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O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado

INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1 – ORIGEM HISTÓRICA 1.1 – O Direito 1.2 – O Estado 1.3 – Origem da Supremacia do Interesse Público sobreo Interesse Privado 1.3.1 – O Egito 1.3.2 – Os Gregos 1.3.3 – Os Romanos 1.3.4 – O Absolutismo 1.3.5 – Contextualizando 1.4 – O Iluminismo

CAPÍTULO 2 – O CONTRATO SOCIAL – A OBRA 2.1 – Breve Histórico 2.2 – O Contrato Social e suas idéias 2.3 – O “Contrato Social” na atualidade

CAPÍTULO 3 – SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBREO PRIVADO 3.1 – O Interesse Privado 3.2 – O Interesse Público 3.2.1 – O interesse público é a união dosinteresses privados 3.2.2 – Interesse Público Primário e Secundário 3.3 – Pode o particular defender um interesse público? 3.4 – Supremacia do Interesse Público sobre o Particular 3.4.1 – Utilização e importância no Direito Brasileiro 3.4.2 – Limitações ao Princípio 3.5 – Maneira de se alcançar a supremacia – sanção 3.6 – Contextualizando

CAPÍTULO 4 – “O CONTRATO SOCIAL” E SUA INFLUÊNCIA SOBREO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSEPÚBLICO SOBRE O PARTICULAR 4.1 – Da necessidade de uma primeira convenção 4.2 – Do Pacto Social 4.3 – Do Soberano 4.4 – Da Lei 4.5 – FinalizandoCONCLUSÃO

O presente trabalho versa sobre um dos temas mais importantes no ramo do Direito Público: o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Sem dúvida alguma, o princípio ora apresentado é, juntamente com o da legalidade, o mais importante de todo o ordenamento publicista de nosso ordenamento. Procuramos encontrar as origens do referido princípio trazendo à baila a história de diversas civilizações, bem como demos ênfase a todas as mazelas que circundam o princípio da finalidade pública. Mas o verdadeiro objetivo do trabalho é apresentar ao leitor um comparativo entre o princípio da supremacia atual e as idéias trazidas pelo insigne filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, que tem em sua obra “O Contrato Social” a fonte maior para o interesse público moderno. Através de comentários breves e elucidativos, procura-se demonstrar não só a importância para o Direito do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, mas sim párea o Estado como um todo, fazendo críticas a sua inaplicabilidade e, principalmente, apresentando ao leitor a importância e justiça do princípio citado. É com esse intuito que trazemos ao leitor o presente trabalho, esperando que, após a leitura do mesmo, possamos comungar do mesmo pensamento: que a paz e a justiça social devem imperar em todo e qualquer Estado, mesmo que para isso tenhamos que passar sobre os aforismos dos governantes hipócritas que fazem de suas vontades as de toda uma nação.

INTRODUÇÃO

Século XVIII. Iluminismo, tempo da Ilustração. Nascia na França o movimento que mudaria o mundo. Dentro desse contexto, surge o suíço Jean-Jacques Rousseau e sua obra “O Contrato Social”, trazendo uma nova forma de associação humana e organização social para as comunidades, baseada, principalmente, na supremacia do interesse do todo sobre o particular.

A organização das sociedades passa a ter nova roupagem, pois o pacto social proposto por Rousseau mudaria completamente as formas de governo de sua época, haja vista que a vontade do soberano, que naqueles tempos absolutistas também era a vontade de toda a nação, cedia lugar para à vontade social, sendo que os interesse buscados pelo Estado seriam aqueles ditados por toda a comunidade.

Tal fato trouxe à baila uma grande reforma no princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, passando a ter importância ímpar na legislação de todos os Estados de Direito, principalmente no que tange à organização estatal e às áreas afeitas ao Direito Público.

Como se vê, “O Contrato Social” em muito afetou a estrutura jurídica pública dos Estados, modificando o conceito do que era o interesse público e colocando esse acima de qualquer outro.

Por ser assim, buscaremos nesse trabalho fazer um comparativo entre o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, basilar do Direito Público, e a obra “O Contrato Social”, de Rousseau, verdadeiro marco histórico na evolução de tal princípio e de toda a constituição social dos Estados Democráticos.

CAPÍTULO 1 – ORIGEM HISTÓRICA 1.1 – O Direito

O ser humano, assim como tudo que advém da natureza, é fadado ao crescimento, ao desenvolvimento, ou como diria Darwin, à evolução. Ou seja, apesar de todos os homo sapiens terem caracteres semelhantes ao longo dos tempos, ele vai se aperfeiçoando, buscando a cada dia novos modos de viver.

A evolução do homem fez com que este buscasse formas de melhor vivência. Nos primórdios da espécie humana, os viventes eram pessoas solitárias, convivendo em ínfimos grupos de três ou quatro pessoas. A vida era, até certo ponto, mais fácil, haja vista que o homem preocupava-se apenas em conseguir o alimento e vestuário para seu pequeno grupo.

Acontece que, como já falado, o homem evoluiu e percebeu que poderia ser mais fácil sua existência se pudesse dividir suas tarefas com mais pessoas. Foi aí então que passou a viver em grupos maiores, formando as primeiras comunidades. E, como já era de se esperar, o homem começa a se desenvolver ainda mais. Desenvolve armas de pedra para caçar animais maiores; começa a habitar cavernas mais profundas para se proteger dos eventos naturais, como tempestades e incêndios.

Com o apoio de seus comuns, o homem vai se desenvolvendo cada vez mais, e começa a ter controle sobre a natureza. As três maiores descobertas de todos os tempos, que são o fogo, a roda e a escrita, acoplados à inteligência dada aos seres humanos, possibilitaram ao homem se tornar o soberano entre todos os animais da natureza. A vida do homem se tornara mais fácil, agora ele podia controlar algumas forças da natureza.

Acontece que o homem não conseguiu se conformar com aquela pequena comunidade em que habitava. Ele, vendo-se cada vez mais forte, percebeu que se houvesse o apoio de mais e mais pessoas, o desenvolvimento seria ainda maior. Havia necessidade de vôos ainda mais altos. Foi aí então que surgiram as primeiras sociedades.

Mas, como não poderia de ser, inspirando-se no exemplo bíblico de Adão e Eva, o homem passou a querer mais poder. Nos dizeres do livro sagrado, Adão e Eva habitavam o paraíso, tinham tudo que precisavam para viver, mas quiseram ser mais; quiseram ser iguais a Deus. Não conseguiram, acabaram traindo a confiança do Criador e envergonhados por estarem nus.

Parecendo inspirados na aventura frustrada dos pais de toda a criação, o homem também quis ser mais. Só que dessa vez, seu objetivo era outro: não ser igual a Deus, mas ser o soberano dos homens. O homem vivente em sociedade passou a se interessar pelo poder, pela dominação sobre seus iguais. Agora o homem já não tinha mais o desejo de evoluir sua sociedade; seu interesse era crescer sozinho, ser mais forte, mais inteligente, mais astuto que os demais para conseguir o almejado poder.

O homem agora se vê em duas posições: dominado e dominador. E a partir deste momento surge a primeira necessidade de se ter um conjunto de regras. A sociedade agora não é dotada apenas de iguais, por isso era necessário se impor regras para garantir (garantir?) os direitos de cada um dentro da sociedade.

E várias outras foram as causas de se criar o conjunto de normas para se bem viver. As tábuas da Lei apresentadas por Moisés são um conjunto de normas que apresentava como as pessoas deveriam se portar para chegar ao reino dos céus; o Código de Hamurab, com a famosa lei de Talião; as Leis Egípcias e Fenícias; a Legislação Romana. Todas elas são mostras da necessidade da existência de um ordenamento para reger a vida em sociedade.

Assim surge o Direito, como um conjunto de regras que vise o bem viver em sociedade.

Com o passar dos anos, vários foram os estudiosos que entenderam a grandiosidade do Direito. Ele passa a ser encarado não mais como um ordenamento pífio, mas sim como uma ciência, a ciência do Direito. Os debates acalorados, a necessidade de mudanças nos ordenamentos, a busca de se entender qual a real necessidade da sociedade, fizeram do Direito a ciência mais controversa e bela de todos os tempos. Hodiernamente, não se tem o Direito apenas como um conjunto de ordenamentos para a vida em sociedade, mas sim como um instrumento de Justiça para os homens e prazer para os estudiosos.

Por assim ser, o Direito moderno não é somente uma ciência como a Matemática e a Física. Na verdade, assim como a pintura, a literatura, a música e a escultura, o Direito é uma arte que se torna mais bela a cada dia, beleza esta que se encontra não só na justiça almejada, mas também pela diversidade de pensamentos e opiniões retiradas de um mesmo assunto. Comparando com a literatura, o Direito não é mais o soneto, o qual sua beleza se observa não só pelas palavras, sendo necessária, também, a observação do número de versos e estrofes. O Direito atual é como a poesia moderna, não se faz primaz a forma, mas sim à beleza das palavras e opiniões.

1.2 – O Estado

Com a criação de sociedades, fez-se necessário à criação de um ente para a organização da vida dos cidadãos.

Talvez sem o intuito de criar este ente, o homem acabou por se afeiçoar com as pessoas que com ele habitavam em determinada região, sendo que ali constituiu sua família, seu lar, suas atividades laborais e demais atividades sociais, deixando sua vida nômade.

A partir de sua fixação em local determinado, o homem passa a se organizar ainda mais. Ademais, a sociedade passa a crescer, e não mais é possível que todos tenham o poder de, sozinhos, decidir os rumos da sociedade. Surge a necessidade de o homem se organizar social, econômica e politicamente. Mas como se fazer isso? É aí que vai surgir a figura do Estado.

O primeiro relato de organização estatal que conhecemos são as populações da baixa mesopotâmia que viviam nas Cidades-Estados Independentes dos sumérios e dos assírios. E desde então, o homem nunca mais viveu fora de um Estado.

Excetuando o exemplo de Robson Crusoé e alguns outros poucos, o homem sempre esteve ligado a um Estado, e este se tornou parte integrante da vida do homem. O Estado passa a ter um papel importantíssimo na vida do homem, pois viu que a vida em um Estado era menos árdua que a viver solitário. O homem passa a ter o Estado como um meio de vida, surgindo o nacionalismo, o patriotismo, ou seja, surge uma relação de dependência entre homem e Estado inafastável.

Mas ainda era preciso a organização de tal ente. Como seria um Estado? Quais seriam seus componentes? Cada sociedade, tendo em vista suas particularidades foi construindo seu Estado da maneira que mais lhe aprouvera. E vários foram os tipos de Estado, sendo que, neste trabalho procuraremos tecer comentários a alguns destes, e, principalmente, ao Estado Brasileiro, enfoque maior do presente trabalho.

1.3 – Origem da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado

Após a constituição de qualquer Estado, é inafastável a necessidade de se trazer à baila um ordenamento, seja escrito ou consuetudinário, para a vida dos homens naquela sociedade e, principalmente, para a organização do Estado e a relação entre este e os seus cidadãos.

Quanto à relação entre homem e sociedade, várias foram as formas utilizadas pelos diferentes Estados para se conciliar os interesses de ambos. Acontece que, em sua maioria, os Estados acabam trazendo para si diferentes tarefas tendo como beneficiária a sociedade em geral. Ou seja, o Estado abarca para si diversas “tarefas” que beneficiam ou visam especificamente a sociedade em geral, e não a um determinado ente.

Ora, se o que se busca na atuação do Estado é a o bem comum, fez-se necessário à criação de normas que assegurassem o bem viver de toda a sociedade frente ao interesse de um particular, pois o papel do Estado seria bem feito se o primeiro fosse alcançado. Para a criação da norma para a vida em sociedade, fez-se necessário ainda que o homem cedesse um pouco de sua liberdade para outrem, pois, se assim não fosse, seria impossível que todos convivessem em um só lugar. É aí que vai surgir o princípio tema de nosso trabalho, pois foi a partir da necessidade e busca do bem comum que se tomou a consciência de que era necessário primar mais pelo interesse de toda a comunidade do que a de determinado particular, ou seja, era necessário que se dessa supremacia ao interesse público frente ao interesse particular.

Por ser assim, e observando que tal princípio é basilar não só no Direito brasileiro, mas, também, na maioria os países democráticos e civilizados do planeta, vários foram aqueles que demonstraram a importância de tal princípio, e, tendo por base as idéias de Jean-Jacques Racial, em seu brilhante livro “O Contrato Social”, é que tentaremos repassar um pouco da beleza do princípio em voga.

Vejamos, antes de adentrar propriamente no comparativo entre as idéias de Racial e a utilização do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, vejamos algumas sociedades antigas que também tiveram neste princípio a pedra angular da organização de seu Direito Público.

1.3.1 – O Egito

Primeira sociedade humana realmente organizada de que se tem notícia foi a Egípcia. Afirmam os historiadores que a sociedade egípcia teria se formado às margens do Rio Nilo, pelo fato daquela região ser de boa qualidade para a agricultura, base da economia do Egito, tendo em vista as cheias deste rio, o que acarretava um enriquecimento do solo tornando-o apto para o plantio.

O homem passa, então, a viver em aldeias, e a reunião dessas aldeias ganha o nome de Nomos. Mas ainda era necessário que os Nomos fossem controlados por alguém, haja vista o grande número de cidadãos e, principalmente, pelo fato das aldeias possuírem pessoas de diferentes origens e ideais. Surge, então, o Nomarca, aquele que era o “chefe” de cada Nomo.

Mas o Nomo ainda não era o bastante. O homem queria mais, e a solução seria a união de vários Nomos para que se criasse um verdadeiro Estado. E assim foi feito. Menés conseguiu unir os diversos Nomos do Alto Egito e conquistou o Baixo Egito, criando o gigantesco Estado que passou a governar sob o título de Faraó.

Agora, unificado o Estado, era preciso organiza-lo. E o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado foi largamente utilizado, embora algumas vezes o interesse público fora confundido com os interesses do próprio Faraó.

No que tange à forma de organização e, principalmente, à economia egípcia, é fácil apreender que o interesse público predominava, pois a economia era centralizada e voltada toda para o Faraó, que dividia o excedente entre todos os aldeãos, embora tal divisão não fosse igualitária. Com isso, fica fácil demonstrar que não se primava o interesse particular, pois todos os bens produzidos eram divididos entre todos, inclusive aqueles que sequer trabalhavam ou que ocupavam cargos de sacerdotes, guerreiros ou escribas.

Por derradeiro, cumpre ressaltar que o Estado era o mais importante, sendo que este era representado pela figura sagrada do Faraó, que acaba ficando com a maior parte da produção, assim como os altos funcionários. A partir daí, podemos entender que embora haja uma supremacia do interesse público frente ao particular, não podemos deixar de observar que, na realidade, o interesse do Faraó, (que se confundia com o Estado) é o que se sobrepunha.

No decorrer deste trabalho, falaremos mais a respeito do que seja o interesse público que, ao contrário do que faziam os egípcios, não deve se confundir com o interesse do Estado, mas sim com o dos cidadãos.

1.3.2 – Os Gregos

Assim como os egípcios, os Gregos criaram seu império através da união de várias aldeias, que eram denominadas fratrias. A união dessas Fratrias acabou originando as cidades-estados gregas, que são por nós conhecidas como Polis.

A “Grécia das Cidades”, nomenclatura pela qual o Império Grego ficou conhecido, era composta de uma série de cidades-estados juridicamente soberanos e autônomos, tendo como exemplos dessa as cidades de Esparta e Atenas.

Tomando como exemplo a sociedade Espartana, podemos ver a supremacia do interesse público sobre o privado quando notamos a grande divisão de trabalho existente naquela cidade, principalmente no que tange às igualitárias comunidades gentílicas. Aos espartanos era vedado o trabalho, o qual ficava para os artesãos, camponeses e escravos, sendo que estes trabalhavam não só para seu sustento, como para o sustento dos espartanos e do próprio Estado. Isso acontecia pelo fato de que os espartanos dedicavam sua vida à guerra, e o crescimento da Polis Espartana seria um benefício não só para os guerreiros, mas para todos os cidadãos acima mencionados, pois o seu Estado ficaria cada vez mais forte e, por conseguinte, seus lucros também aumentariam.

Como se pode ver, na sociedade grega, tanto guerreiros, quanto os camponeses restringiam sua liberdade para que pudessem servir ao Estado, sendo, pois, um dos primórdios da supremacia objeto de nosso trabalho. 1.3.3 – Os Romanos

No início da sociedade romana, a estrutura político-social esteve fundamentada sob o regime gentílico , mas com a dominação etrusca, este tipo de sociedade acabou entrando em decadência.

Formado o Império Romano, mais uma vez viu-se a figura do Imperado se confundindo com o do Estado e o interesse público, ao invés de ser o de toda a sociedade, era caracterizado pela vontade dos Césares.

A supremacia do dito “interesse público do imperador” se mostra presente na obrigação de servir ao exército romano quando requisitados, bem como deveriam pagar impostos pesados e dar parte de sua produção ao Imperador, mesmo que nada recebesse em troca.

Como se vê, as sociedades da idade antiga utilizavam-se, talvez de forma inconsciente do princípio ora em análise em sua vida cotidiana. E não poderia ser diferente, pois é da gênese da sociedade que para se viver agrupado necessário se faz ceder alguns de nossos direitos ora outrem, pois se assim não for, viveríamos em completa anarquia.

1.3.4 – O Absolutismo

Não poderíamos deixar de comentar brevemente sobre o Absolutismo da Idade Moderna.

A Europa, a partir do século XV e, principalmente, após a Reforma Protestante e as idéias de Maquiavel em seu best-seller “O Príncipe”, passou por mudanças avultosas em sua estrutura, deixando a vida campestre do Feudalismo para adentrar na vida palaciana. Exemplos irrefutáveis de absolutistas são Henrique VIII e Elizabeth I, da Inglaterra e Luís XIV, da França.

Entende-se por Absolutismo aquele sistema de governo em que o governante é supremo, comando seu Estado com mãos de ferro e apenas obedecendo a seus ideais. Para o grande iluminista Barão de Montesquieu, a relação existente entre o governante e seus súditos era o medo, por isso o rei era considerado uma figura inatingível.

Analisando o contexto histórico, vemos que, mais uma vez, temos a figura do Imperador confundindo-se com a do Estado. O maior imperador francês dessa época, Luís XIV, teria dito: “O Estado sou eu!”

A história nos mostra que, em tal período, o interesse público também se confundia com o interesse real. Quantas batalhas não existiram nessa época?

Tomando como exemplo a Guerra dos Sete Anos entre França e Inglaterra, vamos ver que os súditos reais foram até as longínquas terras americanas para defender os interesses de sua terra natal, ou seja, Inglaterra e França. Ora será que realmente era o interesse dos cidadãos franceses vir até à América para lutar pela conquista e manutenção de terras em região tão afastada? Com toda certeza, essa resposta deve ser negativa. E a explicação só pode ser uma, o interesse público, que nesse caso era o interesse do Estado e esse deveria ser o interesse geral, era mais importante que o privado.

E mais, nos tempos dos enclausures , os governantes ingleses pouco se importaram com a perda de trabalho pelos camponeses, pois o que realmente interessava à nação e, em seu entendimento, ao povo era a produção de lã para sustentar o nascimento da indústria inglesa, muito mais lucrativa do que a produção rural, pois gerava mais imposto e mais trabalho, mesmo que fossem necessárias dezesseis horas de trabalho diário pelos cidadãos…

1.3.5 – Contextualizando

Como podemos notar, desde os tempos mais remotos, o homem notou que a vida em sociedade era mais benéfica, embora fosse necessário abrir mão de alguns de suas liberdades para que isso fosse possível.

Também restou cristalino que o interesse público em tais sociedades, com raras exceções, era o interesse do próprio governante, pois ele era detentor do poder de decisão, além de ser o porta-voz de seu povo em todos os assuntos.

Vimos também que a forma mais fácil de se notar a supremacia do interesse público sobre o particular é na forma de do serviço militar, seja na sua efetiva prestação, seja no sustento daqueles que lutam. Tal fato é comprovado até nos dias de hoje, onde a maioria dos países, inclusive o Brasil, possui o serviço militar obrigatório.

Assim sendo, podemos notar que a supremacia do interesse público sobre o particular esteve presente entre os homens em todos os tempos, embora esse interesse tenha sido entendido e usado de maneira diferente nos diversos tipos de sociedades já existentes.

1.4 – O Iluminismo

Século XVIII, Século das Luzes. Tempo da Ilustração, do pensamento em voga, da razão sobre a emoção, da disparidade entre o pensamento até aquela época dominante da Igreja contra o pensamento racional dos iluministas. Liberdade, igualdade e fraternidade! Esse o lema a ser seguido

O Iluminismo foi o celeiro de todo o pensamento moderno. Principalmente na organização estatal, o pensamento iluminista nos trouxe primórdios do que vivenciamos hodiernamente.

Advindo de uma época onde o Absolutismo estava no ápice, o Iluminismo veio como o demolidor contra os tiranos governantes de seu tempo. Os filósofos iluministas procuraram, como suas geniais palavras, estimular os cidadãos a se oporem à situação que se encontravam, além de apresentar a força do povo em uma sociedade.

No que tange ao assunto tratado em nosso trabalho, vemos que a contribuição foi de monta tão elevada que mudou não só conceito do que era o interesse público, como nos trouxe mecanismos capazes de garantir a predominância de tais interesses frente aos particulares.

O notável Barão de Montesquieu, em sua obra prima “Do Espírito das Leis”, trouxe-nos a Tripartição dos poderes como a melhor forma de se governar o Estado, sendo esta divisão utilizada por todas as nações democráticas de nosso planeta. Ora, essa tripartição de poderes possibilitou ao povo voz ativa no poder, pois o Poder Legislativo, em tese, iria defender os interesses da população, posto que seus membros são os representantes das classes existentes nos países. Ademais, o Poder Judiciário iria coibir os atos ilícitos e imorais praticados pelos governantes, fazendo com que, novamente em tese, fosse sempre respeitada a vontade da maior parte da população.

Colemos pequena passagem do iluminista Montesquieu: “É verdade eterna: qualquer pessoa que tenha o poder, tende a abusar dele. Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder.”

Montesquieu ainda trouxe-nos outra contribuição, e para nosso trabalho a mais importante, que foi uma nova visão do que é o interesse público. Para Montesquieu, o interesse público não era a vontade do rei, mas sim, a vontade da maior parte da população. Para isso, defendia que não existiam leis injustas, mas leis que eram mais ou menos adequadas para uma determinada população em determinado tempo.

Mas, de modo irrefutável, o que mais contribui para o tema em questão foi o filósofo suíço Jean-Jacques Racial, que em sua obra “O Contrato Social” nos trouxe realmente uma nova definição de sociedade, Estado e, principalmente do que seja o interesse público e a necessidade de ser supremo perante o interesse particular. É o que veremos no próximo capítulo.

CAPÍTULO 2 – O CONTRATO SOCIAL – A OBRA

2.1 – Breve Histórico

Várias foram as obras escritas durante o período da Ilustração. Autores como Montesquieu, Voltaire, Hobbes, Lê Rond dAlembert, Diderot, Adam Smith, Thomas Morus dentre vários outros trouxeram ao mundo ideais que hoje, passado mais de duzentos anos, ainda continuam sendo atualíssimas e condutoras de grande parte da sociedade.

Já dissemos no capítulo anterior que a filosofia de Montesquieu se agrega no mundo atual, seja na tripartição dos poderes, seja no cumprimento das leis. Adam Smith está mais em voga do que nunca, com a corrente neoliberal capitaneada por Margareth Thatcher, Ronald Reagan e Kohl, que trouxe novamente o liberalismo econômico após anos de intervenção estatal após a Crise da Bolsa de New York de 1929.

Quanto à obra que procuramos analisar neste trabalho, vemos que a mesma toma novos contornos nos dias atuais, bem como parece estar sendo mais compreendida e utilizada pelos governantes.

Depois da publicação da obra, vemos que vários foram os governos que aplicaram as idéias de Rousseau. Nos Estados Unidos, já o primeiro presidente George Washington utilizou-se da idéias iluministas e, principalmente, de Rousseau para conseguir a independência de seu país e na feitura da Constituição de 1787. Também o presidente norte-americano Abraham Lincoln levou seu governo na égide das idéias iluministas, principalmente quando aboliu a escravatura nos Estados Unidos, mesmo sobre o protesto dos sulistas, tendo argumentado que todos possuíam papel determinado no Estado, e que a liberdade era um poder inalienável de todo o cidadão.

No século XX, durante a vigência do Estado do Bem-Estar Social, utilizado ainda hoje na Inglaterra e em diversos países, a idéia do Contrato Social de Rousseau tornou-se o objetivo a ser alcançado, pois o dever do Estado é atender a população de acordo com suas necessidades e obedecendo as suas prioridades, devendo esta ser ouvida e atendida em todas as suas reivindicações, pois o poder emana do povo e seu interesse majoritário deve sobrepujar qualquer outro.

Durante a campanha presidencial de 2002, o então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva incitou a população para que com ele se fizesse um Pacto Social. Ora, esse Pacto Social dito pelo então candidato a presidente nada mais era do que o estava transcrito na obra “O Contrato Social”, de Jean-Jacques Rousseau. Assim, vemos que a atualidade do tema é inconteste, haja vista estarmos em país onde o presidente utiliza-se do tema ora proposto para governar a nação. Por isso nosso interesse em escrever sobre esse tema.

Assim sendo, temos “O Contrato Social” como uma obra que não se restringiu aos tempos do Iluminismo, estando presente em nosso tempo com toda a força, merecendo, pois, ser analisado e entendido por todos aqueles que desejam estar no poder ou entender seus pormenores.

2.2 – O Contrato Social e suas idéias.

Necessário, nesse momento, traçar alguns comentários acerca das idéias trazidas na obra “O Contrato Social”. Todavia, daremos mais ênfase ao objeto de nosso trabalho, procurando delimitar mais detidamente os aspectos referentes ao interesse público e a supremacia deste sobre o particular.

A estreita relação entre a natureza e sociedade, a moral fundada na liberdade, a primazia do sentimento sobre a razão e a teoria da bondade natural do ser humano – são estes, sem dúvida alguma, os pilares que fundamentam a Teoria do Contrato Social.

Quando ao segundo pilar acima mencionado, não há dúvidas que seja esse o mais importante de ser analisado neste momento, pois é partir do entendimento da moral fundada na liberdade é que o homem se apercebeu da necessidade de viver em sociedade, mas sem perder a sua liberdade, que, mais que um direito, é um instinto. Ao se analisar a liberdade dentro de uma sociedade, vemos que essa deve ser regrada, tendo em vista que a liberdade de um cidadão não pode extrapolar e atingir a de um seu semelhante, pois, neste ponto, estabelecer-se-ia uma anarquia. Assim, Rousseau, em seu magnífico pensamento, asseverou que a sociedade deve andar sempre respeitando a vontade do povo, e todo o povo, mesmo aqueles que sejam contra determinada ordem do soberano, devem respeita-la, pois esse foi o desejo da maioria.

Além disso, assevera Rousseau que para a realização concreta do eu-comum e da vontade geral implica necessariamente uma livre associação de seres humanos inteligentes que, deliberadamente, decidem formar um certo tipo de sociedade, à qual possam prestar obediência – isto é o CONTRATO SOCIAL.

Por ser assim, “O Contrato Social” é um livro de Princípios que veicula a idéia de que a legislação é o instrumento para corrigir as coisas, tais como são, aproximando-as do que devem ser. Isso porque, em situação de conflito, sempre vence a natureza, isto é, os impulsos instintivos, as tendências anti-sociais do indivíduo. É aí que surge a necessidade do pacto social, pois nos momentos em que o homem se vê situações não muito amigáveis é que o instinto surge, e para compeli-lo é que se utiliza o pacto social. Além disso, deve-se frisar que o pacto social, se verdadeiramente respeitado pelos homens, previne uma série de conflitos, o que, insofismavelmente, é um avanço para toda e qualquer sociedade.

Além disso, para tentar alcançar uma forma de associação segura e prudente entre os homens, principalmente quanto às relações de poder e direito entre eles, Rousseau esclarece sobre a natureza inicial dos homens. Mostra os homens num estado anterior, denominado estado de natureza, e em um estado posterior, que seria o estado civil. Esse estado posterior marca a degeneração do primeiro, e a necessidade de estabelecer um contrato que irá reger a relação de soberania e poder entre os homens que seja legítima. É o pacto social, que ele mesmo cita, que estabeleceria entre os cidadãos uma tal igualdade, que eles se comprometeriam todos nas mesmas condições e devam todos gozar dos mesmos direitos. Vejamos as palavras do próprio Rousseau:

“… Relativamente ao direito de conquista, não dispões ele de outro fundamento além da lei do mais forte. Se a guerra não confere jamais ao vencedor o direito de massacrar os povos vencidos, esse direito, que ele não tem, não poderá servir de base ao direito de matar o inimigo quando não se pode torná-lo escravo; logo, o direito de transformá-lo em escravo não vem do direito de matá-lo, constituindo, pois, troca iníqua o fazê-lo comprar, pelo preço da liberdade, sua vida, sobre a qual não se tem qualquer direito…Assim, seja qual for o modo de encarar as coisas, nulo é o direito de escravidão não só por ser ilegítimo, mas por ser absurdo e nada significar. As palavras escravidão e direito são contraditórias, excluem-se mutuamente. Quer de um homem a outro, quer de um homem a um povo, será sempre igualmente insensato este discurso: Estabeleço contigo uma convenção ficando tudo a teu cargo e tudo em meu proveito, convenção essa a que obedecerei enquanto me aprouver e que tu observarás enquanto for do meu agrado”.

Quanto ao gerenciamento da coisa pública, Rousseau assevera que é preciso considerar várias relações: primeiro a ação do corpo inteiro sobre si mesmo, ou seja, a relação do Soberano com o Estado. A segunda relação a considerar é a dos membros entre si ou com o corpo inteiro: aqui o cidadão possui independência frente aos outros e dependência diante da polis. O terceiro tipo de relação entre o homem e a lei é a que aborda a desobediência e a pena.

Analisando cada pormenor, vemos que na primeira relação, ou seja, Soberano com o Estado, os primeiros traços da efetividade do interesse público moderno. Como vimos no capítulo anterior, nos Estados mais remotos, Soberano e Estado tinham interesses semelhantes, haja vista que os interesses do primeiro eram os determinantes. Assim sendo, podíamos concluir que o interesse público nada mais era do que o interesse do Soberano.

Com a nova definição de Estado, a qual nos diz que o Estado é composto dos homens que nele habitam e não se confundem com a figura do governante, que agora passa ser o executor das leis que são feitas pelos representantes do povo e, na maioria das vezes, no interesse dos cidadãos, e tendo em vista os argumentos utilizados por Rousseau, vemos que ao interesse público não mais deve ser o do soberano, mas sim o dos cidadãos que habitam aquele Estado.

Quanto à relação dos membros do Estado entre si, embora já tenhamos feito algumas considerações, necessário se faz tecer alguns comentários. Como já citado anteriormente, para a vida em sociedade ao homem foi imposto a cessão de alguns de seus direitos, haja vista que todos os homens utilizassem sua liberdade sem se preocupar com a do outro, estaríamos em um estado anárquico. Para isso foi necessária a elaboração de leis, sejam escritas, sejam consuetudinárias. Com isso, limitou-se a liberdade humana, mas, em contra partida, possibilitou-se a vida em sociedade, que, sem sombra de dúvidas, é muito mais benéfica.

Acontece que, embora restringido de algumas de suas liberdades, o cidadão não pode e não deve ser compelido a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da vontade do Estado. Ora, se a vontade do Estado, como dito no parágrafo anterior, é agora a vontade do próprio povo, estabelecida através de leis emanadas dos representantes desse povo, vemos que o interesse particular de cada cidadão viu-se fragilizado pelo interesse de uma maioria, posto que a lei só deve ser elaborada quando esse for o interesse da maior parte da população. Assim sendo, não há dúvidas que Rousseau trouxe-nos que o interesse público deve sempre prevalecer sobre o interesse particular. Cumpre ressaltar, por derradeiro, que o interesse público não se afasta do interesse particular, pois ele nada mais é do que a junção do interesse particular da maioria que passa a ser regido pela lei. Sobre esse tema, falaremos mais detidamente no próximo capítulo.

Ademais, quanto à vontade geral, Rousseau nos diz que esta é indestrutível e, ela deixando de existir, o povo tem o direito de insurgir contra o soberano. No seu país de origem, Suíça, Rousseau teve a oportunidade de se defrontar com dois tipos de realidade: em Genebra encontrava-se o modelo de cidade populosa e rica da Europa, e nas cidades do interior do país, era possível defrontar-se com comunidades rurais que viviam de forma frugal e pacífica. Daí Rousseau passa a se desencantar cada vez mais com Genebra e se apega ao modo de vida mais simples dos camponeses de certos cantões montanheses. Baseado nesses dois tipos de modelos, Rousseau entende que a vontade geral tem maior probabilidade de revelar-se por intermédio do maior número de representação, a rigor, nada vale a opinião isolada de cada um, que é o reflexo das diferenças.

Quanto à terceira relação trazida por Rousseau, vemos que o homem, necessariamente deve cumprir a lei. Mesmo que considere a lei injusta, e pior, mesmo que essa seja realmente injusta, está o homem obrigado a cumpri-la até que a mesma perca sua vigência, isso para evitar que homens inescrupulosos tomem como exemplo esse ato e venham a descumprir leis justas, conforme descrito pelo Barão de Montesquieu, na obra “O Espírito das Leis”, já mencionada acima.

Mas como obrigar o homem a cumprir a lei? A resposta é simples: impondo-lhe uma sanção caso a infrinja. E isso só o Estado pode fazer, tendo em vista que o Poder de Polícia e o dever de resguardar a sociedade lhes dão esse direito.

Observando a separação entre Estado e Soberano acima descrita, vemos ser necessário a conceituação do ente intermediário entre o povo e seu soberano: o Governo.

Que será então o Governo? É um corpo intermediário estabelecido entre os súditos e o soberano para sua mútua correspondência, encarregado de execução das leis e da manutenção da liberdade.

Trazendo esse conceito para os dias atuais, a visualização é mais cristalina se observarmos um país com sistema de governo parlamentarista. Em tal tipo de governo, o Soberano, seja Presidente ou Monarca, é o representante do povo, e o governo seria as casas legislativas e o primeiro ministro, que realmente governariam o reino. Nesta organização trazida pelo iluminista, nada pode ser radicalmente alterado sem romper o necessário equilíbrio: se o soberano governa, se o magistrado quer fazer as leis e se os súditos se recusam a obedecer, a desordem toma o lugar da regra e a força e a vontade não agem mais de acordo com o Estado e chega-se à anarquia e ao caos absoluto.

Ainda sobre o Governo, devemos destacar uma diferença essencial entre este e o Estado: o Estado existe por si só e o Governo só existe através do soberano. Desse modo, a vontade do soberano só pode ser a lei e sua força só pode ser a força pública e seu interesse apenas o interesse comum.

Por derradeiro, Rousseau considera que a propriedade privada foi o marco para a mudança do estado de natureza, para o estado civilizado. Foi através da apropriação que se geriu a sociedade civil. E o homem civilizado surgiria do progresso, aperfeiçoamento e qualidades pessoais do gênero humano, embora tenha também dito que a propriedade privada é causa de todas as infelicidades humanas.

Vários outros foram os temas tratados por Rousseau na obra analisada, mas limitamo-nos a descrever apenas os acima mencionadas, pois esses são o que realmente interessam ao nosso trabalho. Entretanto, não há dúvida que os diversos pontos que não foram por nós abordados não são de somenos importância, mas tendo em vista a limitação do presente trabalho, ficarão para ser analisados em outra oportunidade.

2.3 – “O Contrato Social” na atualidade

Faz-se necessário, ainda, tecer alguns comentários a respeito da utilização da obra “O Contrato Social” na atualidade.

Como já mencionado em pontos anteriores, “O Contrato Social” vem sendo utilizado ao longo dos séculos depois de sua publicação. Citamos o exemplo da Inglaterra, com a política do bem-estar social, onde o governo tenda atender os interesses da população, bem como acredita que como o poder emana do povo, deve ser todo voltado para o seu interesse.

Mas o que realmente interesse a nós é a utilização do contrato social proposto por Rousseau no Brasil atual. Em sua plataforma de governo, o então candidato Luís Inácio Lula da Silva apresentou seu intuito de criar um pacto social apara governar o Brasil. Lula, candidato de esquerdo e antigo defensor das idéias socialistas-marxistas, incitou o povo com seu discurso de igualdade social e atendimento das necessidades básicas da população.

Após sua eleição, o agora Presidente Luiz Inácio Lula da Silva lança o programa “Fome Zero”, com o intuito de acabar com a fome no Brasil, conclamando a toda população para que o auxiliasse em tal projeto. Ora, isso é atender uma necessidade que o povo conclama e através do auxílio de toda a sociedade, ou seja, o homem abrirá mão de algumas de suas liberdades para que todos no Brasil possam ter ao menos como se alimentar. Isso é um pacto social obedecendo às idéias trazidas na obra ora estudada.

Como se pode ver, a tentativa de se fazer o pacto social proposta pelo Presidente Lula nada mais é do que colocar em prática os ideais e princípios traçados por Rousseau a mais de duzentos anos atrás, o que mostra a atualidade do tema proposto para o presente trabalho.

Assim sendo, entendemos ser de importância impar o estudo da obra em foco, seja para o entendimento da política nacional, seja para o estudo da sociedade ideal proposta pelo autor, seja para se entender o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, sendo este último o verdadeiro interesse de nosso trabalho, o qual passaremos a estudar.

CAPÍTULO 3 – SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO

Antes de adentrar no que seja a supremacia acima menciona, faz-se necessário determinar o que sejamos interesses público e privado. Vejamos então.

3.1 – O Interesse Privado

O homem, embora seja racional, possui instintos como qualquer outro animal. Tais instintos se sobressaem, principalmente, nos desejos humanos, onde o homem exterioriza suas vontades.

Desde os mais longínquos tempos, o homem busca novas formas e modos de vida que sejam capazes de fazer ou homem mais feliz, que lhe dê mais prazer. Esses desejos humanos vão aparecendo com o passar dos tempos e eles são os responsáveis pela evolução da sociedade.

Um exemplo da vontade humana com a evolução da espécie é a invenção da comunicação e da escrita, pois, agora, o homem podia trocar seus conhecimentos para melhor viver, buscando, assim, novas formas de ser feliz.

Esses desejos de cada cidadão foram denominados pelo Direito como Interesses Particulares e pode ser caracterizado como a vontade que cada cidadão tem de fazer algo que ache útil, necessário ou que o faça feliz.

3.2 – O Interesse Publico

Mas acontece que o homem passou a viver em sociedade. Vivendo socialmente, o homem passou a ter interesses que não lhe eram particulares, pois, neste ponto, era necessária não mais só sua felicidade e desenvolvimento, mas, também, a de todo o seu povo.

E havia mais um problema. O homem em seu estado natural era livre para realizar os atos que lhe aprouvessem. Acontece que quando o homem passa a viver comunitariamente, a realização de certos atos invadem a liberdade de outrem. Havia a necessidade de haver certas limitações para que a vida em sociedade fosse possível.

Ao longo do tempo, viu-se que era necessário ago que fizesse com as liberdades fossem respeitadas, mas de maneira que não invadissem a dos seus semelhantes, ou seja, seria uma liberdade regrada. Mas havia alguns problemas: como se fazer essa liberdade regrada? Como fazer o homem se abster de certos atos em prol da sociedade? E mais, porque o homem deveria se abster de suas liberdades?

É aí, então, que surge a figura do Estado interventor. O Estado, através de leis que expressariam a vontade da sociedade como um todo e, também, regrariam a vida de todos os cidadãos que nele habitassem, era quem iria sobrepujar a vontade do particular. O homem, por entender que a vida em sociedade era mais benéfica, passaria a atender os preceitos legais do Estado em prol do bem, ou seja, respeitaria a vontade da maioria da sociedade, mesmo que essa vontade fosse contra a sua própria.

Quanto ao último problema, o de como fazer o homem cumprir as determinações do Estado mesmo que seja contra o seu interesse, surgiu o poder estatal de obrigar o homem fazer aquilo que é considerado o melhor pela maioria dos cidadãos, sendo essa uma das facetas do Poder de Polícia moderno. Tal obrigatoriedade dar-se-ia através de sanções sejam de caráter civil, seja de caráter criminal.

Visto isso, fica claro que desde que se teve a primeira sociedade, foi necessário que o interesse público suprimisse o interesse privado, pois, se assim não fosse, como já dito anteriormente, instalar-se-ia uma anarquia.

3.2.1 – O interesse público é a união dos interesses privados?

Durante muito tempo, pensou-se que interesse público e interesse privado fossem coisas antagônicas.

Até hoje, alguns doutrinadores tendem a afirmar que o interesse público e privado se divorciam completamente. Entretanto, equivocam-se tais, pois é inadmissível que o interesse do todo seja diferente do interesse particular de cada um. Imaginemos um pacto social onde o que fosse acordado fosse contrário ao interesse de cada um dos pactuantes… Insofismavelmente, seria absurda a existência de tal contrato.

Vejamos a lição do insigne administrativista brasileiro Celso Antônio Bandeira de Mello:”É que, na verdade, o interesse público, o interesse do todo, do conjunto social, nada mais é que a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto abrigando também o depósito intertemporal destes mesmos interesses, vale dizer, já agora, encarados eles em sua continuidade histórica, tendo em vista a sucessividade das gerações de seus nacionais.” Como se pode ver, o interesse público deve sempre ter como fonte o interesse particular da maioria da população do Estado, pois o Contrato Social de uma sociedade nunca pode ser feito ao arrepio dos interesses particulares de cada um de seus membros.

Tomemos como exemplo uma limitação administrativa. Suponhamos que em determinada rua de uma cidade, o plano diretor reze que as construções não poderão ser maior que três andares. É completamente passível que algum dos moradores daquela região se indisponha com tal limitação, pois fere seu direito particular, mas não é crível que o mesmo cidadão se indisponha contra o instituto da limitação administrativa, pois lhe cabe ser contra o instituto de Direito Público que proporciona o bem comum pelo simples de ter sido utilizado em seu desfavor. Ou seja, pode-se ser contrário à aplicação do instituto da limitação administrativa quando em seu desfavor, mas não pode ser contra a utilização do mecanismo em qualquer caso, pois esse é o interesse da sociedade.

Ainda como exemplo, imaginemos que a mesma pessoa que se indispôs pelo fato de não poder erguer prédio com mais de três andares tenha construído um grande casa nesta mesma rua. Suponhamos ainda que também tenha sido construída uma boate no terreno contíguo ao seu, embora na mesma lei que proibia prédios com mais de três andares, também vedava a instalação de cômodos comerciais em tal área. Será que desta feita o cidadão seria contrário à limitação administrativa?

Por ser assim, vemos que é inafastável o interesse do particular do interesse público, haja vista ser este originado e vinculado àquele. O mesmo Celso Antônio Bandeira de Mello traz uma assertiva muito interessante quanto à inafastabilidade dos interesses públicos e privados, ao dizer que o interesse público, ou seja, o interesse do todo, é “função” qualificada dos interesses das partes .

Visto tudo, concluímos que o interesse público, de forma alguma, é um interesse autônomo, sendo até mesmo absurda o entendimento que tenta desvincular o interesse do todo do de cada particular. Assim, vemos que o verdadeiro interesse público é aquele que realmente consegue realizar os interesses dos particulares, pois esse é o objetivo maior.

Conceituando, temos o interesse público sendo a união dos interesses particulares dos cidadãos que habitam determinado Estado, sendo a premissa máxima do Estado de direito.

3.2.2 – Interesse Público Primário e Secundário

Mas poder-se-ia perguntar sobre os fatos realizados pelo Estado que não são do interesse público, ou seja, aqueles praticados não para atender os cidadãos, mas sim para a administração estatal.

Já é comezinho na doutrina italiana que os atos praticados administração onde não busca a realização direta do interesse público, ou seja, quando pratica atos ordinários ou de interesse da própria administração não deve ser este qualificado como de interesse público propriamente dito. Isso porque, como já dito no ponto anteriormente, a função primordial do Estado.

Acontece que como a função do Estado é a promoção do bem comum, não há dúvidas que até mesmo os atos ordinatórios devem ter, mesmo que indiretamente, um fundo de interesse público.

Quando a administração aluga um prédio para que possa realizar sua secretaria de finanças, por exemplo, não há dúvidas que isso em nada interfere na vida dos cidadãos. Mas tal fato, é intuitivo, irá, indiretamente, interferir na vida da sociedade, pois a administração do Estado, naquele local, irá prestar os serviços públicos destinados a tal secretaria, e como a administração, embora desconcentrada, é um todo único, alcançar-se-á o interesse social desejado.

Assim sendo tais atos também possuem certo caráter de interesse público, por isso a doutrina conceituou a motivação daqueles como sendo de interesse público secundário, pois o seu objetivo primordial não é o bem comum, mas acaba auxiliando na administração, fazendo parte, pois, do objetivo final do bem estar social.

Por ser assim, aqueles a motivação dos atos pelos quais a administração visa a realização precípua do bem comum é chamada de interesse público primário, posto ser a realização de tal interesse o objetivo do ato; e chamou de interesse público secundário os demais atos da administração que não visam diretamente o interesse público, sendo que tais atos nunca poderão ser contrários a este interesse.

Mas ainda resta um problema. E se os atos praticados pela administração forem contrários ao interesse público? Por exemplo, imaginemos que em uma desapropriação, o Estado queira pagar menos do que o justo preço como determina a legislação nacional; ou ainda, que para aumentar a receita dos cofres públicos, sem necessidade comprovada, aumente demasiadamente o valor dos impostos. Não há dúvida que, nesses casos, a administração está sendo contra o interesse público.

Observado isso, podemos concluir que tais atos não devem prosperar, pois, mais uma vez, o dever da administração, num Estado democrático de Direito que observa verdadeiramente o seu pacto social, é sempre atender o interesse público. Se assim não fosse, voltaríamos aos tempos, já citados no primeiro capítulo dessa obra, do absolutismo ou do feudalismo, onde a vontade do soberano se sobrepunha na vontade do povo. É por isso que os princípios da legalidade, moralidade e eficiência, em todos os atos administrativos, devem sempre ser seguidos, pois o que é contra o interesse público não deve nem mesmo ser nominado de ato administrativo.

Assim sendo, os atos administrativos devem sempre se imbuir em interesse público, seja primário, seja secundário, pois essa é a verdadeira função do Estado, devendo os atos contrários a tais interesses ser extirpados de nossos Estados.

3.3 – Pode o particular defender um interesse público?

Grande incógnita até algum tempo era se havia ou não possibilidade de o particular, por si mesmo, pudesse defender interesses públicos. Várias foram as correntes de pensamento que defendiam ambos os lados, cada uma abalizada em teorias respeitáveis.

Nos dias atuais, ao que parece, os pensadores que defendem a possibilidade da defesa do interesse público pelo particular parece estar em voga. A lei, a princípio e de maneira tímida, possibilitou ao particular a defesa de certos interesses públicos pelo particular ao trazer à baila a ação civil pública e a ação popular, mostrando o amadurecimento da idéia da possibilidade da defesa.

Mas acontece que não seria necessária nem mesmo a existência das ações citadas para a conclusão da possibilidade da defesa. Isso porque, como dito acima, o interesse público nada mais é do que o conjunto dos interesses particulares de cada cidadão de uma sociedade. Ora, se assim o é, não há dúvidas da admissibilidade da defesa, pois é a própria Carta Magna quem determinada defesa do direito daquele que se considera lesado, ou seja, aquele que sente ofendido em seu direito pode e deve recorrer ao Poder Judiciário ou a quem de direito para resguarda-los.

Exemplo da defesa do interesse público por particulares foi o que aconteceu no Estado de Minas Gerais nos últimos anos. Prefeituras dos municípios mineiros instituíram uma taxa chamada “Taxa de Iluminação Pública” a todos aqueles que pagavam contas de luz e habitavam no município. Acontece que muitas foram as ações contestando a legitimidade da tal taxa, o que, de fato, foi reconhecida. Ora, é insofismável que a matéria tributária é de natureza pública, e, também, não há dúvidas que os particulares defenderam seus diretos frente à administração pública sem que, para isso, tivessem que se utilizar os “remédios constitucionais” ou de intervenção de associações ou do Ministério Público. Por ser assim, é o particular defendendo o interesse público, pois a cobrança de taxa ilegal pelo Estado é um desvio das atividades estatais e, conseqüentemente, uma afronta ao interesse público, sendo que essa não beneficiará somente àquele particular, mas sim a toda a coletividade, pois estará fazendo com o Estado cumpre verdadeiramente seus objetivos.

Assim sendo, em que pesem opiniões em contrário, é lídima a possibilidade do interesse público por particulares, tendo em vista que o interesse público nada mais é do que, com já mencionado, o conjunto dos interesses particulares.

3.4 – Supremacia do Interesse Público sobre o Particular

Após ter sido conceituado o que sejam os interesses público e particular, cabe-nos trazermos à baila o interesse maior desse trabalho, a supremacia do interesse público sobre o particular.

Já vimos anteriormente que a supremacia encontra-se em nosso meio a vários e vários séculos. Desde a primeira sociedade, tinha-se, mesmo que de forma inconsciente, a superioridade do interesse do todo frente ao de cada participante da sociedade.

O princípio ora estudado também é chamado de princípio da finalidade pública e está presente na elaboração, aplicação e fiscalização das leis, ou seja, deve ser observado pelos três Poderes do Estado. Nos dizeres de José Cretella Júnior , a supremacia do poder público sobre o particular é o princípio informativo do Direito Público. Sem dúvidas. O princípio ora colocado é, juntamente com o da legalidade, o mais importante do Direito Público e basilar para qualquer legislação neste ramo. Foi a partir do século XIX, principalmente pela observação das idéias iluministas, que o Estado deixou sua posição passiva frente aos interesses particulares, que se relegava à mera fiscalização, e passou a buscar a justiça social e o bem comum, verdadeiro papel do Estado.

Para isso, o Estado, tanto na elaboração, quanto na aplicação das leis, passou a utilizar-se do princípio de que seus atos deveriam primar sempre para o interesse da maioria. Assim, o Estado passa a ampliar sua área de atuação, participando nas áreas saúde pública, da educação e de diversas outras que anteriormente não mais se preocupava.

Além disso, o Estado passa a participar de áreas que propiciavam maior comodidade e bem viver aos seus cidadãos, como a arte, o esporte, o patrimônio histórico e diversas outras. A partir disso, vê-se claramente que o Estado deixou sua passividade para se engendrar nos interesses sociais de seus concidadãos. Mas para que isso fosse possível, o Estado teve que primar pelo bem comum, relegando os problemas particulares para serem resolvidos por aqueles que se sentissem ofendido.

Por ser assim, vemos que o Estado moderno busca muito mais o interesse comum do que o de cada particular em si. Para o Estado Moderno, a busca da justiça social é o que deve prevalecer, mesmo que para isso alguns interesses particulares acabem sendo sejam prejudicados, pois esse é preço da vida em sociedade, tendo em vista que a busca maior é a realização dos interesses da maioria.

Diversos filósofos descreveram a necessidade da preponderância do interesse da maioria. O grande e saudoso filósofo socialista Karl Marx, em seu insigne trabalho “O Manifesto Comunista”, afirma que o grande mal humano era a luta de classes que, segundo ele, sempre existiu. Em sua época, era grave a situação dos proletários, principalmente ingleses, que trabalhavam em fábricas insalubres, escuras, em jornadas de trabalho desumanas e percebendo salários miseráveis. Enquanto isso, os burgueses, mesmo sendo a minoria da população, “nadavam” em suas fortunas advindas de lucros exorbitantes e prezavam de enormes benefícios do Estado.

Karl Marx, em sua sabedoria inconteste, e buscando o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, vendo que a maioria da população exigia mudanças, e observando ainda que o grande objetivo do Estado era a busca do bem comum, propôs uma “Revolução Comunista”, aonde o povo chegaria ao poder e, ali estando, faria realmente o papel do Estado que é a busca da Justiça Social, que não estava sendo buscada naquele momento. Para isso deixou ao mundo uma das frases mais famosa e importante de todos os tempos: “Proletários de todos os países, uni-vos”.

Isso vem nos mostrar que o Estado realmente deve buscar o bem comum, ou seja, o interesse público, pois esse é seu papel fundamental, sob pena de ver seu poder tomado através de Revoluções, como tantas vezes já aconteceram.

Assim sendo, vemos que para que o homem possa viver em sociedade, todos deverão ter algumas de suas liberdades diminuídas, pois se assim não fosse, estaríamos em um Estado Anárquico. Em contrapartida, são disponibilizadas ao homem as benesses da vida em sociedade. Ademais, o interesse do todo deve prevalecer sobre interesses particulares, posto que, em toda sociedade, o que se deve buscar é o interesse da maioria, e não se render a interesses particulares. Funda-se aí a supremacia do interesse público sobre o particular.

Vejamos agora, como o Estado moderno busca essa supremacia. 3.4.1 – Utilização e importância no Direito Brasileiro

Sendo de interesse público, a supremacia está presente principalmente no direito constitucional e administrativo brasileiro, pois são nas normas concernentes a essas duas áreas é que o Estado tutela os interesse mencionados.

A importância maior do princípio da finalidade pública está na tão falada justiça social. O Estado existe como um meio facilitador para se administrar uma sociedade. Já existiram sociedades onde não havia Estado nem Governo, mas isso só é possível em pequenas sociedades. A experiência já demonstrou que o homem deve ter um ponto de referência, um líder para que a vida em sociedade seja possível.

Ora, se o Estado é o meio utilizado para a facilitação da vida em comunidade, não há dúvidas que sua busca pelo interesse público deve ser preponderante, e se o Estado visa o bem comum, aí está a importância do princípio ora estudado em nossa legislação, pois só haverá uma verdadeira justiça social se o interesse do todo superar o individual, embora sejamos sabedores que nem sempre isso ocorre.

Quanto à utilização do princípio na legislação nacional, vimos que o Constitucional e Administrativo são os ramos em que mais se observa a presença da finalidade pública.

A professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, assim nos fala a respeito da utilização do princípio:

“Em nome do primado do interesse público, inúmeras transformações ocorreram: houve uma ampliação das atividades assumidas pelo Estado para atender às necessidades coletivas, com a conseqüente ampliação do próprio conceito de servidor público; o mesmo ocorreu com o poder de polícia do Estado, que deixou de impor obrigações apenas negativas (não fazer), visando a resguardar a ordem pública, e passou a impor obrigações positivas, além de ampliar o seu campo de atuação, que passou a abranger, além da ordem pública, também a ordem econômica e social. Surgem, no plano constitucional, novos preceitos que revelam a interferência crescente do Estado na vida econômica e no direito de propriedade; assim são as normas que permitem a intervenção do poder público no funcionamento e na propriedade das empresas, as que condicionam o uso da propriedade ao bem-estar social, as que reservam para o Estado a propriedade e exploração de determinados bens, como as minas e demais riquezas do subsolo, as que permitem a desapropriação para a justa distribuição da propriedade; cresce a preocupação com os interesses difusos, com o meio ambiente e o patrimônio histórico e artístico nacional.”

Como se pode ver, a área de utilização do princípio da supremacia é ampla. Seja em questões contratuais ou mesmo de forma unilateral, o Estado impõe a suas administradas certas regras visando sempre o bem comum. É indiscutível a necessidade de sua utilização bem como sua importância no corpo legal de uma sociedade organizada e busca o verdadeiro fim do Estado. 3.4.2 – Limitações ao Princípio

Embora tenhamos explanado a necessidade da supremacia do interesse público sobre o privado, é inconteste que existem certas limitações a tal princípio.

Como no Direito não existe verdade absoluta e que em toda regra existe ao menos uma exceção, o presente princípio também possui algumas limitações. Mesmo que pareça conflitante, existem ocasiões que o interesse privado, a princípio, parece sobrepujar o público. Isso acontece nos casos de coisa julgada, ato jurídico perfeito e direito adquirido, que são resguardados pela Carta Política de 1988, em seu artigo que trata dos direitos e garantias fundamentais.

Em casos onde exista, por exemplo, o direto adquirido, mesmo que este direito pareça ser contrário ao bem comum, o mesmo deve prosperar, em que pese o princípio da supremacia. Mas tal fato se dá não para que se atenda especificamente o interesse de determinado cidadão, mas sim para se garantir também um interesse público, que é a segurança social.

Um exemplo muito claro é a eterna discussão a respeito da reforma da Previdência em nosso país, principalmente dos funcionários públicos. Imaginemos que houvesse uma grande mudança e afetasse até mesmo os que possuíam direito de se aposentar pelas regras antigas. Seria justo que aquele que passou toda sua vida laborando e cumprindo rigorosamente as regras que lhe eram impostas agora, tendo cumprido todos os requisitos, fosse tolhido de seu direto? Com certeza, isso não pode acontecer. Mas poder-se-ia ainda perguntar: mas e o rombo existente na previdência, toda a comunidade terá que pagar? Embora seja um dilema ainda resolvido por nossos políticos, cremos que a ordem constitucional, em hipótese nenhuma mira permitir que se negue um direito adquirido em razão do bem comum.

Mas mesmo em tais casos, vemos que, indiretamente, o que se busca é também um interesse público, pois embora beneficie o particular em determinado caso, também se está garantindo a segurança social a toda a comunidade.

Assim, vemos que mesmo com as restrições mencionados, vemos que, indiretamente, o que realmente se visa é o bem estar da população que estará amparada pela segurança social em seus atos.

3.5 – Maneira de se alcançar a supremacia – sanção

Depois de reconhecer que o interesse público deveria sobrepujar o particular, necessitava-se ainda de um modo para dar imperatividade a tal princípio. Isso porque poderiam existir diversas normas versando sobre temas dos mais diversos colocando o bem comum sobre o particular, mas que ficariam sem utilidade se não se pudesse impor as normas aos particulares.

Já vimos que para que o homem vivesse em sociedade, foi necessário se abster de algumas de suas liberdades. Acontece que alguns desses homens não aceitam a perda de seus direitos em proveito de toda a sociedade. Então, como resolver esse impasse?

A sociedade viu-se frente a um dilema, era necessário se fazer normas capazes de alcançar a justiça social e, ao mesmo tempo, garantir as liberdades individuais. Além disso, ter-se-ia ainda que alcançar um modo de obrigar os cidadãos a cumprirem seus mandamentos.

Foi aí que surgiu a necessidade do Estado possuir poder de coação sobre os seus. Foram criados diversos institutos, como o Poder de Polícia, para dar poderes à administração para impor o cumprimento das normas. Também o Judiciário, com a tripartição de Montesquieu, passou a impor as normas da administração.

A Administração passa a criar normas impositivas e cria apenamentos para aqueles que descumprem seus mandamentos. É o que nós chamamos de coação. As penas passaram a ser impostas de diversas maneiras, sendo que, hodiernamente, são utilizadas as espécies de privativa de liberdade, restritiva de direitos e financeiras.

Como se vê, o Estado, para impor a vontade da maioria, acabou sendo tolhido a criar sanções para que lei fosse cumprida. Não há dúvidas que tais sanções retiram direitos e liberdades dos cidadãos que descumprem a lei, mas como a supremacia do interesse público sobre o particular é a busca constante do Estado, mas uma vez o particular deve se submeter à vontade da maioria. 3.6 – Contextualizando

Tudo o que dissemos neste capítulo tem em vista o verdadeiro sentido do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado na visão moderna, ou seja, na

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