Pesquisa na base de dados da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho aponta que não há registro de aplicação direta pelo TST dos efeitos do chamado factum principis – ou fato do príncipe ou ato de império – em seus julgados. O instituto previsto no artigo 486 da CLT prevê que, no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. Em apenas um caso, a caracterização do “fato do príncipe” – reconhecida pela segunda instância – foi mantida por razões processuais, sem que os ministros opinassem sobre a questão de mérito.
A decisão mais recente do Tribunal Superior do Trabalho envolvendo a questão do “fato do príncipe” (factum principis) ocorreu no julgamento de recursos da Clínica Médica e Cirúrgica Santa Genoveva Ltda., do Rio de Janeiro, fechada em 1997 por determinação do Ministério da Saúde, depois da morte de 94 idosos no período de dois meses em razão de falta de higiene ou tratamento adequado. Com o seu descredenciamento do SUS, 300 funcionários foram demitidos. Nos recursos ao TST, a defesa da clínica tem alegado, sem sucesso, que a paralisação de suas atividades decorreu de ato federal, o que obrigaria a União a responder pela indenização aos ex-empregados.
A aplicação do instituto do factum principis foi negada pelo TST, que declarou a responsabilidade exclusiva da Clínica Santa Genoveva pelos encargos trabalhistas. O relator de um dos recursos – o juiz convocado Walmir Oliveira da Costa – afirmou, à época, que “o factum principis supõe ato estatal, um ato de império, e não se caracteriza se a administração pública age como contratante e intervém na contratada que, por má administração, causou a morte de quase uma centena de pacientes, bem como não acarreta a responsabilidade do ente público pelos encargos trabalhistas do empregador”.
Segundo os advogados da clínica, o descredenciamento feito pelo Ministério da Saúde foi “sumário e ilegal” e resultou no bloqueio de aproximadamente R$ 400 mil devidos à Santa Genoveva, impedindo-a de pagar verbas rescisórias aos funcionários, dando origem a centenas de reclamações trabalhistas. Em outro recurso julgado pelo TST, a relatora – a juíza convocada Eneida Melo apontou as exigências para a configuração desse instituto na Justiça do Trabalho: a imprevisibilidade do evento, a inexistência de concurso direto ou indireto do empregador no acontecimento e a necessidade de que o evento afete substancialmente a situação econômico-financeira da empresa.
O entendimento do TST sobre o tema é o de que se a empresa contribui diretamente para o ato de interdição por parte da autoridade pública não pode invocar os benefícios do factum principis. Tendo sempre em vista a preservação do interesse público de fiscalizar e interditar estabelecimentos que não atuem dentro da lei, é incontroverso o poder conferido à Administração Pública para fechar o negócio por motivo de força maior. Se o empregador, por sua exclusiva culpa, dá causa à interdição por parte do órgão fiscalizador, deve assumir a responsabilidade por sua incúria na administração do negócio. Nesse caso, outro artigo da CLT – o 501 – dispõe que “a imprevidência do empregador exclui a razão de força maior”.
Num dos casos julgados pelo TST, a empresa Nova Próspera Mineração S/A, de Criciúma (SC), reivindicou a aplicação do instituto em razão de leis municipais que criaram as áreas de preservação permanente, abrangendo minas onde realizava exploração de minério. Como uma das leis (Lei Municipal nº 2.459/90) é anterior à licitação para a venda das minas (realizada em 1991), o TST decidiu que não há como se falar em previsibilidade das conseqüências do ato legislativo e, por isso, afastou a caracterização do factum principis. O Município de Criciúma foi excluído da ação trabalhista envolvendo um ex-empregado e a empresa mineradora.
Entretanto, em outro julgado envolvendo a mesma empresa, a Segunda Turma do TST manteve a decisão do TRT de Santa Catarina (12ª Região)que obrigou o município a responder solidariamente pelos débitos trabalhistas contraídos pela Nova Próspera ao dispensar seus empregados. Com isso, apesar de não obter do TST pronunciamento direto sobre o mérito da questão, a Nova Próspera foi beneficiada pela decisão. Ao não conhecer do recurso do Município, a Segunda Turma do TST manteve a decisão regional favorável à mineradora. Para o TRT/SC, a empresa ficou impossibilitada de continuar suas atividades nas duas únicas minas que podia operar e, por isso, foi obrigada a dispensar todos os seus empregados. Em 1995, uma outra lei (Lei Municipal nº 3.179/95) ampliou a área de proteção ambiental, alcançando outras duas jazidas da empresa.
Revogações e alterações na concessão de linhas de transporte fluvial também têm levado empresas a requerer, na Justiça do Trabalho, a aplicação dos efeitos do factum principis nas ações trabalhistas que respondem. Nesse caso, o entendimento do TST é de que a revogação de concessão de linha de transporte fluvial é um ato previsível praticado pela administração pública no exercício de seu poder discricionário. O cancelamento da concessão nesse caso não caracteriza factum principis porque o concessionário-empregador sabe, de antemão, a transitoriedade e a precariedade da concessão, a todo tempo passível de revogação por ato unilateral da administração.