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Princípio da insignificância livra sexagenária de processo por furto de dois frascos de creme

Que prejuízo sofre uma rede de supermercados quando dois frascos de creme são furtados de uma de suas lojas? A questão foi debatida e julgada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao conceder o pedido de habeas-corpus em favor da comerciante Maria Lúcia Barbosa. Baseando a decisão no princípio da insignificância, os ministros trancaram a Ação Penal proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que havia denunciado a senhora sexagenária por crime contra o patrimônio do supermercado Bon Marché. Maria Lúcia estava sendo processada por furtar dois potes de creme da marca Vasenol no valor de R$ 2,59 cada.

No dia 1º de fevereiro de 2001, Maria Lúcia foi às compras no Bon Marché localizado na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, como costumava fazer regularmente. Pagou no caixa a quantia de R$ 34, 54 e se dirigiu para a porta de saída quando foi abordada por um dos seguranças da loja que, delicadamente, informou à consumidora de que ela havia se esquecido de pagar duas mercadorias “guardadas” na bolsa dela. Maria Lúcia teria se desculpado imediatamente, retornando ao caixa para efetuar o pagamento dos dois frascos de creme. Todavia, um sargento do Corpo de Bombeiros, abordado por engano pelo mesmo segurança, se sentiu ofendido e resolveu chamar a polícia militar.

O sargento e Maria Lúcia foram levados para a delegacia sob o argumento de que iriam “desfazer um mal-entendido”. De acordo com a defesa da comerciante, “em momento algum cogitou-se a hipótese de furto por parte da paciente, mesmo pelos próprios representantes do supermercado, que admitiram ser a paciente cliente assídua do Bon Marché”. Apesar de os fatos explicitados no Inquérito policial apontarem para a tese do mal-entendido, o Ministério Público decidiu fazer a denúncia contra a comerciante, acusando-a de crime contra o patrimônio.

Alegando que o caso da comerciante se enquadraria no princípio da insignificância, proporcionalidade e razoabilidade, ou seja, que o valor do bem furtado seria insignificante se comparado ao patrimônio da vítima – um supermercado do grupo Sendas –, o advogado da comerciante entrou com um pedido de habeas-corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ). No pedido, a defesa de Maria Lúcia afirmava que a senhora estava sofrendo constrangimento ilegal por não haver justa causa para Ação Penal contra ela. Entretanto, o TJ/RJ denegou o pedido, ressaltando que “ o pequeno valor da coisa furtada não torna, necessariamente, insignificante a infração penal praticada pela paciente”.

Inconformada, Maria Lúcia recorreu ao STJ. Enfatizando a “inexpressividade do fato”, o advogado da comerciante lembrou o alto custo de instauração de um processo penal face à quantia de seis reais envolvida na questão. “Então, mova-se a máquina judiciária, submeta-se a paciente às agruras do processo penal, disponha-se do trabalho de escreventes, oficiais de justiça, imprensa oficial, juízes, promotores, para, ao final, ser reconhecido o crime de bagatela. É esse o espírito da Lei? O valor do furto é ínfimo se comparado ao custo estatal para mover uma ação”, ressaltou a defesa.

Para o ministro Fontes de Alencar, relator do processo, o princípio da insignificância realmente se aplica ao caso, uma vez que “o ínfimo prejuízo causado ao patrimônio da vitima não é suficiente para afetar o bem jurídico tutelado pela norma penal”. Desse modo, o ministro concedeu a ordem para trancar a Ação Penal contra Maria Lúcia. Os demais integrantes da Sexta Turma acompanharam o voto do relator.