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O consentimento do ofendido nas intervenções médicas

A tentativa da medicina de tutelar a vida humana não é recente, e nas últimas décadas a humanidade vem sofrendo o desdobramento de uma verdadeira insurreição médica. Diante de progressos médico-científicos de tal envergadura, esqueceu-se que o ser humano é a razão dessas pesquisas, para onde conjugam todos os avanços conseguidos, passando-se a tratá-lo não mais como sujeito de direitos, mas como seu objeto. Em decorrência disso, procurou-se adentrar no estudo desse tema pela tamanha importância que ele confere hoje à sociedade, demonstrado pela capacitação dos profissionais, melhoria dos tratamentos, das técnicas cirúrgicas, prolongando-se a vida através de transplantes de órgãos, operações para mudança de sexo, esterilizações, transfusões de sangue, dentre outros procedimentos que tem por fim prezar pela saúde. Contudo, deve-se levar em conta que o paciente é o eixo central de todos esses estudos, tendo ele que decidir por tudo que envolver sua integridade física e a sua vida.

A Constituição Federal proclamou uma nova ordem jurídica, instituindo princípios e normas que forçaram uma reformulação desse sistema médico vigente, limitando essa atuação fundamentada no princípio basilar da dignidade da pessoa humana. Uma das interpretações desse princípio que restringe a ciência médica diz respeito ao direito primordial do paciente de consentir com qualquer intervenção a que for submetido. Ou como entende França (2003, p.29):

Com o avanço cada dia mais eloqüente dos direitos humanos, o ato médico só alcança sua verdadeira dimensão e o seu incontrastável destino com a obtenção do consentimento do paciente ou de seus responsáveis legais. Assim, em tese, todo procedimento profissional nesse particular necessita de uma autorização prévia.

De acordo com o que foi transcrito, exige-se que seja obedecido o princípio da autonomia ou da liberdade, que faculta à pessoa, no caso o paciente, de escolher pela submissão a um tratamento ou não. Por esse princípio o paciente tem o direito de nortear o médico em sua terapêutica. É indispensável que o consenciente tenha uma explicação prévia da intervenção que se submeterá. Logo, o consentimento deve ser dado antes da cirurgia e continuar durante o tratamento, pois quando dado após a intervenção não constituirá uma causa de justificação.

Para esclarecer sobre a vitalidade do consentimento, cola-se o significado dessa palavra por Ferreira (1986, p.457) como “o direito de consentir, permissão, licença, anuência, aprovação, acordo, aprovação tácita e tolerância”, e ainda transcreve-se a irrefutável colocação de Carvalho (2001, p. 143) sobre essa expressão:

O consentimento nada mais significa que conferir a terceiros a faculdade de perpetrar a ação, tornando lícito o que em outras circunstâncias era ilícito, fazendo desaparecer apenas, nos limites do autorizado, a tutela jurídica do bem pertencente ao consenciente.

É fundamental que o consentimento respeite a ordem pública e os bons costumes, pois então não será justificada a conduta do médico. Daí compreende-se que ninguém poderá consentir, ainda que validamente, a intervenção que resulte na sua própria incapacidade psíquica e física. É necessário ressalvar a relatividade desse princípio, porque se a informação for algo complicador à saúde do paciente, o médico não tem a obrigação de contar. Todavia tem que contar a um familiar próximo. Além do mais, essa relatividade também se dá em situações de iminente perigo de vida, em que o profissional, sob os conselhos da Ética Médica, deverá atuar ainda que desrespeitando a vontade do paciente.

Neste caso, o médico estaria agindo conforme recomenda sua experiência profissional, visando o bem estar do paciente. Dessa forma, acolherá o princípio da beneficência, posto que estaria realizando todos os meios necessários para salvaguardar a saúde do acamado, ainda que não respeitando sua autonomia.

Mas assim não estaria o clínico atuando de maneira arbitrária ao suprimir o interesse do doente? A doutrina tenta solucionar esta questão fundamentada no art. 5º inc. II da Constituição Federal (Brasil, 1988), in verbis “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Um exemplo muito comum são as pessoas que são testemunhas de Jeová, e esta religião proíbe a transfusão de sangue por considerá-lo impuro, ainda que seja para salvar a própria vida, os seguidores desta religião não consentem que o médico intervenha. Além do mais, neste caso particularmente, encontra-se o fundamento no art. 5º inc. VI da CF que diz expressamente: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma de lei, a proteção aos locais de culto e de sua liturgia”. (Brasil, 1988)

Todavia, deve-se ressaltar que em caso da tentativa de suicídio, ainda que obviamente, o titular do bem jurídico vida não queira mais viver, o médico deverá prestar socorro para evitar a morte do paciente.

Assim, conclui-se que em regra, ao médico é vetado intervir terapeuticamente sem o consentimento do paciente, o que comportando exceções, pois estará atendendo ao princípio da beneficência. Pierangeli (1995, p. 203) assinala alguma dessas exceções, como quando o médico for compelido a realizar tratamento por norma, quando o médico tiver que prestar socorro forçosamente, ou quando existirem os requisitos necessários para identificar o estado de necessidade.

O primeiro caso, ocorre quando a lei compele o indivíduo a realizar o tratamento, ainda que contra a sua vontade e se fundamenta no mesmo dispositivo constitucional supramencionado que baseia a não obrigatoriedade do indivíduo a fazer algo senão em virtude de lei. Romanello Neto (1998, p.71) ratifica tal compreensão versando que:

“[…] estão obrigados os médicos a revelar o segredo médico quando diante de pacientes com doenças de notificação compulsória às autoridades médico-sanitárias, para salvaguardar a coletividade. O Código Penal refere-se ao tratamento arbitrário ou direito de tratar, e define que o médico, diante de iminente perigo de vida, não necessita de consentimento para o tratamento (inc. I do § 3º)”.Art. 146. constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda. …Não se compreende na disposição deste artigo: a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida “. O princípio da autonomia ou da liberdade é complementado por outro essencial, o da informação adequada, onde prevê que o consentimento deve ser emanado de um paciente capaz de compreender claramente a notícia que for dada pelo médico quanto ao tratamento a que será submetido. Em caso do paciente, não poder consentir lucidamente, o consentimento poderá ser substituído pelo do seu representante legal.

Nos casos que houver dissenso do representante legal e o incapaz, o médico deverá em caso de emergência intervir oponente ao consentimento do representante legal. Entretanto, se for possível postergar a intervenção, em caso de não ser de urgência, a doutrina entende que deve recorrer ao Judiciário para solucionar o conflito.

É imprescindível que o consentimento seja dado pelo paciente ou quando não for possível este ser dado por si próprio, será suplantado pelos familiares. Todavia, quando o primeiro estiver impossibilitado, em casos como estar o paciente em coma, e não se podendo ter a anuência de algum representante, o médico age com a presunção do consentimento do enfermo pra salvar-lhe a vida, pois sem o consentimento real ou presumido do paciente, estaria o médico obrigando-o ao tratamento terapêutico, não permitindo o livre-arbítrio do paciente de poder dispor do próprio corpo.

Havendo anuência com um tratamento inicial, não significa dizer que na possibilidade de tratamentos posteriores ou alterações nas circunstâncias do caso clínico o consentimento anterior suplantará este, pois deve o enfermo aquiescer novamente a respeito do novo método a que será submetido, obtendo o consentimento continuado e atendendo ao princípio da temporalidade.

França (2003, p.31) ressalta o direito do paciente de revogar qualquer consentimento seu dado anteriormente, argüindo que “[…] em qualquer momento da relação profissional, o paciente tem o direito de não mais consentir com uma determinada prática ou conduta, mesmo já consentida por escrito, revogando assim a permissão outorgada”.

Mesmo que o doente consinta expressamente determinado procedimento médico, por si só este consentimento não legitima a intervenção do profissional, uma vez que esse ato venha a causar um prejuízo maior à saúde do paciente, pois o esculápio é que avaliará a real necessidade do ato. Por exemplo, um enfermo que clame impiedosamente pela amputação de um membro por estar sentindo dores insuportáveis, e o médico ache que este não é o caso para tal procedimento, podendo ser curado por outra via que não a retirada desta parte do corpo. O que deve valer é o entendimento do profissional, pois assim estará atendendo ao princípio da não maleficência.

Na hipótese do médico durante a cirurgia verificar que necessita adotar um método terapêutico diferente daquele anteriormente consentido, mesmo que seja de maior complexidade, deverá agir orientada pelas razões do bom senso, como alardeado por Romanello Neto (1998, p.70).

Não há dúvida de que suspender o médico um ato cirúrgico para solicitar o consentimento do paciente, a fim de aumentar ou diminuir a extensão da intervenção cirúrgica, configura uma atitude excessiva de zelo e perigosa à vida do paciente, que teria de retornar a uma outra intervenção cirúrgica com todas as suas circunstâncias perigosas e de risco: anestesia, cortes, inflamações, medicamentos etc.

Então, se o enfermo já anuiu com um procedimento médico anterior, se presume que também aquiescerá com outra intervenção num problema descoberto posteriormente, desde que não se possa adiar sem prejuízo de sua saúde.

Isto posto, depois de se ter abordado toda a principiologia que direciona o consentimento do ofendido nas intervenções médicas, conclui-se que quando se tratar de cirurgia com finalidade terapêutica, o consenso é de que a conduta praticada pelo médico quando bem sucedida seja atípica, pois tem como escopo a “melhora” do bem jurídico integridade física. Entretanto, é possível que o médico não atinja o seu objetivo, e mesmo depois de realizar a cirurgia o paciente não melhore e venha a morrer ou adquira uma seqüela irreversível em decorrência desta, como por exemplo, a amputação de um membro. Pierangeli (1995, p. 180).Grande parte da doutrina sustenta que a intervenção médico-cirúrgica com finalidade terapêutica e resultado positivo é atípica porque isso não significa uma “piora” do bem jurídico integridade física, mas uma “melhora”. Com isso faltaria o pressuposto essencial do delito de lesões corporais, pois enquanto a intervenção como resultado negativo é típica, resta a antijuridicidade excluída.

A intenção do médico é de salvar o paciente, e não de ferí-lo. Entretanto, este posicionamento sofre uma forçosa crítica: fatalmente, ao submeter o paciente à intervenção cirúrgica, o médico age com animus de cortar, ainda que, obviamente, não aja com dolo prescrito pelo tipo penal de lesões corporais, pois o profissional está agindo terapeuticamente. Tal postura não pode balizar outros tipos de procedimentos, como as operações estéticas, posto que não há uma finalidade de cura a ser perseguida ou como bem consolidado por Andrade (1991, p.470-471)

“[…] a operação cosmética esgota a sua relevância no interior do sistema pessoal do sujeito passivo, não abrindo a porta à alienação da integridade física em benefício dos interesses do investigador, de terceiro ou da comunidade me geral. O que, por seu turno e inversamente, alarga a comunicabilidade coma intervenção médico-cirúrgica. Como já Stoos sublinhava, é precisamente esta << identidade tanto da pessoa lesada e protegida como do bem que é sacrificado e protegido>>, que verdadeiramente constitui a diferença específica da intervenção médica”.

Além do mais, o tratamento médico realizado conforme os princípios da lege artis constitui uma conduta socialmente adequada, já que o art. 196 da Constituição Federal (Brasil, 1988) prevê a tutela da saúde pelo Estado.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Assim, parte da doutrina compreende que ainda que o médico-cirurgião tenha causado lesões ao organismo necessárias à cirurgia, sua conduta está conforme o Direito e às exigências de cunho ético-jurídico-social. Há, no entanto, quem entenda que a conduta do médico constitui uma excludente de tipicidade, mesmo que o paciente tenha uma piora no seu estado de saúde em virtude desta conduta.

Ainda que nesta questão se trate de bem jurídico indisponível, que pode ser a vida ou a integridade física do paciente, a conduta, em regra, não constituirá crime porque será considerado irrelevante para o Direito Penal, bastando apenas que não haja dolo por parte do médico em prejudicar o enfermo e também ao atuar na intervenção cirúrgica o faça com a lege artis . Para tanto, existe ainda a teoria da imputação objetiva que isenta a responsabilidade penal do médico quando realiza uma intervenção médica cirúrgica, desde que ele tenha seguido rigorosamente a lege artis, em razão dos riscos que foram criados para o paciente eram riscos permitidos.

È cediço que é impossível que uma operação deixe intacto o bem jurídico integridade física, não havendo como evitar o agravamento do estado geral do enfermo, pois existe de fato um defloramento do seu corpo, visando uma melhora futura. Em função disso, parte da corrente doutrinária entende que o tratamento médico cirúrgico é um exercício regular de direito para aqueles que o profissional, no caso o médico, ao adquirir este título possui o direito de realizar todos os atos inerentes a sua profissão para atingir o fim social a que esta se propõe, ainda que para isto tenha que violar alguns bens juridicamente tutelados.

Existe a possibilidade do médico cometer erro médico vencível, que se configura quando o profissional erra quanto à utilização do meio, ou seja, quando diagnostica erroneamente ou quando utiliza o método terapêutico incorreto, desde que este erro possa ter sido evitado. Entretanto, o risco do tratamento está ligado a uma intervenção em que o médico não violou as regras da lex artis, caso em que excluirá o dolo, mas não a culpa. Se o tipo penal previr a modalidade culposa, o agente responderá por ela, ainda que o paciente tenha consentido.

Diferente solução será dada na incidência de erro invencível, em que o profissional observou corretamente o tratamento terapêutico. Neste caso o consentimento atuará como causa justificante. Assim, o tratamento médico cirúrgico será considerado como causa de justificação, já que a cura através da cirurgia é um dos meios para se alcançar uma das garantias e deveres do Estado; a saúde, tornando lícita a conduta do médico para alcançar este fim.

De tal modo, é imprescindível o consentimento do ofendido válido em algumas condutas para justificá-las, não poderia ser diferente com a intervenção médico-cirurgica. Bem como os demais pressupostos de validade e elementos integrantes do consentimento tratados no capítulo anterior que também serão exigidos. Assim entende Pierangeli (1995, p. 186) que Para a teoria em exame, o que torna lícita a conduta do médico, é vontade do paciente em se submeter a um tratamento, ou por outras palavras, é autodeterminação do paciente em renunciar a um bem juridicamente tutelado, consciente da possibilidade de conseqüências lesivas para ele, conseqüências estas ínsitas ao tratamento.

Para esse autor, portanto, mesmo que o paciente encontre-se em estado de emergência e gravidade, porém com capacidade para consentir e este não permita, ou seja, não dê o consentimento para o tratamento médico, não poderá sofrer a intervenção cirúrgica, pois ninguém, a não ser o titular do bem juridicamente tutelado, pode expor a integridade física e a vida de outrem a intervenção de um terceiro.

Contudo, a posição adotada nesse trabalho é inversa a esse pensamento, no sentido de sobrepor a vida, por ser um bem jurídico indisponível, a qualquer garantia considerado também de relevância fundamental. Assim, para o direito penal é irrelevante o consentimento do paciente quando se trata de iminente perigo de vida como predispõe o art. 146, § 3º, inc. I do Código Penal, (BRASIL, 1940):Art. 146. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido por qualquer outro meio a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite. Ou a fazer o que ela não manda:

§ 3º. Não se compreendem na disposição deste artigo:

I. A intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.

Esse dispositivo legal fundamenta-se no princípio da sacralidade da vida, significando dizer que a vida é um bem indisponível, intangível, sagrado e que deve ser tutelado por todas as formas.

Então, mesmo que o paciente não aquiesça com a intervenção, deve o médico realizá-la, pois caso contrário estaria concorrendo para sua incriminação. Assim dispõe Royo de maneira indiscutível:

El enfermo ignora a menudo lo que debe hacerse em su próprio interés; solo el médico puede tomar la decisión necesaria. Además el paciente se dejaria impresionar, influenciar más de lo conveniente, ante el temor de uma operación talvez indispensable, lo cual no sucede con el cirurjano, que gosa de una completa libertad e tranquilidad de ánimo. Por otra parte, el enfermo que recusa la operación urgente e indispensable puede a veces cometer un verdadero suicidio, y el médico que no lo practicase cooperaria él en estas circonstancias”. (RICARDO ROYO, apud HUNGRIA, 1958, p. 177)

Soma-se a isso a argumentação de que a vida é um bem coletivo, e como cediço, o interesse coletivo sobrepõe-se ao interesse particular. Mesmo que o paciente não anua com o tratamento, em caso escolhido pelo médico, por entender ser o único capaz de salvá-lo naquele instante, será lícita a conduta do clínico, pois o interesse a ser protegido é superior, e, portanto, legítimo. Corroborando, com esse entendimento:

O direito moderno considera a vida um bem coletivo. O homem não se pertence só a si, senão à sociedade, de que faz parte integrante. A hipótese se enquadra, então, sem a menor dúvida em questão de ordem pública. E sendo assim, como de fato é, a vida um bem coletivo, claro está que, em tais circunstâncias excepcionais (perigo de vida ou iminência de morte), o médico pode e deve agir arbitrariamente, porque há uma razão jurídica a invocar: o interésse do agente é legítimo, a utilidade manifesta para a sociedade. (LEMOS, apud HUNGRIA, 1958, p.178) E para arrematar a convicção que esta tese visa defender, Prado (2002, p.276) escreve:

Fundamenta-se o estado de necessidade porque a conduta do médico visa afastar de perigo atual ou iminente bem jurídico alheio (vida do paciente), cujo sacrifício, nas circunstâncias não era razoável exigir-se. O mal causado (violação da liberdade pessoal) é menor do que aquele que se aprende evitar (morte). Há conflito entre bens de valor diferencial, com sacrifício do bem de menor valor. O ordenamento jurídico faculta a lesão do bem jurídico de menor valor com o único meio de salvaguardar o de maior valor. Dessa forma, somente haverá a exclusão da ilicitude de uma intervenção médica sem o consentimento do paciente em casos de iminente perigo de vida, que seja impostergável em razão da urgência e que constitua único meio para salvar a vida do paciente. Existindo outro tratamento alternativo, ainda que lesivo e na opinião médica inviável, deverá ele direcionar sua atuação em consonância com a opção eleita pelo enfermo, caso contrário estará o médico atuando de forma arbitrária e violando o direito do indivíduo de decidir o melhor para si. Portanto, o consentimento do ofendido só deverá ser desconsiderado, no caso de intervenções médicas ou cirúrgicas, quando a única conseqüência advinda da ausência de consentimento seja a sua morte.

A vida é um bem de interesse público, e por essa razão é indisponível. Assim, ainda que seu titular não consinta a intervenção em caso de iminente perigo de vida, o seu consentimento será irrelevante para o Direito Penal. Dessa forma, o médico seguindo os princípios do consentimento, a lex artis, esgotando todos os meios que a medicina dispõe e não existindo outro meio curativo que não vá de encontro à vontade do paciente, não poderá ser incriminado por uma conduta que teve como fim maior evitar que se desvaneça o bem jurídico de maior tutela da sociedade – a vida humana.