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Trata-se de artigo destinado ao estudo das tutelas de urgência previstas no ordenamento jurídico pátrio.

1 TUTELA CAUTELAR2 TUTELA ANTECIPADA3 TUTELA ANTECIPADA E TUTELA CAUTELAR

No revogado Código de Processo Civil de 1939, já existia o instituto da tutela cautelar, esta inominada. Entretanto, somente com a promulgação do Código de Processo Civil de 1973 é que esse instituto passou a ser explorado, provocando um movimento de constante expansão de sua aplicabilidade prática.

Fenômenos sociais e históricos contribuíram para essa mudança de perspectiva, mas igualmente fatores normativos, de enorme importância, associaram-se aos primeiros para exacerbar a busca das formas de tutela urgente. Dentre os primeiros, basta recordar o processo de modernização da sociedade brasileira, com o crescente e acelerado desenvolvimento das comunidades urbanas e o correlativo surgimento de uma sociedade de massa, em constante processo de mudança social, a exigir instrumentos jurisdicionais adequados e efetivos, capazes de atender às aspirações de uma sociedade moderna e democrática.

Assim, esse processo de modernização da sociedade levou à perturbação na paz social. Conseqüentemente, surgiram lides entre os indivíduos que, por sua vez, procuravam o poder judiciário para pacificar a demanda instaurada.

A contribuição oferecida pelo próprio Código de Processo Civil de 1973 para a expansão da tutela de urgência (cautelar ou não) tem duas causas principais: a primeira delas foi desejada pelo legislador e está representada pela importância e dignidade que o Código emprestou ao Processo Cautelar, destacando-o para formar um Livro especial, com cerca de cem artigos, contra os apenas treze existentes no Código anterior.

A segunda razão para o crescimento extraordinário da tutela de urgência, em nosso direito atual, deve-se igualmente a essa mesma opção do legislador, mas decorre de um premissa ideológica sobre a qual o legislador de 73 não teve em consciência muito nítida.

As tutelas de urgência são evocadas quando se está diante de um risco plausível de que a tutela jurisdicional não se possa efetivar, medidas devem ser promovidas, imediatamente, para garantir a execução ou antecipar os efeitos da decisão final, sob pena da impossibilidade de execução futura e do direito em lide.

Várias são as razões que conspiram contra a celeridade a requererem medidas garantidoras de que a tutela será devidamente útil no futuro. Pode-se listar, dentre outras razões, a dilapidação do bem, promovida pelo réu, quebrando o equilíbrio da relação, a urgência na provisão de meios de subsistência, a necessidade de obstar o que o réu se desfaça de seus bens para eximir-se da execução futura.

O comprometimento da prestação jurisdicional, pelo risco ou perigo de dano, demanda uma espécie de tutela apropriada imediata, para combater aquelas circunstâncias. Essa espécie de tutela é a tutela de urgência.

Portanto, o surgimento das tutelas de urgência podem ser confundidos com os motivos do seu nascimento. Apareceram para evitar a perda ou deterioração do direito do demandante, seja pelo decurso do tempo, seja por outro meio lesivo, já que o vagaroso trâmite do procedimento comum vinha causando danos permanentes ao direito do autor.

Desse modo, tem-se o aparecimento das tutelas de urgência, que são procedimentos de ritos especiais, mais ágeis e aptos a antecipar, durante o trâmite do processo, o objeto da ação até a decisão final da lide. Atualmente, são divididos na legislação brasileira em duas modalidades: a tutela cautelar e a tutela antecipatória.

1 TUTELA CAUTELAR

Na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco, a atividade cautelar:

Foi preordenada a evitar que o dano oriundo da inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do remédio jurisdicional (periculum in mora). O provimento cautelar funda-se antecipadamente na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni iuris): verificando-se os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, o provimento cautelar opera imediatamente, como instrumento provisório e antecipado do futuro provimento definitivo, para que este não seja frustrado em seus efeitos.

Uma questão-chave da tutela cautelar é o conceito de satisfação das pretensões, pois constitui o ponto de partida a separação dogmática entre satisfação e cautela.

Sob o prisma jurídico processual, o termo satisfação abriga várias acepções, pois permite aceitar seu uso para designar satisfação do interesse genérico processual. Este se apresenta em todas as demandas que são asseguradas por medidas cautelares, portanto tais medidas serão satisfativas se considerado o escopo que ostentam de garantir o resultado útil ao processo. Assim, a satisfação não estaria vinculada ao direito material ou à pretensão autônoma.

Segundo ensinamentos de Ovídio Baptista:

A tutela cautelar é uma forma particular de proteção jurisdicional predisposta a assegurar, preventivamente, a efetiva realização dos direitos subjetivos ou de outras formas de interesse reconhecidos pela ordem jurídica como legítimos, sempre que eles estejam sob ameaça de sofrer algum dano iminente e de difícil reparação, desde que tal estado de perigo não possa ser evitado através das formas normais de tutela jurisdicional.

Desse pressuposto fundamental decorrem duas conseqüências: uma de caráter objetivo, que é a urgência que sempre há de estar presente, de modo a legitimar a outorga da proteção cautelar; a outra de natureza subjetiva, referente ao modo pelo qual o órgão judicial deve examinar e decidir a demanda cautelar.

Destarte, é uma forma de proteção jurisdicional que, em virtude da situação de urgência, determinada por circunstâncias especiais, deve tutelar a simples aparência do direito posto em estado de risco de dano iminente.

2 TUTELA ANTECIPADA

A antecipação dos efeitos da tutela, incluída no processo de conhecimento (Título VII – Do Processo e do Procedimento, do Livro I – Do Processo de Conhecimento) do Código de Processo Civil a partir da lei 8.952/94, representou uma importante novidade em nosso sistema processual, já que permite que o autor tenha seu pedido atendido de forma parcial ou integral antes do julgamento definitivo da lide, proporcionando ao autor a fruição total ou parcial do direito.

A tutela antecipada só passou a ser tratada, como dito, pelo Código de Processo Civil, a partir de 1994. Isso fez com que alguns doutrinadores viessem a afirmar que o instituto da tutela antecipada foi criado no Brasil somente nesse período.

No entanto, as referidas lições pregadas por parte da doutrina não merecem acolhimento, uma vez que mesmo antes de 1994 já havia previsão legal de liminares com natureza de tutela antecipada (não com essa denominação), por conferir ao autor efeitos substanciais do provimento final em situações específicas para algumas ações de rito especial, a exemplo dos alimentos provisórios.

Assim, tem-se como principal inovação do artigo 273 do Código de Processo Civil, com suas ulteriores modificações operadas pela Lei n. 10.444/02, a extensão da tutela antecipada a qualquer modalidade de ação de conhecimento, ou seja, dentro do próprio procedimento ordinário.

Tutela antecipada pode ser definida, portanto, como o deferimento provisório do pedido do autor, no todo ou em parte.

Convém aqui frisar a diferença tangente à temporariedade e a provisoriedade que, por sua vez, é mais genérica:

Temporâneo é, simplesmente, aquilo que não dura sempre, aquilo que, independentemente da superveniência de outro evento, tem por si mesmo duração limitada. Provisório equivale a interino: ambas as expressões aquilo que é estabelecido para durar somente aquele tempo intermediário que precede o evento esperado.[…]À evidência, avulta em importância o comprometimento, daqueles que elegem como características das cautelares a provisoriedade, como as tutelas antecipatórias, desde que se entenda que a substituição ou troca da medida urgente e precária deva ocorrer por outra definitiva, sem diferenciar a natureza daquele provimento e cotejá-lo com o outro que o irá “substituir”.

Desse modo, a provisoriedade não é dotada de absoluta certeza, mas de mera probabilidade, ou seja, de que ao final seja confirmado aquilo que se havia como provável.

De acordo com Humberto Theodoro Júnior:

Diz-se na espécie que há antecipação de tutela porque o juiz se adianta para, antes do momento reservado ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença definitiva.

Diz o brilhante doutrinador Lobo que antecipar a tutela nada mais é do que dar a gozar dos efeitos do bem da vida perseguido, de modo precoce e provisório, antes mesmo de ter sido levada a efeito a tutela em sua plenitude, e antes da prestação imediata – sentença.

Nas lições de Nery, “é providência que tem natureza jurídica mandamental, que se efetiva mediante execução lato sensu, com o objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos”.

Saliente-se que o magistrado, ao conceder a medida antecipatória, não está dando uma solução definitiva à causa, podendo, na sentença de mérito, mantê-la ou revogá-la. Essa medida, portanto, é nada mais que um adiantamento de eventuais efeitos do provimento final, de forma satisfativa, mas em caráter revogável e provisório.

Nesse mesmo raciocínio, Lopes afirma que “a tutela antecipada não significa solução definitiva da causa, nem pode criar fatos consumados. Ainda que dotada de eficácia imediata, não pode prescindir da sentença final, que poderá mantê-la ou revogá-la”.

Destarte, sendo concedida, ou não, a antecipação de tutela, o processo prosseguirá até o seu julgamento final.

Com o uso da antecipação dos efeitos da tutela, busca-se assegurar a efetividade da jurisdição na demanda, protegendo o direito do demandante. O objeto da antecipação deve ser a própria tutela pedida pelo autor, total ou parcial. Assim, o deferimento da medida antecipatória é justificada pelo princípio da necessidade, ao se constatar que, sem ela, a espera pela decisão final da lide importaria em negar justiça. Comprometeria de forma grave a efetividade da prestação jurisdicional, uma vez que, em certos casos, a tutela só servirá ao autor caso concedida de imediato.

Resta claro, então, que na antecipação de tutela, “estão em jogo dois grandes e fundamentais princípios, ou seja, o da efetividade da tutela jurisdicional e o da segurança jurídica”.

Esses dois importantes princípios devem ser harmonizados, já que o primeiro diz respeito a proteção do direito do autor em razão da morosidade jurisdicional que, por sua vez, necessidade de mecanismos de aceleração do procedimento em juízo. Por outro lado, o princípio da segurança jurídica, garantido constitucionalmente, assegura o demandado de não ser privado de seus direitos sem o contraditório e a ampla defesa.

3 TUTELA ANTECIPADA E TUTELA CAUTELAR

A tutela antecipatória e a tutela cautelar, ambas previstas em nosso ordenamento jurídico, apresentam numerosos e relevantes pontos em comum como, por exemplo, regem-se pela instrumentalidade e ambas tutelas servem de instrumento contra o perecimento de direito pela ação do tempo.

No entanto, os doutrinadores, em sua grande maioria, fazem distinções entre esses dois tipos de tutela de urgência; cumpre-nos, então, ressaltar algumas delas, como leciona o professor Nelson Nery:A tutela antecipada dos efeitos da sentença de mérito não é tutela cautelar, porque não se limita a assegurar o resultado prático do processo, nem a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor, mas tem por objeto conceder, de forma antecipada, o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou seus efeitos. Ainda que fundada na urgência (CPC 273 I), não tem natureza cautelar, pois sua finalidade precípua é adiantar os efeitos da tutela de mérito, de sorte a propiciar sua imediata execução, objetivo que não se confunde com o da medida cautelar (assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução ou, ainda, a viabilidade do direito afirmado pelo autor).

Ressalta Marinoni que:

A tutela antecipada não tem por fim assegurar o resultado útil do processo, já que o único resultado útil que se espera do processo ocorre exatamente no momento em que a tutela antecipatória é prestada. O resultado útil do processo somente pode ser o bem da vida que é devido ao autor, e não a sentença acobertada pela coisa julgada material, que é própria da ação principal. Porém, a tutela antecipatória sempre foi prestada sob o manto da tutela cautelar. Mas é, na verdade, uma espécie de tutela jurisdicional diferenciada.

Ao conceder a tutela antecipada, o Juiz satisfaz provisoriamente a pretensão material do autor. Logo, é forçoso concluir de antemão que a tutela antecipada tem sempre natureza satisfativa, ao contrário do que ocorre com a tutela cautelar, que possui natureza meramente assecuratória, protetiva, (em que pese a existência de posição doutrinária ainda a reconhecer o instituto das cautelares satisfativas) mediante a qual o Juiz jamais satisfaz aquilo que está sendo pedido (pedido mediato, “bem da vida”), apenas protegendo os efeitos concretos de eventual e verossímil vitória judicial da parte.

Para Cintra, Grinover e Dinamarco, “não se confunde a tutela cautelar, com a tutela antecipatória, tratada separadamente pela lei nº 8.952/94 (dando nova redação ao art. 273 do CPC), de natureza satisfativa e que antecipa, total ou parcialmente, os efeitos da sentença de mérito”.

Lopes, de forma lúcida, entende que:

A liminar cautelar é caracterizada não pela satisfatividade, isto é, não pode implicar o adiantamento dos efeitos da tutela de mérito. A tutela antecipada caracteriza-se, precisamente, pelo adiantamento desses efeitos. Concede-se que, em ambas, existe antecipação de efeitos, mas na tutela cautelar só se antecipa a eficácia da sentença do processo cautelar, não assim do mérito do processo principal. Além disso, a liminar cautelar é marcadamente intrumental, isto é, tem por função garantir o resultado útil do processo principal, evitando que a demora na prestação jurisdicional possa acarretar danos irreparáveis ou de difícil reparação. Já a tutela antecipada não está relacionada a outro processo, mas traduz adiantamento de efeitos do mérito que será deslindado naquele mesmo processo.

Nesse sentido, esclarece Marinoni:

A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência, é satisfativa sumária. A prestação jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou referência a direito, não há direito acautelado.

Assim, aquele que pede uma tutela cautelar não deseja antecipar o que só será concedido no fim, mas, devido à demora que porventura venha a esvaziar os efeitos práticos da decisão de procedência, a solicita como forma de garantia da futura satisfação do direito.

[…] as medidas cautelares e as antecipatórias: a) identificam-se por desempenhar função constitucional semelhante, qual seja, a de propiciar condições para a convivência harmônica dos direitos fundamentais à segurança jurídica e à efetividade da jurisdição; b) sujeitam-se, contudo, a regimes processual e procedimental diferentes: a cautelar é postulada em ação autônoma, disciplinada no Livro do Processo Cautelar; a antecipatória é requerida na própria ação destinada a obter a tutela definitiva, observados os requisitos do art. 273 do CPC; c) a medida cautelar é cabível quando, não sendo urgente a satisfação do direito, for urgente, no entanto, garantir sua futura certificação ou sua futura execução; a medida antecipatória tem lugar quando urgente é a própria satisfação do direito afirmado; d) na cautelar há medida de segurança para a certificação ou segurança para futura execução do direito; na antecipatória há o adiantamento, total ou parcial, da própria fruição do direito, ou seja, há, em sentido lato, execução antecipada, como um meio para evitar que o direito pereça ou sofra dano (execução para segurança); e) na antecipação há coincidência entre o conteúdo da medida e a conseqüência jurídica resultante do direito material afirmado pelo autor; na cautelar o conteúdo do provimento é autônomo em relação ao da tutela definitiva; f) o resultado prático da medida antecipatória é, nos limites dos efeitos antecipados, semelhante ao que se estabeleceria com o atendimento espontâneo, pelo réu, do direito afirmado pelo autor; na cautelar, o resultado prático não tem relação de pertinência com a satisfação do direito e sim com a sua garantia; g) a cautelar é medida habilitada a ter sempre duração limitada no tempo, não sendo sucedida por outra de mesmo conteúdo ou natureza (ou seja, por outra medida de garantia), razão pela qual, a situação fática por ela criada será necessariamente desfeita ao término de sua vigência; já a antecipatória pode ter seus efeitos perpetuados no tempo, pois destinada a ser sucedida por outra de conteúdo semelhante, a sentença final de procedência, cujo advento consolidará de modo definitivo a situação fática decorrente da antecipação.

Diz Lopes que:

À liminar cautelar bastam os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora aliados à urgência especial que a distingue da providência concedida regularmente na sentença cautelar; para a tutela antecipada requer-se mais, a prova inequívoca de que resulte verossimilhança das alegações.

Ainda, nossos Tribunais também fazem distinções quando do julgamento dessas tutelas de urgência:

Tutela antecipada não se confunde com medida liminar cautelar, eis que nesta a providência se destina a assegurar a eficácia prática da decisão judicial posterior, enquanto que naquela existe o adiantamento do próprio pedido de ação. (Ac. Un. 5ª Câm. TJ/RJ, 10.12.1996, Ag. 4.266/96, rel. Des. Miguel Pachá).

Não se confundem medida cautelar e tutela antecipada. Na primeira bastam fumaça de bom direito e perigo de dano. Na segunda, exige-se que a tutela corresponda ao dispositivo da sentença; haja prova inequívoca, capaz de convencer o juiz da verossimilhança das alegações; fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou manifesto propósito protelatório do réu. Tudo isso mediante cognição provisória, com audiência do demandado, que pode ser dispensada em casos excepcionais. (Ac. Un. 3ª Câm. TJ/SC, 17.09.96. Ag. 96.001.452-7, rel. Des. Amaral e Silva).

Para Theodoro Júnior, “embora a antecipação seja desburocratizada, porque é pleiteável por meio de simples petição no bojo da ação de conhecimento, o certo é que os requisitos a serem atendidos pela parte são mais numerosos e mais rígidos do que as medidas cautelares”.

O renomado doutrinador ainda cita como exemplo que, para a concessão da tutela cautelar o julgador de vê ater-se ao fumus boni iuris, enquanto que na tutela antecipada, na prova inequívoca.