A própria verdade tem sua história, juntamente com a dos homens e suas relações de poder e, conseqüentemente de saber. A maneira que se dá esse saber determinará como o homem construirá suas verdades.
Foucault, em sua análise genealógica mostra como o homem cria e mantém as suas verdades, punindo quem a ela estiver em desacordo. Considerando a mudança como princípio fundamental, como a única certeza, mostra, juntamente com o processo do saber, como a verdade muda através do tempo. Mostra, usando idéias nietzschianas, que o conhecimento é uma invenção (Erfindung) e se dá através do confronto e, posteriormente do compromisso dos instintos: “é como um lance de sorte, ou como o resultado de um longo compromisso.”
Na sua segunda conferência Foucault mostra a história de Édipo através dos olhos de Deleuze e Guattari, que se dá através da pesquisa da verdade: “um procedimento de pesquisa da verdade que obedece exatamente às práticas judiciárias gregas dessa época.”. As verdades não estão mais somente nas palavras dos deuses, mas também no testemunho dos escravos. No caso de Édipo não poderia haver um saber sem poder, um poder tirânico, e nem o poder sem o saber, um saber especial; “O poder político não está ausente do saber, ele é tramado com o saber.”. A grande conquista se deu no fato de o povo conquistar o direito a verdade, na medida em que possui o testemunho: relação estratégica utilizada para “achar” a verdade. A passagem se deu da simples observação da prova para um método de pesquisa que usa uma série de outros saberes. Antes havia o intuito da vingança onde o mais forte acabava por vencer o mais fraco, ou seja, a continuação regulamentada, ritualizada da guerra, na qual o suposto juiz não testemunha sobre a verdade, mas sobre a regularidade do procedimento no qual o mais forte obteria o êxito. Depois há a submissão dos indivíduos a um poder externo a eles que estará encarregado de julgar quem está certo e quem está errado, substituindo a vítima e agindo com o único pretexto de que houve um delito, um crime; “o modelo belicoso não pode mais ser aplicado.”. Isso não demonstra superioridade por parte do Inquérito, uma vez que a mudança se deu apenas nas complexas relações de poder, e é este que controlará a estratégia de raciocínio. Tratava-se de ritualizar um acontecimento passado através de testemunhos. “Enquanto o Inquérito se desenvolve como forma geral de saber no interior do qual o Renascimento eclodirá, a prova tende a desaparecer.”.
No final do século XVIII, entrando no século XIX surge o que Foucault chama de sociedade disciplinar, onde as penalidades têm em vista menos a defesa geral da sociedade que o controle e a reforma psicológica e moral das atitudes e do comportamento dos indivíduos, considerando o que eles podem fazer, seu potencial “criminoso”. Esse potencial se dá ao nível de suas virtualidades e não ao nível de seus atos. Há então a substituição da reação penal pelo controle do comportamento. Nesse novo cenário o exame toma o lugar do Inquérito, na relação indivíduo-sociedade para a indivíduo-corpo. Este exame se dá no sentido do que deve ou não ser feito, do que é correto ou não, mantendo o indivíduo sempre sob vigília, mantendo sobre ele o controle ao longo de sua existência, neste novo modelo de saber-poder.
Jeremy Bentham, londrino nascido em 1748, juntamente com Cesare Beccaria influenciou de maneira efetiva o Direito Penal brasileiro. Como utilitarista vem com a máxima “a maior felicidade para o maior número”. Relacionado a esse tipo de sociedade disciplinar concebeu seu famoso “panóptico”: um novo tipo de prisão de forma circular em que os guardas, postados no centro, podiam vigiar os prisioneiros ao mesmo tempo em que permaneciam invisíveis para eles. Essa esquematização mostra claramente a posição do Estado para com o indivíduo, a vigilância constante, ao invés de interferir apenas no momento do delito.
Examina-se a vida do indivíduo de forma profunda, colocando-o sempre sob o olhar do Estado, organizando-o tal como numa fábrica (que na transição para a sociedade de controle adquire o esquema “Empresa”). Sem respaldo jurídico o aprisionamento se faz como medida exercida através de pura relação de poder, paralela a justiça, quase uma tirania. Essa inclusão por exclusão se diferencia da reclusão de exclusão por “seqüestrar” o tempo do indivíduo e entrega-lo ao aparelho produtivo do Estado, que acontece de maneira semelhante fora das prisões, o que de certa maneira acaba inocentando esse sistema punitivo. É possível concluir, inclusive, que o exame e o Inquérito estão fortemente ligados ao esquema de poder e produção capitalistas, estando a verdade e suas formas diretamente ligados a esses esquemas.