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Peculiaridades do direito de família

A importância do estudo do direito de família reside na necessidade de regular as relações existentes diversos membros e as influências que exercem sobre as pessoas e bens. Sua relevância inquestionável social, ética e histórica diferenciam o direito de família dos demais ramos do direito.

Pela ordem traçada pelo NCC, examina-se primeiramente o casamento, como base da família, as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges das diversas filiações, o ex-pátrio poder, ora denominado de poder familiar e, os institutos protetivos como a tutela e a curatela.

Mestres franceses bem que quiseram atribuir personalidade jurídica à família, alegando a existência de direitos próprios que pertencem ao grupo e não aos seus membros individualmente.

O direito de família possui mesmo um estilo e técnica próprios vindo mesmo a confrontar-se com alguns dos sagrados princípios da teoria geral do direito.

Principalmente, por exemplo, no que tange as nulidades onde um casamento nulo é, diante de algumas hipóteses, passível de convalescer, diversamente do que ocorre com qualquer outro ato jurídico nulo.

Tais exceções peculiares à teoria das nulidades se justificam por motivos biológicos e éticos onde é mais relevante o interesse do grupo.

Desta forma são protegidos os direitos de família por disposições de ordem pública e pelo extremo formalismo que se caracterizam como irrenunciáveis, intransferíveis por ato voluntário, e, imprescritíveis, que admitem, em certos casos de inadimplência obrigacional, a execução compulsória em vez de ressarcimento das perdas e danos.

Destes direitos de família dependem o status da pessoa, que pode ser modificado por um fato jurídico e jurígeno( como por ex: nascimento, seja por um ato jurídico adoção, casamento).

Os direitos da família só se transferem o status ocupado pela pessoa dentro do quadro familiar, defendendo os interesses não apenas dos indivíduos mas sim de todo o grupo familiar.

O Código Civil Brasileiro segundo Arnoldo Medeiros da Fonseca aponta a utilização da palavra família em sentido lato quando no art. 76, parágrafo único declara que o interesse moral que justifica a ação pode ser tanto do autor como de sua família.

Em seguida, aponta também o art. 263, IX ao referir-se aos retratos de família excluídos da comunhão, usa a lei esta expressão com a maior amplitude.

Numa reminiscência ao direito romano, a lei brasileira em sua dicção do art. 742 do CC atribui ao usuário o direito de fruir, a utilidade da coisa dada em uso, quando o exigirem as necessidades da família do usuário compreendem as das pessoas de seu serviço doméstico.

In stricto sensu, família significa o casal e filhos e, nesta acepção, o art. 240 institui obrigação para a mulher de auxiliar nos encargos da família, e no art. 293, II ,que autoriza excepcionalmente a alienação dos imóveis dotais em caso de extrema necessidade e por faltarem outros recursos para a subsistência da família.

Analisando os deveres de fidelidade e de assistência mútua e da prole impostos pela lei aos cônjuges e como pais ainda o dever de educação possui um inegável conteúdo moral e só em casos extremados admitem a intervenção do Poder Judiciário com a aplicação das sanções previstas de caráter indireto como a que ocorre na separação judicial.

O direito de família caracteriza-se sobretudo por ser local e cultural e as suas reformas implicam na modificação da escala axiológica e, algumas vezes, da ideologia dominante, onde as tradições históricas-religiosas refletem e justificam o sistema jurídico de família adotado.

Assinalou a doutrina moderna o caráter publicista do direito de família, cujas disposições são geralmente imperativas e ortodoxas, enxergando a família como um ente intermediário entre o indivíduo e o Estado.

A vigente Constituição Federal Brasileira ex vi § 4 º do art. 226 tornou elástica a acepção de entidade familiar apesar disto o direito de família é formalista exigindo solenidades especiais para o exercício dos atos fundamentais como casamento, reconhecimento de filho e adoção, cuja a maioria das disposições não admitem modalidade, ou seja, que sejam subordinadas às condições ou a encargo.

É curial distinguir os direitos subjetivos dos poderes jurídicos, quando existe o binômio direito-dever e o direito se exerce no interesse exclusivo do sujeito ativo da relação jurídica temos o direito subjetivo. Já quando apesar do binômio o titular do direito exerce no interesse do grupo social temos um poder jurídico.

Assim são poderes jurídicos, o pátrio poder, a autoridade marital, a tutela, a curatela. Se bem que o pátrio poder atualmente é denominado poder familiar é poder-dever(art.1.637 NCC).

E trata ainda os direitos de família são de caráter patrimonial ou extrapatrimonial. São extrapatrimoniais são os direitos e deveres que existem entre o marido e a mulher, entre os pais e filhos.

São patrimoniais os direitos reais e obrigacionais que emanam das relações familiares( é por exemplo o usufruto dos pais sobre os bens do filho menor); é direito obrigacional, o direito aos alimentos que os ascendentes, têm reciprocamente uns em relação aos outros.

As relações de família embora envolvam direitos e interesses que são protegidos pelo Estado, acontecem entre os particulares, no próprio grupo familiar, não importando que a maioria das normas que as circundam seja cogente e de natureza estatutária.

Não se pode desconsiderar que as relações nascem de atos de vontade e interessam diretamente aos particulares, que são as partes envolvidas, e só indiretamente devem interessar à sociedade.

Conforme argumenta Orlando Gomes “as relações de família travam-se , realmente, entre particulares”. Os direitos e deveres que compreendem exprimem interesses que embora tutelados pelo Estado e sujeitos a sua fiscalização e controle, são de ordem individual.

Tendo em vista a importância da família para a comunidade, o Estado restringe a autonomia privada limitando o poder da vontade dos indivíduos, mas com essa intervenção não sacrifica o propósito primeiro da disciplina, que é o de propiciar e fomentar o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos.

O fato de inserir-se entre os deveres do Estado, nas Constituições contemporâneas, a proteção da família não deve ser interpretada no sentido de que é instituto de direito público, ou que deve ser regulada pelos seus critérios técnicos-jurídicos.

Sobre a natureza do direito de família entende o mestre dos mestres, Caio Mário da Silva Pereira entende que o direito de família conserva a caracterização disciplinar do direito privado, e não desgarra da preceituação do direito civil ainda que reconheçamos a constantepresença de preceitos de ordem pública.

Henry James Summer Maine chegou à conclusão de que nas sociedades que evoluíram ocorreu a transformação das regras de conduta segue uma constante, passou do caráter estatutário para o contratual, ou seja, do regime outorgado para um regime consentido.

Expressão que acabou em resultar na emblemática Lei do Maine, a de um direito imposto para um direito consentido. Seria difícil compreender fora da Lei do Maine a ascensão moderna que experimenta no primeiro mundo o slogan moins dÉtát, plus de droit, vale dizer, retração do Estado, de um lado, o fortalecimento do indivíduo e da sociedade civil, de outro.

Face a evidente crise do Estado nacional, a tendência é para o amplo revigoramento da sociedade civil em cujo centro está o indivíduo com seu perfil pessoal, único e singular.

Cabe ao Estado minimalista restringir a sua intervenção que assegurem aos indivíduos e aos grupos condições de excelência para seu pleno desenvolvimento e seu progresso.

Ratifica José Lamartine C. de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz que o Direito de Família está integrado no Direito Civil e tem por fim a determinação das condições nas quais se formam, se organizam, e se extinguem as relações familiares. A ordenação dessas relações jurídicas pertence ao Direito de Família. É parte do Direito Civil segundo a sistematização germânica que foi fielmente adotada pela legislação pátria.

Para os adeptos da concepção supra-individualista da família, onde há uma hierarquia nas relações entre marido e mulher e nas havidas entre pais e filhos.

Na dicção de Diez Picazzo e Antonio Gillon não são relações entre sujeitos iguais ou relações de coordenação, mas, sim, de supra e de subordinação, na qual o centro de gravidade não é a idéia de direito subjetivo, mas a de dever jurídico.

Tal corrente se configura inaceitável, principalmente mormente, onde é vigente e recorrente o princípio da igualdade de tratamento entre os cônjuges, entre os filhos de diversas origens, o que exige logicamente que a hierarquia entre as gerações seja atenuada.

Os poderes familiares são reconhecidos aos pais e medida dos interesses dos filhos relativos à educação e a instrução, e neste sentido é primorosa a preocupação do ECA com a prevalência do bem estar do menor.

A família não é uma pessoa jurídica, não possuindo existência jurídica autônoma para além de seus membros. De qualquer modo, irrefreável que a concepção do casamento quer como negócio jurídico privado e a substituição de um estatuto de subordinação por um estatuto de coordenação na organização da sociedade conjugal, com o redimensionamento dos poderes familiares o que permite, doutrinariamente afirmar o caráter privado do Direito de Família.

Sílvio Rodrigues justifica que as normas do Direito de Família são quase totalmente, de ordem pública, insuscetíveis, portanto, de serem derrogadas pela convenção entre particulares.

Tal intervenção estatal é universal, o que não faz inserir o ramo do direito de família na órbita juspublicista.

Apesar de todas evoluções sofridas pelo direito de família, o casamento permanece ainda sendo o centro gravitacional deste, embora o reconhecimento primeiramente jurisprudencial e, depois legal das uniões estáveis que correspondem o concubinato puro.

A doutrina majoritária muito longe de ser homogênea e pacífica, conceitua a família como instituição, devendo-se tal teoria ao francês Maurice Hauriou . Como instituição, a família é uma coletividade humana subordinada à autoridade e condutas sociais, como instituição é regular, formal e definida para realizar uma atividade em geral a procriação e a criação dos filhos.

O direito canônico que regulou a família até o século XVII e inspirou as leis civis que se seguiram, não era tecnicamente direito civil. Era constituído por normas imperativas, inspiradas na vontade de Deus ou na vontade do monarca., constituído por cânones e sancionadas rigorosamente com penalidades severas.

Onde o casamento assumia ser a pedra fundamental, ordenado e comandado pelo marido: “O pai/marido transforma-se, assim, numa verdadeira fonte de criação do Direito, de normas de organização interna de família que se impõem aos dependentes. A vontade do pai é lei”(Diogo Leite de Campos, In: Teixeira, 1993:20).

Sob tais termos, o casamento além de ser um sacramento gozava de perpetuidade e indissolubilidade tendo como fim a procriação e a criação dos filhos.A desvinculação do matrimônio da Igreja propiciou a revisão dessa dogmática.

O Código Civil novo procurou imprimir e disciplinar a família do novo século, seguindo obviamente o que antes em 1988 constitucionalmente já havia sido estabelecido e também através da legislação extraordinária.

Segundo Silvio de Salvo Venosa, é possível considerar o direito de família como um microssitema jurídico integrante do denominado direito social, embora tal denominação seja redundante, pois situa-se exatamente na zona intermezza entre o direito público e o direito privado, possibilitando a elaboração de um Código de Família, como em algumas legislações estrangeiras.

Aliás, a sugestão de se realizar um Código de obrigações, um de família, e, etc fora igualmente sugerida por Caio Mário da Silva Pereira e endossada por outros grandes doutrinadores, o que infelizmente não foi seguido pelo novo codex, posto que manteve o compartimento isolado dedicado a esse campo jurídico. Aliás, caminhamos mais uma vez na contra-mão da tendência mundial jurídica que caminha firmemente para a especialização dos diplomas legais.

Por outro lado, nenhum campo jurídico exige tanto do juristas e dos operadores de direito, uma mente aberta apta a adaptar-se as modificações e pulsações sociais que os rodeiam.

No direito brasileiro, a partir do século XX paulatinamente, o legislado foi derrubando barreiras e resistências, abolindo discriminações injustas aos bastardos, as companheiras, as mulheres casadas e até menos aos homossexuais, apesar de que quanto a estes últimos o projeto de lei de Marta Suplicy continua em trâmite emperrado na Congresso Nacional.

A luta legislativa foi mesmo árdua principalmente quanto ao divórcio, e por fim, a grande influência do direito de família sobre os demais campos do direito, como o previdenciário, trabalhista, o fiscal e até mesmo processual.

Concluindo, apesar de sofrer a intensa publicização permanece o direito de famíliacomo parte do direito civil, e, portanto, abrigado dentro do ramo de direito privado dotado de características e definições especiais. E que recebeu especial reforço pelo ECA pois a proteção à criança é questão central desde 1959 aprovada pela ONU através da “Declaração Universal dos Direitos da Criança” e ratificada pelo Brasil em 1990.

Feliz foi a síntese de Ruggiero e Maroi sobre o direito família, que in verbis: “os vínculos se estabelecem e os poderes se conferem, não tanto para atribuir direitos quanto impor deveres, a tal ponto que não é somente a violação destes, mas o abuso ou simples mau uso daqueles geram a sua privação”. O caráter privado do direito de família não o retira ,da órbita do Estado.

É notável que a medida que o totalitarismo do pai foi arrefecendo dentro do direito de família, foi desenvolvendo paralelamente o fortalecimento do Estado de Direito, com a supressão da violência, da arbitrariedade e da supremacia da força sobre a razão.