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A imposição de penas e medidas de segurança como conseqüência da violação das normas penais

I – INTRODUÇÃO
II – DA AUSÊNCIA DE DISTINÇÃO ONTOLÓGICA ENTRE A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A MEDIDA DE SEGURANÇA
III – FINS E FUNDAMENTOS DAS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DODELITO

I – INTRODUÇÃO

Historicamente, a legislação penal e seus respectivos métodos coercitivos e punitivos sempre foram adotados por uma classe hegemônica como forma de repressão daqueles que transgridem as normas penais por eles impostos.

A elaboração da legislação penal, ao contrário do que se preconiza, insere-se dentro de um processo seletivo de criminalização, mais especificadamente a criminalização primária a qual alude Zaffaroni, e visa a tutelar direitos e interesses de um grupo dominante, através da incriminação de certas condutas que contrariam seus interesses e da punição dos respectivos infratores.Em que pesem sua extraordinária riqueza teórica e superlativa importância prática, os fundamentos que permitem que um grupo de homens, associados no Estado, prive de liberdade alguns de seus membros ou intervenha de outro modo, conformando suas vidas, jamais foram objeto de análise aprofundada pela doutrina nacional. O tema, inçado de dificuldades, é, contudo, fascinante, uma vez que permite a conjugação de estudos penais e jusfilosóficos, sem que se perca o contato com a viva realidade representada pelas nefastas conseqüências que a pena provoca na pessoa do condenado e em sua família.

O estudo que ora se inicia desdobra-se em dois capítulos. Num primeiro momento, a abordagem temática estará centrada na verificação da ausência de qualquer distinção significativa entre as duas principais conseqüências jurídicas do delito, que são a pena e a medida de segurança, já que, além de ambas se caracterizarem, em sua essência, como medidas estatais coercitivas que impõem uma privação de direitos ou uma dor – não havendo, portanto diferença ontológica entre as mesmas –, todos os critérios utilizados pela teoria dualista para distingui-las são extremamente frágeis, não sobrevivendo a uma análise mais profunda.No capítulo subseqüente, as atenções estarão focadas na análise crítica das três principais teorias que buscaram justificar e racionalizar o exercício do poder punitivo estatal. Nele, serão delineadas as razões de seu fracasso, e, em linha de conclusão, buscar-se-á superá-las não com uma nova teoria punitiva construída para tentar legitimar uma manifestação do estado de polícia no seio de um estado de direito, mas sim através de uma teoria crítica cujo escopo não seja o de justificar o ius puniendi, mas sim contê-lo.

Entretanto, antes de se iniciá-lo, é importante consignar que não se tem a ambição, neste trabalho, de exaurir o estudo de tema tão complexo como o da justificação das penas privativas de liberdade e das medidas de segurança, mas sim de provocar a discussão sobre o assunto, contribuindo, quem sabe, para fomentar, no cenário jurídico nacional, um debate de extrema relevância que tem sido negligenciado pela maior parte da doutrina pátria.

II – DA AUSÊNCIA DE DISTINÇÃO ONTOLÓGICA ENTRE A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A MEDIDA DE SEGURANÇA

Desde o advento do projeto de Código Penal Suíço, elaborado por Karl Stoos em 1893, a maior parte dos modernos Códigos Penais passou a prever, como formas de reação penal distintas, a pena privativa de liberdade e a medida de segurança, cada uma com características próprias. Prevaleceu, assim, a concepção dualista em detrimento da monista, que acreditava que ambas as sanções poderiam ser reduzidas a um único instrumento de resposta estatal.

Segundo a concepção dualista, que contou com a adesão de penalistas de renome , pena e medida de segurança se distinguiriam conceitualmente porque: a) a pena tem natureza retributivo-preventiva, enquanto as medidas são só preventivas; b) a pena tem um fundamento na justiça, e por isso atenta para o passado, diferentemente da medida de segurança que, por estar fulcrada na utilidade, mira o futuro, buscando a cura do delinqüente; c) possui a pena um conteúdo necessariamente aflitivo, inexistente na medida de segurança, que exerce apenas coação fisiológica, mas não psicológica; d) a pena baseia-se na culpabilidade, enquanto, a medida, na periculosidade; e) a pena é temporalmente delimitada, sendo proporcional à infração praticada, mas a medida de segurança é indeterminada quanto a seu máximo, devendo perdurar enquanto pairar sobre o indivíduo um juízo de periculosidade.

Sem embargo, a despeito de sua prevalência na moderna Ciência Penal, não há mais como subsistir tal entendimento.A pena, consoante a concepção negativista e agnóstica que aqui será adotada , deve ser concebida como “toda e qualquer coerção que impõe uma privação de direitos ou uma dor, sem reparar nem restituir, nem tampouco deter as lesões em curso ou neutralizar perigos eminentes, sendo, na verdade, uma manifestação do poder punitivo que abrange diversas formas de coerção, tais como o poder de vigiar, observar, controlar movimentos e idéias, obter dados da vida privada dos cidadãos, processá-los e arquivá-los, impor restrições à liberdade sem controle judicial”… Este conceito, por sua amplitude, abrange, sem dúvida alguma, as medidas de segurança, que devem ser tratadas como verdadeiras penas, já que, além de não haver qualquer diferença ontológica entre estas e aquelas – sendo ambas caracterizadas em sua essência como meios estatais de privação de certos bens jurídicos –, todos os critérios utilizados pelos dualistas para distingui-las são extremamente frágeis, não sobrevivendo a uma análise mais profunda.

Com efeito, no que toca à justificação das aludidas sanções penais, afigura-se incorreto afirmar que a pena tem natureza retributivo-preventiva e as medidas de segurança, preventiva. Conforme se verificará em momento oportuno do presente trabalho, todas as teorias até hoje elaboradas para justificar e racionalizar o exercício do poder punitivo estatal falharam, não se podendo, portanto, atribuir qualquer função positiva para as sanções penais. Tanto a pena como a medida de segurança são simples manifestações do poder punitivo destituídas de qualquer caráter preventivo ou repressivo. Desta forma, nenhuma diferenciação pode ser feita entre as mesmas tendo por base o fundamento que as legitimam.

Demais disso, é inverídica a afirmação de que a pena volta-se para o passado, enquanto as medidas miram apenas o futuro. Em realidade, a medida de segurança também atenta para o passado, já que não só sua aplicação, como também sua execução e duração são influenciadas por fatos pretéritos. Primeiramente, no que tange à imposição das medidas, estas, assim como as penas, têm como pressuposto fundamental a prática de um crime. Sem o prévio cometimento de um injusto penal não há que se falar em medida de segurança. Relativamente ao modo de execução, a gravidade do fato delituoso pretérito é de extrema relevância para se saber qual medida será aplicada, uma vez que, segundo dispõe o art. 97 do Código Penal , o juiz somente poderá submeter o autor do fato a tratamento ambulatorial caso o fato delituoso por ele praticado seja punido com detenção, nunca com reclusão. Por fim, no que pertine à duração das medidas de segurança, esta é diretamente influenciada pela prévia ocorrência de prisões provisórias ou administrativas, bem como por internações anteriores em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, eis que, nos termos do art. 42, CP, o tempo em que o indivíduo ficou nos referidos estabelecimentos será computado não apenas na pena privativa de liberdade, mas também nas medidas de segurança.

Também não procede a colocação segundo a qual somente a pena teria caráter aflitivo. De fato, o tratamento “daquele que se revelou perigoso para a sociedade”, sob a forma que é prevista em nosso ordenamento, pressupõe a privação de inúmeros direitos fundamentais da pessoa que será tratada. Desse modo, não há como negar o caráter aflitivo das medidas de segurança, até porque, qualquer interferência estatal na esfera pessoal do indivíduo gera para este aflição. Neste sentido, em brilhante artigo sobre a matéria, assim se manifestou Luiz Flávio Gomes:

“As medidas de segurança, em suma, tal como a pena, implicam na privação ou restrição de direitos fundamentais da pessoa. Como se vê, fazendo-se abstração do sentido ou finalidade das penas e das medidas, elas se identificam dentre outros, neste ponto: possuem ambas caráter aflitivo, é dizer, é da essência delas a privação ou restrição de direitos fundamentais”.

Quanto ao fato de a pena ter como fundamento a culpabilidade e a medida de segurança, a periculosidade, duas críticas poderão ser formuladas. Em primeiro lugar, não é verdade que o juízo de periculosidade seja relevante apenas para as medidas de segurança. Em diversas situações a jurisprudência tem se valido da noção de periculosidade no âmbito da aplicação das sanções penais para imputáveis. Isto ocorre, por exemplo, quando se quer aplicar pena mais grave, negar progressão de regime, ou fixação em regime mais benéfico, negar a concessão de liberdade provisória … Demais disso, a própria utilização do juízo de periculosidade, seja em sede de pena ou de medida de segurança, já é, em si mesmo, criticável. Com efeito, tal juízo é algo extremamente aleatório, uma vez que não se pode antever com segurança o futuro do homem. A quantidade de mal que se pode esperar de um indivíduo e a probabilidade de que o mesmo venha a cometer novos delitos é insuscetível de verificação precisa, e por isso a sua liberdade não pode ficar sujeita a tal juízo de prognose futura empiricamente indemonstrável.

Por fim, no que toca à indeterminação temporal das medidas de segurança, dúvida não há de pairar acerca da flagrante inconstitucionalidade do § 1° do art. 97, do CP, e da total impossibilidade de utilização deste aspecto para diferenciá-las das penas.

Conforme já salientado acima, tanto a pena como a medida de segurança implicam privação ou restrição de direitos fundamentais da pessoa, sendo inegável o caráter aflitivo em ambos os casos. Assim, torna-se imperiosa a necessidade de se limitar a intervenção estatal na esfera de liberdade individual também nos casos de aplicação de medida de segurança, eis que não pode o enfermo mental “delinqüente” estar sujeito a condições piores do que o mentalmente são que comete um delito, até porque, não existe qualquer razão para supor que aquele tenha maior probabilidade de delinqüir do que este. Sobre este tema, lúcida novamente é a lição de Luiz Flávio Gomes, para quem,”em verdade, penas e medidas são diferentes mais na aparência que na essência; constituem, ambas, “medidas de defesa social”; não passam de duas formas de controle social, por isso que a jurisprudência alemã já tende a não ver diferenças entre elas. Exatamente por que constituem formas de controle social, devem obviamente ser limitadas, regulamentadas. E por que substancialmente configuram formas de invasão do poder estatal na liberdade do Homem, todas as garantias que cercam as penas valem automaticamente para as medidas de segurança.” Desta forma, impõe-se reconhecer que todos os irrenunciáveis princípios e garantias do Estado Democrático de Direito relativos às penas têm inteira aplicação nas medidas de segurança, incluindo-se aí a vedação insculpida no art. 5°, XLVII, da Constituição federal, que proíbe peremptoriamente a aplicação de penas de caráter perpétuo. Logo, dessoa cristalina a inconstitucionalidade do Código Penal na parte em que estabelece, de maneira infeliz, a indeterminação das medidas tratamentais.Demais disso, como se não bastasse a flagrante violação ao texto constitucional acima apontada, a aplicação literal do § 1° do art. 97 do Código Penal gera um paradoxo alarmante. De fato, nos termos do parágrafo único do art. 96 do CP, em caso de ocorrência de qualquer causa extintiva de punibilidade, o Estado não poderá mais impor e executar as medidas tratamentais, inclusive aquelas que já estejam sendo impostas. Ocorre, contudo, que dentre as causas extintivas de punibilidade o Código Penal prevê, em seu art. 107, IV, a prescrição, e é exatamente neste ponto que reside a incongruência. Com efeito, com exceção das hipóteses em que a Constituição estabelece a imprescritibilidade de determinados delitos (art. 5°, XLII e XLIV), se o Estado não iniciar a execução da medida de segurança dentro de certo tempo, seja lá por que motivo for, não poderá mais fazê-lo. Neste caso, leva-se em consideração um tempo pré-determinado para a imposição da sanção. De outro lado, se iniciado o tratamento, a medida passa a ser indeterminada, não havendo mais qualquer limite temporal. Ora, qual seria a razão para esta diferenciação? Se a medida de segurança é um tratamento ministrado pelo Estado em benefício do próprio réu, por que impedi-lo de agir após o transcurso de determinado tempo? Por que aplicar o instituto da prescrição, que é qualificada como a perda do direito de punir em razão da inércia do Estado , a uma medida que é tida como não punitiva? Por que também o agente não poderia se submeter, a qualquer tempo e de maneira voluntária, a este “benefício assistencial” que o Estado lhe outorga? Por que exigir a observância do processo legal criminal para a aplicação de uma medida “benéfica” ao réu?

Portanto, tendo em vista tudo que foi aqui exposto, e, em especial, a fragilidade de todos os argumentos até então utilizados para distinguir a pena privativa de liberdade das medidas de segurança, e também em virtude da ausência de respostas plausíveis às questões acima colocadas, impõe-se reconhecer, como já afirmado outrora, a inexistência de qualquer diferença ontológica entre as mesmas, devendo o intérprete e o operador do direito dispensar o mesmo tratamento para ambas. Esta postura é fundamental para que as garantias democráticas, conquistadas a duras penas, deixem de ser mera utopia irrealizável e passem, efetivamente, a irradiar seus efeitos sobre todas as relações travadas no meio social.

III – FINS E FUNDAMENTOS DAS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DO DELITO

O capítulo que ora se inicia tem por objetivo analisar criticamente as diversas teorias até então utilizadas para justificar as conseqüências jurídicas do delito, que são entendidas como as reações jurídicas aplicáveis à prática de um injusto punível. Assim, serão investigados quais os fundamentos que permitem “que um grupo de homens, associados no Estado, prive de liberdade alguns de seus membros ou intervenha de outro modo, conformando suas vidas”. Antes, contudo, impõe-se uma observação. Conforme já ficou assentado no capítulo antecedente, a privação de liberdade e a medida de segurança deverão ser objeto de tratamento uniforme, não se podendo fazer qualquer distinção entre ambas. Por isso, o que for dito em relação à pena privativa de liberdade valerá também para as medidas tratamentais, e vice-versa.Inicialmente, cumpre salientar que a investigação dos fins da pena transcende do direito penal propriamente dito, pertencendo tal atividade investigativa, na sua essência e fundamentos, à Filosofia Jurídica. Nela inexoravelmente se refletem as concepções dominantes em determinado momento histórico sobre a sociedade e o homem.

A despeito de tal constatação, não se pode negar sua relevância na construção do Direito Penal e de seus diversos institutos. Até porque, como bem salienta Aníbal Bruno,”o que o legislador julgue dever ser a pena, os seus fundamentos e objetivos irá determinar a linha inteira de orientação do sistema penal. Por isso, hoje voltam essas conclusões a impor-se aos penalistas, dando-lhes a razão final porque divergem as correntes em que se divide o pensamento jurídico-penal”.

Assim, verifica-se que, ao se tentar estabelecer justificações e finalidades para as sanções criminais, deseja-se, em realidade, buscar saber de que maneira tais sanções devem produzir seus efeitos para que o Direito Penal possa cumprir com sua missão. Como bem observa Roxin, a teoria do fim da pena confunde-se com a própria teoria do fim do Direito Penal , tendo surgido basicamente, desde a antiguidade, três teorias fundamentais que se preocuparam em estabelecer um fundamento para o direito de punir do Estado. Tal constatação será de extrema relevância para a crítica que a seguir se procederá. Passemos, então, para a análise de tais teorias.

3.1 – Teorias Morais

Estas teorias (também chamadas de Teoria da Retribuição, Teoria da Justiça, ou ainda Teoria da Expiação) , diferentemente das teorias utilitárias, não vislumbram na pena qualquer finalidade socialmente útil. Para seus defensores, sua imposição se inspira em um sentimento de justiça , devendo a mesma ser aplicada como retribuição pelo mal causado pelo autor do injusto penal. A pena funciona como forma de expiação da culpabilidade do agente pelo fato por ele cometido.Com efeito, esta concepção da punição como compensação pelo mal causado tem sua origem na antiguidade, sendo uma decorrência do próprio princípio de Talião: “Olho por olho, dente por dente”. Inicialmente, tal princípio foi considerado um grande avanço da civilização, vez que criou parâmetros sólidos para evitar excessos, seja no exercício do direito de vingança privada (em um primeiro momento), seja para coibir arbitrariedades no exercício, pelo Estado, de seu ius puniendi (em etapa histórica posterior). Assim, criou-se a noção da “pena justa”, que seria aquela cuja duração e intensidade corresponderiam exatamente à gravidade do delito cometido. As Teorias Morais – que em razão de sua desvinculação com qualquer fim socialmente relevante são também denominadas “Teorias Absolutas” (lat. Absolutus = desvinculado) – oferecem aspectos variados, e por isso seu estudo requer a análise especificada de cada uma das diversas correntes que as compõem.

3.1.1 – Teoria do Contrato Social

Sua origem está em Grócio, porém seu pleno desenvolvimento só ocorreu com Jean Jacques Rousseau (na França), Thomas Hobbes (na Inglaterra), Fichte (na Alemanha) e Beccaria (na Itália).Sucintamente, pode-se resumir os postulados desta teoria em duas assertivas básicas: a) O direito de punir e o direito de defesa pertenciam originariamente ao indivíduo (no “estado da natureza”), mas este, ao ingressar na sociedade para nela viver, os transfere ao poder central (Estado). b) Os homens, compreendendo que não poderiam viver sem a existência de normas abstratas de conduta, e que estas só seriam eficazes se estabelecessem sanções em caso de descumprimento, cedem ao Estado, ao ingressar no “pacto social”, o direito de punir-lhes em caso de violação das mesmas .Assim, para seus adeptos, o Estado, instituído a partir da noção do “pacto social”, só pode privar o indivíduo do exercício de seus direitos caso este viole, intencionalmente ou por negligência, alguma “cláusula” do “Contrato Social”. Em ocorrendo isto, o malfeitor se converte em rebelde e traidor da pátria, e por isso deve ser destituído de todos seus direitos como cidadão. A pena, desta forma, é tida tão somente como retribuição pela inobservância dos preceitos do “pacto social”, sendo secundários quaisquer efeitos preventivos resultantes de sua aplicação. Entende-se que “o dano produzido por alguém não deve recair sobre toda a comunidade, mas sim apenas sobre aquele que o produziu”.

3.1.2 – Teoria da Retribuição Divina

Segundo seus defensores, o crime é concebido como uma infração às leis divinas, e o direito de punir se exerce por delegação divina do direito de castigar, sendo os soberanos os representantes de Deus sobre a Terra. A pena, de conseguinte, deve ser encarada tão somente como uma reação àqueles que atentem contra os mandamentos de Deus, sendo uma oportunidade de expiação pelo mal divino, que conduz a redenção do criminoso . Desta maneira, não se vislumbra qualquer finalidade especial em sua aplicação, devendo ser considerada apenas uma manifestação da justiça divina.

3.1.3 – Teoria da Retribuição Expiatória

Para seus sistematizadores, dentre os quais se destaca Joseph Kohler, a sanção penal se fundamenta na força da expiação e da purificação pelo sofrimento. Assim, sobre o agente que, dotado de livre arbítrio, dirige sua ação com a finalidade de violar os mandamentos sociais, recai um juízo de culpabilidade, e este juízo inexoravelmente conduz a necessidade de sua purificação, que só será alcançada através da dor e do sofrimento por ele suportado durante o cumprimento da pena. Diante disso, propõe-se que o preso deve exercer um trabalho monótono, fatigante, enervante, e seu repouso deve ser breve. Os alimentos ministrados devem ser escassos e de má qualidade. Inversamente do que ocorria no sistema progressivo, Guillermo Sauer, um dos defensores de tal corrente de pensamento, entende que a severidade do castigo deve se acentuar paulatinamente com o cumprimento da pena, já que o criminoso não suportaria acaso fossem impostos todos os sofrimentos desde o início de sua execução.

3.1.4 – Teoria da Retribuição Moral

Como todas as demais teorias morais, a corrente ora estudada também fundamenta a existência da pena unicamente em virtude do delito praticado.De acordo com Emanuel Kant, seu maior expoente, a sanção penal decorre de uma necessidade ética, de uma exigência absoluta de justiça . Em seu livro “La metafísica de las costumbres” (1798), Kant busca fundamentar as idéias de retribuição e justiça como leis inviolavelmente válidas, demonstrando sua prevalência sobre todas as concepções utilitaristas.

Assim, ao criticar estas teorias, ele afirma que jamais o ser humano pode ser utilizado como instrumento para o alcance de fins sociais. Isto implicaria afronta à dignidade humana do delinqüente, que seria reduzido à condição de objeto de direito, equiparando-se às coisas. Desta forma, a pena deve existir não porque seja útil, mas sim porque a razão o exige. O seu fim essencial não é a praticidade ou o resultado, pouco importando sua eficácia . Sua imposição não visa a coibir futuros crimes, mas decorre de uma exigência profunda da consciência humana, já que, segundo sua noção de imperativo categórico, o bem deve ser compensado com o bem, e o mal com o mal. No que tange à sua duração e intensidade, a sanção penal deve corresponder precisamente à gravidade do injusto praticado, ou como melhor explicita Zachariae, “como todo delito consiste num atentado contra a justa esfera de liberdade alheia, a sua punição, baseada no princípio retribucionista, deve privar o réu da mesma quantidade de liberdade”.

3.1.5 – Teoria da Retribuição Jurídica

De acordo com Hegel (que em seu livro “As Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito” sistematizou os principais postulados do retribucionismo jurídico), não se pode considerar a pena como um mal – conforme entendia Kant – nem como um bem – como defendiam os utilitaristas.

Com efeito, seria absurdo considerá-la um mal, por ser ilógico desejar-se um mal unicamente em razão da preexistência de outro mal. E ao mesmo tempo, também seria equivocado entendê-la como um bem, porque a questão central não estaria em qualificá-la como “bem” ou como “mal”, mas sim em examinar de que forma o direito deveria responder à lesão por ele sofrida para evitar a descrença na validade de suas normas.

Para Hegel, o cidadão, ao afrontar o interesse juridicamente tutelado, está, em última análise, negando a existência e a validade do ordenamento jurídico. Assim, faz-se necessário que tal ordenamento, negado pelo crime, seja reafirmado pela pena. O delito é a negação do direito, e a pena, como a negação desta negação, restabelece o direito violado.

Desta maneira, sua imposição decorre tão somente de uma necessidade dialética, fundada na exigência da não violação do direito como direito. Daí afirmar-se que esta teoria representa a “direção dialética da retribuição” .

3.1.6 – Críticas às Teorias Retributivas

Apesar de toda sua importância histórica, as teorias retributivas revelam-se absolutamente incompatíveis com os modernos princípios que regem o Estado Democrático de Direito, carecendo, portanto, de qualquer sustentação científica.

Com efeito, conforme já se afirmou em momento anterior, a concepção da punição como compensação pelo mal causado tem sua origem na antiguidade, sendo uma decorrência do princípio de Talião. Este postulado, apesar de sua importância inicial criando parâmetros para coibir arbitrariedades estatais no exercício do poder punitivo, já não pode mais ser adotado no contexto atual. A sua noção de “pena justa”, que pressupõe uma correspondência exata entre a pena e o mal provocado com o delito, além de indemonstrável empiricamente – já que entre o “mal” interior da culpa e o “mal” exterior não é possível se estabelecer uma verdadeira equação –, gera conseqüências absurdas, incompatíveis com a dignidade da pessoa do criminoso. Dentre tais conclusões, pode-se citar, por exemplo, a imposição da pena de castração para os autores dos crimes de estupro ou de rapto para fim libidinoso, a decretação da pena de morte para os homicidas, pois “só a morte seria igual a morte” , além de outras.Demais disso, não se pode olvidar que o Estado, como instituição humana que se legitima por receber seu poder diretamente do povo, e não de Deus, é totalmente incapaz de realizar a idéia metafísica de justiça, não podendo o mundo dos homens pretender realizar uma função própria de Deus.

Como se não bastassem tais críticas, verifica-se que a execução da pena baseada em postulados retribucionistas produz efeitos contrários à própria finalidade do Direito Penal moderno que é de alcançar a pacificação social através da proteção a valores essenciais. Em realidade, a sanção penal que parte do princípio da imposição de um mal demonstrou-se nociva à sociedade, já que, em vez de “purificar o criminoso” (conforme apregoava a Teoria da Retribuição Expiatória) e pacificar os conflitos sociais, fomenta ainda mais os impulsos criminosos do apenado .

Aliás, a própria noção de expiação esbarra em argumentos intransponíveis. Primeiramente, a possibilidade de remição de um mal (o delito) mediante a imposição de outro mal (a pena) depende da crença ou da fé de cada indivíduo, não podendo ser imposta pelo Estado aos seus cidadãos. Além disso, como bem constatou Roxin, “com la expiación se piensa a menudo que el autor acepta interiormente la pena como justa compensación de la culpabilidad, que asimila moralmente su comportamiento delictivo, se purifica y recobra por dicha expiación su integridad humana y social. Naturalmente, todo esto es deseable. Pero no puede servir para justificar la pena retributiva, pues una vivencia expiatoria de este tipo, que en la realidad se da muy raras veces, constituye un acto moral autónomo de la personalidad, que no puede imponerse a la fuerza y que, por lo demás, puede ser motivado muchísimo mejor por una pena que no retribuya, sino que ayude”.

Assim, na fase atual em que se encontra o Estado Moderno, dúvida não há de pairar acerca da inadmissibilidade de qualquer tentativa de legitimação ética, teológica ou metafísica do poder punitivo. Como já asseverava Tobias Barreto desde o século passado, “o fundamento do Direito de Punir não é filosófico, nem jurídico, mas político”. Neste sentido tem se manifestado majoritariamente a melhor doutrina, como se pode constatar da lúcida lição de Figueiredo Dias, que assim se pronunciou:”não pode hoje, em verdade, deixar de reconhecer-se a incompatibilidade absoluta entre a idéia de Estado democrático e social, inevitavelmente secularizado e pluralista, e a imposição de penas em nome de exigências absolutas de retribuição e expiação”.

3.2 Teorias Utilitárias

As correntes utilitárias, diferentemente das retribucionistas, partem da idéia de que o Estado, enquanto ente abstrato criado para a proteção da sociedade, só está legitimado a restringir a liberdade de seus integrantes se a medida por ele adotada puder alcançar uma finalidade socialmente útil. Neste sentido, seus teóricos constroem a noção do “prevencionismo” segundo a qual o fundamento racional para a aplicação de sanções penais está na necessidade de coibir a prática de futuros delitos (punitur ut ne peccetur) . Por isso, estas teorias são também conhecidas como “relativas”, pois se referem a um fim de prevenção de delitos (“relativo” vem do latim referre = referir-se a). A pena, nesse passo, é encarada não como um mal a ser suportado por aquele que cometera um delito, mas sim como algo positivo, já que, por meio de sua imposição se busca não só impedir, através de um processo de ressocialização, que o autor do injusto cause novos danos aos seus concidadãos, mas também evitar que os demais integrantes da sociedade o imitem (efeito intimidativo da pena). Assim, o crime deixa de ser concebido como o pressuposto e a razão de ser da pena, como defendiam os adeptos das teorias absolutas. No que tange à origem dessa idéia de pena finalista, a formulação mais antiga costuma ser atribuída a Sêneca que, invocando a idéia de Protágoras de Platão, formulou o argumento essencial de todas as teorias relativas: “Nam, ut Plato ait: nemo prudens punit, quia peccatum est, sed ne peccetur…” (“Pois, como disse Platão: Nenhum homem sensato castiga porque se tenha pecado, mas sim para que não se peque…”). Posteriormente, sob a influência dos princípios filosóficos do iluminismo que se contrapunham ao Estado Absolutista, Beccaria, ao iniciar o movimento renovador do direito penal da Itália a partir da construção do Direito Penal como ciência autônoma, adotou as doutrinas do contrato social e da utilidade da pena. Para ele,”é preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência”. Em momento histórico mais recente, as teorias utilitaristas ganharam novo fôlego com o advento da Escola Positivista Italiana e da Jovem Escola Alemã.De efeito, os positivistas italianos, ao contestarem a legitimidade da idéia de retribuição, passam a defender que a pena seja encarada não como castigo, mas sim como meio de inocuização e de correção do delinqüente, sendo um instrumento de defesa social contra a criminalidade.Já os teóricos das chamadas “correntes modernas de Alemanha”, cujo maior expoente fora Von Liszt, afirmam que a sanção penal, sem perder sua função preventiva geral, através da intimidação, deve objetivar primordialmente a reinserção social do delinqüente. Desta forma, arquiteta-se a noção de defesa social como o fim precípuo da pena, devendo todo sistema jurídico penal ser construído com o fito de prevenir a ocorrência de fatos definidos como crimes, seja por meio da prevenção geral, que atua sobre toda a comunidade, seja por meio da prevenção especial, cujo objetivo é evitar a reincidência criminosa. A seguir, serão analisadas essas duas principais vertentes das teorias relativas.

3.2.1 – Teoria da Prevenção Geral

O advento das concepções iluministas, que se opuseram aos princípios regentes do Estado Absolutista, foi fundamental para o desenvolvimento da teoria em estudo. Sua noção de homem racional, que a todo momento poderia comparar calculadamente as vantagens e desvantagens da realização do delito e das suas conseqüências jurídicas, foi pressuposto lógico e necessário para que se pudesse sistematizar uma nova justificação para a imposição das sanções penais. Nesse passo, cumpre, inicialmente, salientar que a teoria da prevenção geral se subdivide em dois aspectos, o negativo e o positivo.A teoria da prevenção geral negativa, também denominada intimidação, tem como grande precursor Anselmo Von Feuerbach, com sua “teoria da coação psicológica”.Para Feuerbach, que é por muitos considerado como o fundador da moderna ciência de Direito Penal Alemão , apenas através do Direito Penal é possível encontrar solução para o problema da criminalidade, não sendo necessário qualquer outro recurso.Sua construção teórica parte do princípio de que, como o interesse máximo e o fim específico do Estado é impedir violações ao direito, deverão ser criadas instituições cujo objetivo primordial seja coibir a prática de delitos em geral. Para ele, a simples utilização da coação física não é suficiente para alcançar tal finalidade preventiva geral. Isto só pode ser conseguido por meio de uma coação psicológica que seja igualmente exercida sobre todos os integrantes da sociedade. Na sua concepção, a pena é imposta não mais como mero castigo àquele que delinqüiu, mas sim como ameaça do ordenamento jurídico aos indivíduos para que se abstenham de cometer delitos. É uma verdadeira “coação psicológica” com a qual se busca evitar o cometimento de novos crimes. Nela, conforme observa Roxin,”se imaginaba el alma del delincuente potencial que había caído en la tentación como un campo de batalla entre los motivos que le empujan hacia el delito y los que se resisten a ello; opinaba que había que provocar en la psique del indeciso unas sensaciones de desagrado, que hiciesen prevalecer los esfuerzos por impedir la comisión y, de esta manera, pudiesen ejercer una coacción psíquica para abstenersede la comisión del hecho”. Em realidade, o pensamento de Feuerbach baseia-se em duas idéias básicas: a idéia da intimidação ou da utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do ser humano, que, diante da ameaça da pena, inevitavelmente reprimiria seus impulsos criminosos. Insta salientar, contudo, que para lograr alcançar tal finalidade preventiva, não basta a simples cominação em abstrato da sanção penal. Esta inexoravelmente deve vir acompanhada da certeza de sua execução em caso de transgressão da norma penal incriminadora. Em outros termos, o efeito intimidatório da pena só será eficaz se sua execução for rápida e efetiva. Paralelamente a essa concepção negativa, que recebe tal denominação por entender a pena como forma de causar temor aos potenciais delinqüentes, surge a visão positiva da prevenção geral, caracterizada pela noção de respeito e revalorização do ordenamento jurídico.A origem de tal corrente doutrinária advém da noção da sociedade como corpo social orgânico, e do delito como uma manifestação patológica de um membro deste corpo. Conforme relata Eduardo Reale Ferrari,”a teoria da prevenção geral positiva teve início na Escola Funcionalista, com Durkheim. Segundo esse autor, o delito é um fenômeno normal da sociedade, exceto quando ultrapassados certos limites, faz parte da fisiologia social e somente seus excessos podem ser vistos como patológicos. A pena serviria para manter a coesão social e a consciência comum, mantendo a solidariedade social e atingindo-se o objetivo da defesa social; proteger a sociedade mediante a expiação da culpa”. Em poucas palavras, pode-se resumir o pensamento preventivo geral positivo como sendo aquele que enxerga na pena, e, porque não, no Direito Penal, a função de conservação e o reforço da confiança na firmeza e poder de execução do ordenamento jurídico. Em outros termos, a sanção penal, segundo seus adeptos, constitui uma forma de afirmação simbólica das normas jurídicas, que favorece o processo de integração social através do restabelecimento da confiança da comunidade no direito violado.Demais disso, além deste efeito positivo da pena consistente na revalorização do ordenamento jurídico, os adeptos desta corrente defendem ainda a existência de outros dois efeitos e finalidades. O primeiro, mais relacionado com sua execução, e o segundo, com sua cominação, estando os três interligados entre si. Assim, tem-se, de um lado, a pacificação social que se produz quando a consciência jurídica geral se tranqüiliza em virtude da sanção aplicada , e de outro, a função educativa que o Estado exerce ao se cominar uma sanção penal, uma vez que tal cominação criaria na consciência dos indivíduos um juízo de valor sobre os interesses considerados essenciais para a manutenção da paz social. Apesar de sua ampla aceitação no seio doutrinário e jurisprudencial, a teoria da prevenção geral, tanto no seu aspecto negativo, como no positivo, revela-se absolutamente inconciliável com os modernos princípios que regem o Estado Democrático de Direito. De fato, esta teoria vem sendo objeto de severas críticas por parte de respeitável setor doutrinário, e, em razão de sua relevância, faz-se mister seu estudo em capítulo apartado.

3.2.2 – Críticas à Teoria da Prevenção Geral Negativa

Os sistematizadores da prevenção geral partiam da noção de que a ameaça da pena produziria no indivíduo uma espécie de motivação para não cometer delitos. Contudo, ressaltavam que sua simples cominação legal não era suficiente, sendo necessário que esta fosse executada de forma rápida e séria. Somente através do binômio “cominação penal e execução da pena” seria possível alcançar efetivamente o efeito supra citado. Entretanto, como é de notória sabença, a grande maioria dos destinatários das normas penais não tem conhecimento de sua existência, sendo, portanto, equivocado falar-se em efeito inibitório em relação a estas pessoas. Além disso, mesmo dentre aqueles que possuam tal conhecimento, há alguns que, em virtude da linguagem especial que é utilizada na sua elaboração, não compreendem seu conteúdo e significado, restando também comprometida a aludida eficácia entre estes últimos indivíduos.Ademais, percebe-se também que a própria necessidade de rápida execução da pena cominada corrobora para a constatação de falência da teoria em comento, já que, não obstante o grande número de pessoas presas e processadas, se for considerada a quantidade real de “fatos puníveis” que acontecem a todo instante, verificar-se-á que só rara e excepcionalmente um injusto praticado chega ao sistema penal. Demais disso, seus teóricos ignoram dado importante da psicologia do delinqüente, que é sua convicção de que não será descoberto. Diante desta constatação, percebe-se que o pretendido temor que a sanção penal deveria produzir sobre a comunidade em geral não é suficiente para impedir a futura realização de atos delitivos. Outro fator relevante a ser considerado é que a criminalização, no seu processo de seleção ao qual alude Zaffaroni, ao eleger determinadas condutas, não exemplariza dissuadindo do delito, mas sim funciona como estimulante à criminalidade criativa do delinqüente que, como regra de sobrevivência, deve elaborar com maior perspicácia sua obra delituosa. Em outras palavras, a efetiva seletividade na execução das sanções penais demonstrou não só a ineficácia de seus objetivos intimidatórios, como também revelou serem estas fontes propulsoras de maior elaboração delituosa. Um bom exemplo da ineficiência intimidatória das majorações das penas privativas de liberdade foi verificado com o advento da Lei dos crimes Hediondos, uma vez que a transformação de determinados delitos em crimes hediondos em momento algum logrou diminuir sua incidência prática. Demais disso, como se não bastasse tal frustração no alcance do seu escopo inibitório inicial, o rigoroso tratamento conferido a alguns crimes considerados hediondos tem sido objeto de severas críticas doutrinárias, mormente pela desproporcionalidade entre a lesão ao bem jurídico afetado e as conseqüências jurídicas do delito.

Exemplo claro de tal afirmação pode ser extraído da simples análise do art. 273, § 1º-A, do Código Penal Pátrio, que, ao equiparar a falsificação de meros cosméticos a de medicamentos, sujeita o falsário de um “mero baton”, por exemplo, a uma pena de 10 a 15 anos, com todos os rigores estipulados na Lei dos Crimes Hediondos.Tal possibilidade não restou desapercebida pela sensibilidade jurídica de Aníbal Bruno, que, muito antes do advento da Lei supracitada, afirmou, com sua clareza peculiar, que:

“…a idéia da intimidação pode conduzir a efeitos pertubadores, quando, com o fim de aumentar a sua força, recorre-se à exarcebação da pena, que antes inclina à violência do que à conformação com uma ordem de Direito. Posto em relação com a idéia de exemplariedade, que se vale do temor dos castigos como propulsão ao respeito da norma, o propósito da intimidação facilmente faz incorrer no erro de abandonar a medida da justiça, já de si incerta e arbitrária, e cair em rigores e iniqüidades que esquecem a consideração da natureza do homem. Esses excessos e injustiças na punição degradam os costumes, embrutecendo os indivíduos e provocando sentimentos de revolta contra a lei e a autoridade”.

Na verdade, esta teoria também se equivoca ao não distinguir os efeitos produzidos pelo direito em geral e por toda ética social daqueles que resultam do poder punitivo estatal propriamente dito. Grande parte das pessoas não pratica condutas aberrantes e ofensivas por motivações morais ou mesmo jurídicas, mas que nada tem que ver com o medo provocado pela eventual incidência da sanção penal. Há, em realidade, uma intimidação que resulta da cominação de sanções éticas e jurídicas não-penais, sendo esta sim que efetivamente exerce influência no comportamento humano.

Além disso, seus adeptos ignoram a total irrelevância do efeito ameaçador da pena em determinadas formas de criminalidade. Crimes que costumam ser praticados por fanáticos – como atentados terroristas –, ou cujos autores são motivados por vantagens patrimoniais astronômicas – como grande parte dos crimes econômicos –, ou ainda os que são praticados em situações pouco propícias à reflexão racional sobre a ameaça da pena – como os homicídios passionais em geral – são cometidos por pessoas que em momento algum serão persuadidos a não delinqüir em razão do suposto efeito dissuasivo da sanção penal. Acrescenta-se ainda que a irrestrita adoção das premissas que embasam tal doutrina da intimidação resultará inexoravelmente em danos irreparáveis aos pilares sobre os quais se edifica o Estado Democrático de Direito.

Com efeito, a lógica da dissuasão intimidatória legitima a imposição de sanções criminais cada vez mais severas, até que se alcance o temor necessário para a diminuição dos índices de criminalidade. Contudo, diante da constatação de que a plena dissuasão jamais restaria satisfeita, outro não seria o resultado da aludida lógica senão o da cominação da pena de morte para todos os crimes.

Tal assertiva é empiricamente demonstrável através da influência exercida pelo movimento da lei e da ordem nos Estados Unidos, uma vez que, a despeito da cominação de penas mais rigorosas durante mais de uma década, o número de delinqüentes só fez aumentar, sendo sua atual população carcerária superior a dois milhões de presos.

Neste contexto, a pena deixaria de ser proporcional ao injusto cometido, passando a ser medida a partir de fatores metajurídicos, como a maior ou menor temibilidade que uma sanção poderia provocar nos membros de uma comunidade. Tal fato ofenderia flagrantemente princípios penais fundamentais, como o princípio da culpabilidade, que dispõe que a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, e também o da proporcionalidade das penas, segundo o qual a pena deve estar adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito.

Além disso, sua execução resultaria na utilização do ser humano como instrumento usado pelo Estado para alcançar seus próprios fins, deixando a pessoa humana de ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico. Isto implicaria uma flagrante violação da máxima Kantiana segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado como um fim em si mesmo e nunca como um meio, até porque o ser humano precede o Direito e o Estado, que apenas se justificam em razão dele, e não o contrário. Desta maneira, à vista do exposto, dúvida não há de pairar acerca da total incompatibilidade da teoria da prevenção geral negativa com os modernos princípios constitucionais que regem nosso sistema, em especial o princípio da proporcionalidade das penas, o da culpabilidade, e o da dignidade da pessoa humana, que representa o epicentro axiológico da ordem constitucional que irradia seus efeitos sobre todo o ordenamento jurídico.

3.2.3 – Críticas à Teoria da Prevenção Geral Positiva

No que toca ao aspecto positivo da prevenção geral, este, apesar de sustentar-se em dados mais reais e concretos que a corrente supracitada, também não resiste a uma análise mais aprofundada, até porque, como bem ressalta Zaffaroni, “as duas versões da prevenção geral não se encontram tão distantes” nas suas conseqüências.

Uma primeira crítica que pode ser levantada contra tal doutrina consiste na sua inaptidão para reforçar os valores jurídicos daqueles não selecionáveis no processo de criminalização secundária.

Em realidade, é inegável que, ao exprimir reprovação a uma conduta, o Estado exerce uma função educativa, fortalecendo na coletividade um juízo de valor positivo sobre os interesses tutelados.

Entretanto, tal função de aprendizagem é ineficaz em relação aos invulneráveis, uma vez que o sistema penal, ao recair apenas sobre os “menos dotados”, permite-lhes prosseguir na atividade delitiva, fortalecendo-lhes não os valores que negam, mas sim sua imunidade perante o poder punitivo.

Além disso, ao impor a prevalência de seus valores, que em última análise são valores de uma ínfema parcela da população que detém o poder, o Estado desconsidera o direito fundamental do indivíduo de ser diferente, fazendo tâbula rasa do pluralismo cultural em que se baseia o moderno regime democrático.Outro aspecto criticável nesta corrente de pensamento consiste no fato de que, ao se adotá-la, o sistema jurídico-penal se transforma no principal interesse a ser tutelado pelo Estado. A uma conduta criminosa será necessária a imposição de uma pena somente se dela a comunidade tiver conhecimento, pois apenas nestes casos restará lesionada a confiança em tal sistema. De conseguinte, crimes banais conhecidos, habitualmente praticados em nossa sociedade, devem ser punidos com rigor, pois a reincidência delituosa e sua ampla divulgação abalam mais intensamente a crença na validade das normas. Já outros crimes mais graves, por se manterem ocultos, não devem ser objeto de preocupação do Direito Penal.

Isto, sem dúvida alguma, viola o princípio constitucional da culpabilidade, já que a medida da pena, segundo esta concepção, não será aquela adequada ao aludido princípio, mas sim a que seja necessária para restabelecer a confiança ameaçada pelo injusto praticado. O seu quantum não dependerá de algo relativo à pessoa do delinqüente, mas sim do maior ou menor abalo que sua conduta provoca na crença geral de validade do ordenamento jurídico.

A esta constatação associa-se uma outra, igualmente alarmante, e dela indissociável, que tem passada desapercebida pela dogmática atual.

Como se sabe, é notória a capacidade das agências de comunicação de manipular a opinião pública, impondo seus valores e interesses privados, que normalmente coincidem com aqueles pertencentes à classe dominante – até porque seus administradores, em sua maioria, dela fazem parte. Destarte, tais agências, através de um discurso levado a efeito para atemorizar a população, poderão criar um sentimento de insegurança e descrença nas instituições penais de molde a justificar a imposição de penas mais severas para que seja mantida a “coesão social” e reforçada a validade do ordenamento jurídico. Em outras palavras, as conseqüências jurídicas do delito serão facilmente manipuladas segundo os interesses setoriais e momentâneos de uma camada social dominante.

Por fim, ressalta-se que a sanção penal aplicada, ao contrário do que muitos pensam, sequer logra alcançar a almejada pacificação social. Na realidade, para que isto fosse possível, seria preciso que grande parte das condutas delituosas fosse efetivamente acompanhada de uma punição célere e eficaz, que sopitasse de imediato a indignação provocada na comunidade pelo fato praticado.

Contudo, conforme já se expôs em momento anterior deste trabalho, apesar do grande número de pessoas presas e processadas, caso se considere o montante real de “fatos puníveis” que ocorrem a toda hora, verificar-se-á que apenas excepcionalmente o autor de um crime praticado é sancionado penalmente. Desta forma, diante da inoperância do sistema penal, que só alcança alguns poucos infortunados, não há como subsistir tal tese da pacificação social.

Assim, à luz das críticas até agora expostas, percebe-se que a Teoria da Prevenção Geral Positiva, seja no seu aspecto de reafirmação do ordenamento jurídico, seja no seu aspecto educativo, ou ainda no seu aspecto de pacificação social, demonstrou-se inconciliável com as bases dogmáticas sobre as quais se alicerça a sociedade atual, já não podendo mais se sustentar como meio idôneo para legitimar o direito de punir estatal.

3.2.4 – Teoria da Prevenção Especial

A prevenção especial, ao contrário do que se sucede com a prevenção geral, dirige-se apenas à pessoa do delinqüente, objetivando coibir a reincidência delituosa. O delito passa a ser entendido não apenas como uma violação à ordem jurídica, mas sobretudo como um dano social, e o infrator da norma penal representa um perigo social (um anormal), que põe em risco a nova ordem.

Conforme já visto em momento anterior, a noção preventivo-especial remonta à época de Platão. Esta visão da sanção penal, que por muito tempo ficou esquecida em razão do prestígio das teorias retribucionistas, foi reavivada, no final do século XVIII, por Grolmann e sua teoria da prevenção especial mediante a intimidação. Para ele, que segundo parte da doutrina é considerado o mais genuíno postulante desta doutrina , a finalidade primordial da pena é a defesa social, e esta somente pode ser alcançada de duas formas: suprimindo do delinqüente a possibilidade física de cometer delitos (segregação), e através de sua intimidação.

Contudo, a despeito de sua contribuição para a sistematização da teoria preventiva especial, somente no século XIX, com o advento do positivismo jurídico e da Escola de Von Liszt , esta corrente de pensamento ganhou prestígio e aceitação, influenciando os principais ordenamentos jurídicos do século XX.Mais recentemente, diversas teorias adotaram esta postura preventivo-especial, como por exemplo a Escola da Defesa Social, de Marc Ancel, na França, e a Escola Correlacionista, de inspiração Krausista, na Espanha.

Da mesma maneira que a prevenção geral, a teoria em comento se subdivide em duas vertentes, quais sejam, a negativa e a positiva.

De acordo com os postulados da vertente negativa, o criminoso, por ser incorrigível, representa uma ameaça constante para o corpo social, devendo, portanto, ser inocuizado. A pena não visa a melhorá-lo, mas sim segregá-lo, sendo considerada um mal para a pessoa e, simultaneamente, um bem para a sociedade, que estaria garantida pela ausência do elemento ameaçador. Como exemplo marcante da influência desta corrente tem-se a adoção, por alguns países, das penas de morte e das prisões perpétuas. Cumpre salientar, no entanto, que esta segregação defendida por esta corrente de pensamento deve ser vislumbrada como medida excepcional, somente devendo ser estipulada em caso de absoluta impossibilidade de correção do indivíduo. Além disso, ainda no âmbito de seu aspecto negativo, considera-se também que a sanção penal possui uma função intimidatória, que recai não sobre a coletividade em geral, mas sim sobre o apenado, para que ele não cometa novos delitos.

Já no que tange à sua vertente positiva, a prevenção especial busca evitar a reiteração delituosa não mediante a inocuização do desajustado causador do crime, mas sim através de sua correção individual. O delinqüente, como ser destituído de livre arbítrio, age condicionado por fatores antropológicos, físicos e sociais. Desta forma, em face da ausência de culpabilidade, a pena retributiva deve ser substituída pela tratamental, buscando, mediante a ressocialização do condenado, evitar que este volte a delinqüir. Nesta concepção, que tem no idealismo positivista sua base fundamentadora, a sanção penal é encarada como um bem tanto para o indivíduo, como também para a sociedade em geral. Não é por outra razão que seus adeptos preferem falar em medidas e não em penas.

A tese preventivo-especial teve ampla aceitação dogmática, e, até hoje, é possível perceber sua influência nas mais variadas legislações e decisões jurisprudenciais. Tal constatação não passou desapercebida pela sensibilidade de Roxin, que com sua peculiar clareza assim se manifestou:

“Objetivos sobre todo de prevención especial se han expresado también reiteradamente en la reforma legislativa de la república Federal desde 1969. En el § 46 I 2 de la nueva Parte general se dice acerca de la determinación de la pena: hay que tomar en consideración las consecuencias que de la pena se pueden esperar para la vida futura del autor en la sociedad. Numerosas innovaciones del sistema de sanciones en la reforma legislativa de Alemania Occidental (…) sirven al fin de resocialización… Bajo el efecto de estas reformas, la jurisprudencia más reciente también há otorgado más amplitud que antes a la idea de resocialización”. A legislação brasileira também não descurou desta tendência atual ao prever, no artigo 1° da LEP, a prevenção especial como um dos objetivos a ser alcançado no processo de execução penal.

No entanto, a despeito de suas importantes contribuições, procedentes críticas lhe têm sido endereçadas. Conforme se verificará a seguir, a teoria em questão esbarra em barreiras intransponíveis, não podendo mais utilizada como meio hábil a legitimar a intervenção estatal na liberdade dos indivíduos.

3.2.5 – Críticas à Teoria da Prevenção especial

Primeiramente, a prevenção especial, na sua vertente negativa, ao fundamentar-se na noção de sociedade corporativa e organicista, leva ao extremo a idéia comum a todas as demais teorias utilitárias que é a defesa social, gerando conseqüências inaceitáveis no contexto atual.

Com efeito, para seus defensores, o verdadeiro interesse a ser tutelado é o “corpo social”, sendo “as pessoas meras células que, quando defeituosas e incorrigíveis, devem ser eliminadas.” Este postulado sem dúvida alguma afronta flagrantemente o princípio da dignidade da pessoa humana, invertendo-se a já citada máxima Kantiana segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano não é apenas parte integrante de um sistema, que deve ser sacrificado em prol da sua funcionabilidade. Ele é o ente mais importante, e para atender seus interesses é que a sociedade deve ser constituída, e não o inverso.

Além disso, cristalina é também a violação dos princípios da culpabilidade e da proporcionalidade das penas. Nesse passo, adotando-se os postulados supracitados, a medida da pena será determinada não em virtude da culpabilidade do autor ou da gravidade do ato por ele praticado, mas sim pela possibilidade ou não de sua reinserção na sociedade que outrora o marginalizou. De conseguinte, basta que se esteja diante de um criminoso habitual para que se faça necessária sua segregação, mesmo que os fatos praticados sejam de ínfima relevância, uma vez que a habitualidade criminosa, segundo Von Liszt, é o mais relevante indício da incorrigibilidade do delinqüente.

No que pertine ao aspecto positivo da prevenção especial, seus postulados, apesar de ainda amplamente aceitos por respeitável setor doutrinário, encontram-se, por diversos motivos, em franca decadência.

Inicialmente, a realidade prática demonstrou ser muito difícil promover a reintegração do indivíduo para a vida em sociedade, enclausurando-o numa penitenciária. Não se pode lograr alcançar a ressocialização com o uso de penas indeterminadas ou a colocação dos condenados à disposição de tratamento forçado estatal. Seu ambiente deteriorante muito contribui para fomentar seus impulsos criminosos, produzindo efeitos diametralmente opostos àqueles que se desejam lograr. Aliás, com argúcia e espírito de poucos, Eugênio Raul Zaffaroni assim se pronunciou sobre o tema:

“Se sabe que la prisión comparte las características de las instituciones totales o de secuestro y la literatura conicide en su efecto deteriorante, irreversible en plazos largos. Se conoce su efecto regresivo, al condicionar a un adulto a controles propios de la etapa infantil o adolescente y eximirle de las responsabilidades propias de su edad cronológica.(…) Los riesgos de homicidio y suicidio en prisión son mais de diez veces superiores que en la vida libre, en una violenta realidad de motines, violaciones, corrupción, carencias médicas, alimentarias e higiénicas y difusión de infecciones, algunas mortales, com más de cicuenta por ciento de presos preventivos. De este modo la prisionización se ejerce sin sentencia, en forma de pena corporal y eventualmente de muerte, lo que lleva hasta la paradoja la imposibilidad estructural de la teoría”.

Demais disso, descobriu-se que em certas situações, o autor do fato punível não precisa de intimidação, reeducação ou inocuização, pois não há qualquer possibilidade de reincidência, o que, nestas hipóteses, levaria a impunidade do autor. Tratando do assunto, Roxin averbou que:

“Este problema no sólo surge com muchos autores de hechos imprudentes y com autores ocasionales de pequeños delitos, sino también com personas que han cometido delitos graves, pero en los no existe peligro de reincidencia porque el hecho se cometió en una situación de conflicto irrepetible, o cuando las distintas circunstancias temporales hacen imposible su nueva comisión. Cómo va a justificarse desde un punto de vista de prevención especial, por ejemplo, el castigo de los delincuentes violentos del nacionalsocialismo que hoy en día son inofensivos y que viven en sociedad discretamente?”

Outro defeito grave da corrente ressocializadora, que contribuiu para seu descrédito, consiste na ausência de parâmetro sólido para a determinação do montante da pena. A necessidade de ressocialização pode conduzir a penas desproporcionais ao fato praticado e a sua repercussão social, violando importantes garantias do Estado Democrático de Direito.

Por fim, a própria idéia de ressocialização já é criticável, pois parte da falsa noção de uma sociedade homogênea cujos interesses supostamente universais decorreriam da cultura de seus integrantes em determinada época. Em realidade, não há que se falar em uniformidade de valores entre as diversas camadas sociais, já que, como bem observa o eminente Nilo Batista, “numa sociedade dividida em classes, o direito penal estará protegendo relações sociais (…) escolhidas pela classe dominante, ainda que aparentem certa universalidade”. Destarte, o processo de reintegração social do apenado conduzirá inevitavelmente à tentativa de imposição dos valores da camada social que detenha o poder – a mesma que outrora o marginalizou – desrespeitando, assim, o pluralismo cultural que se fundamenta no direito essencial de todo indivíduo ser diferente.

3.3 – Teorias Mistas: Noção Conceitual e Crítica

Estas teorias, também chamadas de unitárias ou ecléticas, buscam conciliar a exigência de retribuição com os fins de prevenção geral e de prevenção especial.

Inicialmente, esta corrente de pensamento foi concebida pelo alemão Merkel, no começo do século XX, e, desde então, tornou-se dominante no âmbito doutrinário, tendo sido, inclusive, adotada por diversos ordenamentos jurídicos em seus recentes códigos penais. Dentre eles, pode-se citar o art. 72° – do vigente Código Penal Português , o art. 25 do Código Penal Boliviano, o art. 12 do atual Código Penal Colombiano , e o nosso Código Penal, que em seu art. 59, estabelece que o juiz brasileiro deve graduar a pena “conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.

A jurisprudência predominante de nossos tribunais também tem refletido esta tendência conciliatória, limitando-se, contudo, a reproduzir de forma mecânica e superficial o disposto no art. 59, do Código Penal Pátrio.

Em realidade, o surgimento destas teorias processou-se num contexto de crise das soluções monistas. Tornava-se necessário substituir estas fracassadas concepções, que se mostraram incapazes de abranger a complexidade dos fenômenos sociais relevantes para o Direito Penal, por outras que concebessem uma pluralidade funcional da pena.

As correntes ecléticas – a despeito de apresentarem inúmeros pontos em comum, dentre os quais se destaca a tendência conciliadora entre as concepções morais e utilitárias – podem ser subdivididas em duas direções principais, de acordo com o elemento preponderante em cada uma delas.A primeira direção, denominada “posição conservadora”, defende que o fundamento para o direito de punir é a necessidade de retribuição justa, sendo os fins preventivos relevantes apenas no momento da determinação da pena. Esta postura predominou em momento inicial, tendo sido adotada pelo Projeto Oficial do Código Penal Alemão de 1962.

Já a segunda, conhecida como “corrente progressista”, trata como fins e fundamentos da pena, em igual escalão, a retribuição e a prevenção, seja geral, seja especial. Em outras palavras, esta corrente, predominante no contexto atual, parte do princípio de que nenhuma das teorias penais está ordenada ou proibida pela lei, de modo que, de acordo com as necessidades concretas, é possível a utilização de uma ou outra finalidade da sanção penal. Em síntese, pode-se afirmar que as teorias mistas partem do entendimento de que nem a teoria da retribuição, nem as preventivas podem, por si só, determinar o conteúdo e os limites das conseqüências jurídicas do delito. Assim, buscam construir uma alternativa que conjugue ambos os aspectos, justificando a pena tanto no delito praticado, como na necessidade de se evitar a prática de novos delitos no futuro.

Entretanto, apesar de sua ampla aceitação na atualidade, dúvida não há de prosperar acerca de seu inevitável fracasso. De fato, a simples justaposição de duas concepções distintas da pena, longe de alcançar solucionar suas próprias insuficiências, as multiplicará, destruindo a lógica imanente a cada concepção , gerando uma incoerência teórica insuperável. Na verdade, não se pode esperar que a adoção conjunta de noções tão díspares conduza à sistematização de uma teoria coerente e eficaz no processo de justificação do poder punitivo estatal.

Além disso, sua adoção levará a uma arbitrariedade desmedida, eis que os operadores judiciais poderão assumir a decisão que melhor lhes aprouver, e depois justificá-la com a teoria mais adequada ao caso. Será possível em qualquer situação aplicar o mínimo e o máximo da escala penal, pois, se a culpabilidade do autor não for suficiente para fundamentar a sanção que se deseja impor, recorrer-se-á à necessidade de prevenção de fatos futuros. Não é por outra razão que Zaffaroni,