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Da novação, do pagamento por consignação e da imputação do pagamento: aspectos relevantes

DA NOVAÇÃO (art. 360-367 C.C.)

A novação desempenhou papel de grande relevo no direito romano porquanto, nesse direito, uma vez contraída determinada obrigação, não mais podia alterar-se, exceto através de nova obrigação, que se substituísse à primeira. A cessão de crédito era então desconhecida, recorrem-se por isso à constituição do procurator in rem propriam, para obter-lhe os mesmo efeitos.A antiga intransmissibilidade das obrigações, vigorante no direito romano, desapareceu. Correlatamente, seu corretivo, a novação, entrou em declínio, sustentando-se que o amplo desenvolvimento do instituto da cessão de crédito torna supérfluo o da novação.O renomado Prof. Washington de Barros afirma que, a novação corresponde a meio liberatório singular, a modo especial de extinguir-se a obrigação. Seria uma espécie de pagamento fictício. Define-se como “[…] a conversão de uma dívida em outra para extinguir a primeira […]” (Clóvis, Comentários ao Código Civil, 4/157 apud Washington de Barros, Curso de Direito Civil, p. 301), ou como “[…] a substituição de uma dívida por outra, eliminando-se a precedente […]” (Washington de Barros, Curso de Direito Civil, p. 301), desaparecendo a primeira e , em seu lugar, surge nova.

De igual modo, define o ilustre Prof. Silvio Rodrigues que a novação é um modo de extinção de obrigações.

Diz-se que há novação quando as partes criam obrigação nova extinguir uma antiga. Todavia, ao mesmo tempo que através dela a primitiva obrigação perece, uma outra surge, tomando seu lugar. Aliás é o surgimento desta ultima que produz a extinção da anterior. A novação é uma operação que, de um mesmo alento, extingue uma obrigação e a substitui por outra, que nasce naquele instante. ( Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 231)

A novação tem natureza contratual, se efetivando mediante vontade dos interessados, não existindo portanto nenhuma legislação que a imponha.

Em decorrência de sua natureza, pode-se destacar como requisitos básicos para que efetive a novação:

a) a existência de obrigação anterior;

b) a constituição de nova obrigação; e

c) a intenção de inovar uma obrigação (animus novandi).

Quanto ao primeiro requisito, é da sua própria essência a existência de obrigação anterior, visto que seu objetivo é exatamente substituí-la. É necessário também que seja válida a obrigação a ser novada. Assim, estabelece o Código Civil que, salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas (CC, art. 367). É evidente que não pode ser objeto de novação coisa inexistente. nem se extinguir o que não produz efeitos jurídicos, diferente da obrigação anulável (não necessariamente nula), que poderá ser sujeita a novação.

O segundo requisito, a constituição de nova dívida, para extinguir e substituir a anterior. A novação só se configura se houver diversidade substancial entre a dívida anterior e a nova. Não há novação quando se verifiquem alterações secundárias na dívida (exclusão de uma garantia, alongamento ou encurtamento do prazo, estipulação de juros etc.)

O terceiro requisito diz respeito ao animus novandi. É imprescindível que o credor tenha a intenção de novar, pois importa renúncia ao crédito e aos direitos acessórios que o acompanham. Quando não manifestada expressamente, deve resultar de modo claro e inequívoco das circunstâncias que envolvem a estipulação. Na dúvida, entende-se que não houve novação, pois esta não se presume.

Código Civil:

Art. 361. Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira.

Coexistem as duas dívidas, que, entretanto, não se excluem. Não ocorre novação, por exemplo, quando o credor simplesmente concede facilidades ao devedor, como a dilatação do prazo, o parcelamento do pagamento ou ainda a modificação da taxa de juros, pois a dívida continua a mesma, apenas modificada em aspectos secundários.

Divide-se a novação em objetiva ou real e subjetiva ou pessoal. Consiste a primeira na mutação do objeto devido entre as mesmas partes, como o exemplo de Lomonaco,

[…]um indivíduo deve a outro a soma de $ 100.00,00; no respectivo vencimento convencionam ambos que a importância devida se converta em renda vitalícia ou perpétua. Outro exemplo: no vencimento daquela mesma obrigação, o credor pede ao devedor que, em vez de solvê-la, fique com ela como depositário […] (Lomonaco, Istituizoni di Diritto Civile Italiano, 5/285 apud Washington de Barros, Curso de Direito Civil, p. 301).

A segunda, por seu turno, implica mudança de um ou de ambos os sujeitos da obrigação, ativo ou passivo.

Quando diz respeito a novação do sujeito ativo da obrigação, esta se refere ao credor, onde através de nova obrigação o primitivo credor deixa a relação jurídica. E um outro toma-lhe o lugar. Por exemplo:

[…] A deve-me $ 100.000,00; proponho-me, porém, a líber-a-lo da obrigação, caso ele concorde em contrair com B débito de igual quantia. A proposta é aceita, a dívida de A para comigo desaparece, e em seu lugar nova dívida surge, de A para com B. (Washington de Barros, Curso de Direito Civil, p. 303)

Em contrapartida, quando nos referimos a novação do sujeito passivo da obrigação, não podemos deixar de citar que esta mudança se subdivide em duas modalidades, pela delegação e pela expromissão. Neste sentido, Silvio Rodrigues expõe a primeira,

[…] em que o devedor indica terceira pessoa para resgatar o seu débito, com o que concorda o credor. Ocorre como que uma transmissão do lado, passivo da obrigação, por vontade e deliberação do devedor, dependente, entretanto, da anuência do credor. (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 233)

e a segunda,

[…] em que mesmo insciente o devedor, terceira pessoa assume o seu débito, exigindo-se para a eficácia do ato apenas a concordância do credor […]. (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 233-4)

O principal efeito da novação consiste na extinção da primitiva obrigação, substituída por outra, constituída exatamente para provocar a referida extinção.

A novação extingue os acessórios e garantias da divida sempre que não houver estipulação em contrário (CC, art. 364).

Código Civil:

Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação.

Entre os primeiros encontram-se os juros e outras prestações cuja existência depende da divida principal. Nas garantias incluem-se as reais, como o penhor, a anticrese e a hipoteca; e as pessoais, como a fiança. Incluem-se, também, os privilégios.Estabelece o referido art. 364, na segunda parte, que não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação.

Isto porque, uma vez extinto o vínculo originário, desaparecerão as garantias que o asseguravam, as quais, por sua vez, só renascerão por vontade de quem as prestou. (Maria Helena Diniz, 2004:304).

DO PAGAMENTO POR CONSIGNAÇÃO (art. 334-345 C.C.)

A consignação é o depósito judicial feito em pagamento de uma dívida. Bevilaqua exprime como

[…] um modo indireto de libertar-se o devedor da sua obrigação, consistente no depósito judicial da coisa devida.Com efeito, trata-se de meio indireto de pagamento, pois não se efetua em mãos do credor, mas sim em juízo, ou seja, é pagamento, libera o devedor do liame obrigacional. (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 193).

Se por um lado o devedor é obrigado a pagar no tempo e na forma devidos, por outro tem o direito de efetuar o pagamento em tais condições, para que não pese sobre seus ombros, nem remotamente, a sombra da impontualidade.A consignação em pagamento é feito através de ação civil, que visa garantir ao devedor o direito de pagar o credor, extinguindo assim a obrigação a ele imposta, em outras palavras, é uma ação para liberar o devedor da obrigação, mediante depósito da quantia ou coisa devida.

Neste sentido, Rodrigues diz que,

[…] a ação de consignação em pagamento representa um remédio que a lei confere ao devedor para cumprir sua obrigação, quer o credor a recuse, quer uma outra circunstância dificulte o pagamento ou torne duvidosa sua legitimidade. Através dela e sem a cooperação do credor, extingue-se o laço obrigatório e libera-se o devedor. (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 194).

Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas , ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.”Quanto às pessoas, cumpre lembrar que a ação deve ser proposta contra o credor ou seu representante, por quem tenha qualidade para efetuar o pagamento, isto é, o próprio devedor ou terceiro.” (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 199). Por exemplo, cita Rodrigues ainda:

[…] consignação realizada pelo genro, de aluguéis devidos pelo sogro, pois, embora seja terceiro não interessado, paga em nome do devedor, e é indiferente para o credor receber de uma pessoa ou de outra.

E quanto ao objeto, “é mister que a prestação oferecida seja íntegra, isto é, consista na entrega da coisa avençada e na quantidade devida.” (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 199).

Quanto ao tempo, necessário se faz que a consignação se efetue na época aprazada, ou venha acompanhada dos encargos da mora, quando em atraso. Aliás pode ser enjeitada se o retardamento tornou inútil a prestação para o credor, pois aí se caracteriza o inadimplemento absoluto.

No que diz respeito as prestações suscetíveis de serem consignadas, cita Rodrigues que,

“[…] somente as obrigações de dar podem ser objeto de consignação, sendo, mesmo absurdo imaginar o depósito de uma obrigação de fazer, ou de não fazer. Entretanto, não só as dívidas em dinheiro, como também as consistentes em outras coisas, são suscetíveis de depósito.” (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 200).

DA IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO (art. 352-355 C.C.)

Imputar significa atribuir algo a alguém. Para o direito obrigacional, a imputação do pagamento consiste na atribuição ou indicação da dívida a ser paga na sua totalidade. Isto ocorre quando uma pessoa deve duas ou mais contas da mesma natureza, a um só credor, e efetua pagamento não suficiente para saldar todas as dívidas.

Para Maria Helena Diniz, “a imputação do pagamento é operação pela qual o devedor de dois ou mais débitos da mesma natureza a um só credor, o próprio credor em seu lugar ou a lei indicam qual deles o pagamento extinguirá, por ser este insuficiente para solver a todos”.

Semelhantemente a isto, afirma Rodrigues que, a imputação do pagamento é:

[…] quando o devedor tem para com o credor diversas dívidas, todas de coisas fungíveis entre si, todas vencidas e líquidas […]. Se por exemplo, uma pessoa tem para com outra quatro dívidas de cem mil cruzeiros, oriundas de várias causas, vencidas em épocas diversas, e oferece em pagamento a importância de duzentos mil cruzeiros, suficiente para resgatar duas, mas não para extinguir todas as obrigações, surge a questão de saber em quais das dívidas se imputará aquele pagamento, isto é, qual das dívidas se extinguirá por força de referida prestação. (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 217).

Assim, o problema da imputação em pagamento concerne ao destino da prestação oferecida pelo devedor de várias dívidas líquidas, fungíveis e vencidas, quando esta prestação for insuficiente para saldar todas, mas bastante para resgatar mais de uma.

Neste sentido, Bevilaqua afirma: “Imputação em pagamento é a operação pela qual o devedor de vários débitos da mesma natureza, a um só credor, declara qual deles quer extinguir”. ( Clóvis Bevilaqua, ob. cit., obs. ao art. 991 apud Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 218).

Vários são os pressupostos necessários para que o problema da imputação em pagamento possa se apresentar:

a) Pluralidade, ou multiplicidade de débitos

b) Identidade de sujeitos

c) Igual natureza das dívidas

Na primeira, cumpre ao devedor oferecer a prestação integral para extinção a obrigação, de vez que não se pode compelir o credor a receber por partes o que se combinou pagar por inteiro.

Na segunda, as diversas relações obrigacionais devem estar ligadas do mesmo devedor a um mesmo credor.E finalmente, a terceira, os débitos revestidos do mesmo característico de fungibilidade recíproca, de liquidez e já vencidos, podem ser cogitados para se cuidar da imputação em pagamento.