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A emissão de certidão positiva com efeitos de negativa com base em caução e o entendimento do STJ

A certidão administrativa viabiliza ao interessado a obtenção de esclarecimentos de um determinado órgão público. Para Nina Ranieri, certidões são documentos oriundos de autoridade ou de agente do Poder Público, que nessa qualidade provam ou confirmam determinado ato ou fato.(1)

Nessa perspectiva a certidão administrativa é um direito constitucional garantido ao cidadão por força do art. 5º, XXXIV, b, da Constituição Federal.

No âmbito tributário, discute-se acerca da utilização da certidão positiva com efeitos de negativa prevista no art. 206 do Código Tributário Nacional. Essa certidão administrativa pode ser expedida desde que presentes um dos três requisitos previstos pelo dispositivo legal já citado, sejam eles: créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.

O legislador infraconstitucional teve o cuidado ao definir taxativamente as hipóteses de expedição desta espécie de certidão administrativa e de cercar de adequado procedimento, já que é de interesse público a busca pela segurança jurídica aos negócios que terceiros possam celebrar com os devedores do fisco.

Muito se tem criticado acerca da burocracia administrativa, mas no que tange a expedição de certidões administrativas a formalidade que envolve esse procedimento se justifica pelo fato de que uma indevida expedição poderá comprometer gravemente a segurança dessas relações jurídicas, assumidas na fidelidade da certidão. É um risco em que colocarão em cheque não somente o poder público, mas também terceiros que porventura tenham confiados na fé pública.

Observa-se que em vários casos o contribuinte tem um débito para com a Fazenda Pública, no entanto, tal dívida ainda não tenha sido inscrita em divida ativa, o que pode demorar um certo tempo, impedindo que o contribuinte possa requerer a expedição de certidão negativa de tributos. Neste caso, há a possibilidade do contribuinte oferecer uma garantia com a finalidade de suspender o crédito tributário e, conseqüentemente, ter o direito à expedição da certidão administrativa em tela.

No caso do débito não possuir uma penhora efetivada e estar vencido, a única alternativa que sobra para o contribuinte é buscar a realização de uma das hipóteses do art. 151 do Código Tributário Nacional, que trata da suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Com a necessidade urgente de expedição de certidão positiva com efeitos de negativa, para a participação numa licitação, por exemplo, terá o contribuinte que lançar mão de uma ação judicial com pedido de liminar para este fim.

Na opinião de Luciano Amaro a liminar não depende de garantia (depósito ou fiança), mas é freqüente que sua concessão seja subordinada à prestação de garantia ao sujeito ativo, inclusive o depósito(2).

Conforme se constata na práxis judiciária, as liminares que concedem o direito à expedição de certidões positivas com efeitos de negativa, mesmo não sendo necessário, vem sendo condicionadas à formalização de cauções de bens que garantam a integralidade do débito. Nesse sentido comprova trecho do Acórdão do Tribunal Regional Federal da 4º Região:

A jurisprudência vem admitindo a possibilidade de expedição de certidão positiva com efeitos de negativa, nas hipóteses em que a parte não tem contra si execução fiscal ajuizada, mas tem a certidão negada, desde que ofereça bens em caução, suficientes e idôneos para garantia do débito (3)

Neste caso, é de se concluir que não há uma apreciação judicial levando-se em conta os requisitos da antecipação da tutela, quais sejam: verossimilhança e receio de dano irreparável ou de difícil reparação, mas sim a condiciona à caução de bens.

O que chama a atenção é o recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, o qual entendeu que o termo de caução é meio inidôneo para suspender o crédito tributário, para fins de expedição de certidão administrativa.

Cita-se alguns trechos do Acórdão do STJ que fixa importantes entendimentos sobre a matéria:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO FISCAL. EXPEDIÇÃO MEDIANTE OFERTA DE GARANTIA, NÃO CONSISTENTE EM DINHEIRO. INVIABILIDADE. FRAUDE AOS ARTS. 151 E 206 DO CTN E AO ART. 38 DA LEI 6.830?80.1. Nos termos do art. 206 do CTN, pendente débito tributário, somente é viável a expedição de certidão positiva com efeito de negativa nos casos em que (a) o débito não está vencido, (b) a exigibilidade do crédito tributário está suspensa ou (c) o débito é objeto de execução judicial em que a penhora tenha sido efetivada….6. Os embargos à execução não são a única forma de defesa dos interesses do contribuinte perante o Fisco. O sistema lhe oferece outros modos, que independem de oferta de qualquer garantia, para desde logo se livrar de exigências fiscais ilegítimas: o mandado de segurança, a ação declaratória de nulidade, a ação desconstitutiva. Em qualquer destas demandas poderá o devedor, inclusive, obter liminar que suspenda a exigibilidade do crédito (e, conseqüentemente, permita a expedição de certidão), bastando para tanto que convença o juiz de que há relevância em seu direito. Se, entretanto, optar por outorga de garantia, há de fazê-lo pelo modo exigido pelo legislador: o depósito integral em dinheiro do valor do tributo questionado. 7. É falaciosa, destarte, a idéia de que o Fisco causa dano ao contribuinte se houver demora em ajuizar a execução, ou a de que o contribuinte tem o direito de ser executado pelo Fisco. A ação baseada em tais fundamentos esconde o seu real motivo, que é o de criar nova e artificiosa condição para obter a expedição de certidão negativa de um débito tributário cuja exigibilidade não foi suspensa nem está garantido na forma exigida por lei. A medida, portanto, opera em fraude aos arts. 151 e 206 do CTN e ao art. 38 da Lei 6.830?80. 8.Por outro lado, não se pode equiparar o oferecimento de caução, pelo devedor, à constituição da penhora, na execução fiscal. A penhora está cercada de formalidades próprias, que acobertam o crédito com garantia de higidez jurídica não alcançável pela simples caução de um bem da livre escolha do devedor, nomeadamente: (a) a observância obrigatória da ordem prevista no art. 11 da Lei 6.830?80, em que figura, em primeiro lugar, a penhora de dinheiro; (b) a submissão da indicação do bem ao controle da parte contrária e à decisão do juiz; c) o depósito judicial do dinheiro ou a remoção do bem penhorado, com a nomeação de fiel depositário; (d) a avaliação do bem, o reforço ou a substituição da penhora, com a finalidade de averiguar a sua suficiência e adequação da garantia à satisfação do débito com todos os seus acessórios. 9. Em verdade, o objetivo da ação é o de obter uma certidão negativa que, pelas vias legais normais, não poderia ser obtida, já que o débito fiscal existe, não está contestado, não está com sua exigibilidade suspensa e não está garantido na forma exigida por lei.10. recurso especial provido.(4)

Com a exposição desse arcabouço jurídico, percebe-se que a primeira turma do Superior Tribunal de Justiça fixou seu entendimento em três diretrizes: que a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa condicionada à caução não atende aos requisitos do art. 206 do CTN; se o contribuinte optar pela garantia da divida, deverá realizar em dinheiro e no valor integral do débito.

A jurisprudência de modo geral se mostra bem conservadora, condicionando a liminar que concede a expedição de certidões administrativas à cauções em imóveis ou em dinheiro. Mesmo que a caução não possa ser equipara à penhora, entende-se que ela poderá ser enquadrada como uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito. Então conforme entende Luciano Amaro, se estão presentes requisitos para concessão da liminar (fumus boni iuris e periculum in mora), a liminar deve ser concedida, exatamente para proteger o impetrante da agressão patrimonial iminente(5). Assim, com base tão somente na liminar concedida pelo judiciário já se entenderia que estaria configurada a hipótese prevista no inciso V do artigo 151 do Código Tributário Nacional, sendo perfeitamente possível a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa.

Portanto, deve-se entender que não são todos os contribuintes que tem condições financeiras de realizar o depósito em dinheiro, do valor integral do débito, para suspender a exigibilidade do crédito tributário, sem comprometer o regular exercício de suas atividades, o que de certo modo impediria que vários contribuintes pudessem utilizar a certidão administrativa em debate para situações em que ocorra a morosidade da inscrição do débito em divida ativa.

NOTAS:

(1) RANIERI, Nina. A obtenção de certidões em repartições públicas. Hipóteses constitucionais de expedição e de indeferimento. Tentativa de identificação, IN Revista dos Tribunais – Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 19, p. 150/168.

(2) AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 384

(3) TRF 4ª R. – AI 2003.04.01.042537-9 – RS – 1ª T. – Relª Desª Fed. Maria Lúcia Luz Leiria – DJU 04.02.2004 – p. 357

(4) STJ – REsp 545871 / PR; recurso especial 2003/0100209-1 – Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI – PRIMEIRA TURMA – Julgamento: 03/03/2005 – DJ 28.03.2005, p. 189, RDDT, vol. 117, p. 146

(5) AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. …, p. 384