free Documentation License), que já poderia ser utilizadas para outros tipos de documentos e textos livres.

1.2 A Licença Criativa dos Bens Comuns

Já após a iniciativa da criação do código aberto, foi criada em 2001 por Lawrence Lessig da Universidade Stanford, a Licença Criativa dos Bens Comuns (CC, Creative Commons), cujo objetivo é fornecer aos autores a possibilidade de abrir mão de parte dos direitos sobre suas obras enquanto preserva outros. Ela surgiu como parte argumentativa do caso Eldred v. Ashcroft, que estava no Supremo Tribunal dos Estados Unidos e que envolvia a disputa pela liberdade na Internet por empresas multinacionais.

A Creative Commons também baseou sua estrutura legal na legislação estadunidense e é neste país onde ela já se encontra mais difundida. Ela inovou em vários aspectos com relação as suas antecessoras, mas principalmente por transportar para o mundo cultural uma tecnologia antes restrita aos softwares e ao apresentar um novo sistema de defesa de direitos que oferece ao autor onze opções de defesa que se originam da combinação de quatro condições:

  • Atribuição: Obriga o usuário que deseja distribuir a obra a sempre atribuí-la aos autores originais e nos casos da Internet, coloque um link para o site da obra original;
  • Uso Não Comercial: Proíbe qualquer uso comercial da obra por terceiros sem a devida autorização dos autores originais;
  • Não a obras derivadas: Proíbem que sejam feitas alterações ou modificações na obra. Ela terá que ser distribuída em seu formato original;
  • Distribuição semelhante: O autor neste caso concorda que sejam feitas modificações na sua obra, mas obriga que os autores das novas obras também as publiquem sob os mesmos termos que a obra anterior;

    O lema desta nova licença “Compartilhe o que você quer, mantenha o que você quer” expressa a maior vantagem dela sobre as demais que é deixar o autor expressar de forma explícita o que ele deseja fazer com seus direitos.

    O autor após escolher quais são as especificações que deseja colocar em sua licença, irá recebê-la em três vias:

  • Comum: Destinada a todos os usuários comuns da licença e que apresenta de forma resumida as opções escolhidas pelo autor;
  • Legal: Forma mais complexa, destinada aos advogados e outros especialistas. Possui uma descrição detalhada sobre cada opção escolhida;
  • Digital: Facilita a leitura pelos computadores e permite que os sites de busca e outras ferramentas digitais identifiquem de uma melhor maneira quais são as preferências do autor com relação àquela obra;No caso de obras “físicas”, como livros, DVDs, CDs e outros, a opção pelo Creative Commons geralmente é expressa por meio de um selo impresso na capa, no encarte ou na caixa do produto, acompanhado do endereço do CC na internet e dos termos de uso definidos pelo autor.

    Já para os documentos eletrônicos, como as páginas da web, esse ícone costuma ser encontrado no rodapé ou nas colunas laterais. Ao clicar sobre ele, o usuário é transportado a uma outra página, que contém as especificações da licença CC adotada naquele caso.

    1.2.1 Creative Commons e o Brasil

    O projeto Creative Commons Brasil é coordenado pelo Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro sob a liderança de Ronaldo Lemos da Silva Junior.

    O CTS foi responsável pela adaptação das licenças CC à legislação nacional e o Brasil, juntamente com a Finlândia e o Japão, foram os primeiros países estrangeiros a aderirem a estas novas licenças, sendo que já estão sendo oficialmente utilizadas pelo governo brasileiro para o licenciamento de Software Livre.Desde meados de 2003, o CTS trabalha neste projeto que foi lançado oficialmente durante o 5.º Fórum Internacional de Software Livre em 2004 e contou com a adesão do então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, como primeiro artista brasileiro a aderir publicamente à licença Creative Commons.

    O ministro participou, inclusive, do documentário de lançamento e divulgação do projeto no Brasil, no qual aparece assinando o licenciamento em código aberto da sua música “Oslodum” durante o evento supracitado, além de uma entrevista em que manifesta o seu apoio ao projeto por acreditar que este ajudará na inclusão dos artistas iniciantes que não possuem apoio das grandes gravadoras e desejam fazer a divulgação de seu trabalho.

    1.3 Vores Oel, a cerveja de código abertoCriada por estudantes da Universidade de Informática de Copenhague, na Dinamarca, a cerveja Vores Oel (Nossa Cerveja) surgiu após uma palestra de Ramus Nielsen sobre propriedade intelectual, na qual foi proposto a criação de algum produto no qual se aplicasse a idéia de código aberto fora do mundo digital.Um grupo de 15 estudantes criaram a partir de um livro sobre a fabricação caseira de cerveja, uma cerveja mais escura e pesada que a tradicional cerveja dinamarquesa e com um ingrediente diferente, o guaraná.

    Esta cerveja foi registrada no Creative Commons com as opções de autorização a futuras modificações e uso comercial, desde que dado os devidos créditos aos autores iniciais e que as novas cervejas também sejam registradas da mesma forma.Embora feita em uma pequena escala, cerca 100 litros, e sem intenção de uma futura produção em escala industrial, pelo menos, não por seus autores iniciais, a nossa cerveja serviu como um ótimo meio para divulgação do código aberto, uma vez que conseguiu um destaque internacional nos meios de comunicação.

    1.4 O código aberto e os medicamentos

    Se a tecnologia do código aberto fosse mais amplamente usada no desenvolvimento e produção de novos medicamentos, certamente diminuiria o tempo necessário para a sua distribuição para o público, os custos de produção seriam menores, haveria uma maior liberdade de pesquisa e a qualidade do material produzido aumentaria.

    O problema maior estaria relacionado com os altos custos de produção e a divisão dos lucros provenientes do remédio fabricado. Uma empresa que investe altas quantias de dinheiro no desenvolvimento de um produto espera receber o retorno correspondente, quando o produto for comercializado.Segundo a revista inglesa The Economist de 10 de junho de 2004, em reportagem sobre a possível fabricação de medicamentos através do código aberto, este sistema seria falho quando o processo de elaboração de um remédio estivesse em seus estágios mais elevados, como os ensaios clínicos e a aprovação das agências reguladoras, pois estes envolvem equipamentos de última geração, algo que não teria seu custo diminuído através destas inovações.

    Apesar deste empecilho, a reportagem apresentou duas situações em que a utilização do código aberto traria um favorecimento à indústria farmacêutica. O primeiro caso se refere às doenças tropicais comuns a países pobres, como é o caso da malária, ou àquelas que estão restritas a um pequeno número de pessoas, como a doença de Parkinson, pois não existiria mercado suficiente que justificasse o enorme dispêndio para se desenvolver uma nova droga, pelas vias tradicionais.

    O segundo caso envolveria a divulgação das prescrições diferentes que as já previstas na bula feitas pelos médicos em uma grande rede de dados de código aberto, o qual facilitaria a descoberta de novos usos para drogas já existentes. O argumento favorável a esta utilização está no fato das companhias farmacêuticas não se interessarem por este tipo de pesquisa, pois caso a patente do remédio já expirou, não há como lucrar com novas descobertas.