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Criança… Socorrer em tempo, a nossa maior esperança

Possivelmente todos já ouviram aquela música que fala que , “Depende de nós, Quem já foi ou ainda é criança, Que acredita ou tem esperança, Que faz tudo por um mundo melhor…” e já sentiram a responsabilidade que todos nós temos sobre aqueles que encontram-se em situação peculiar de desenvolvimento.

Não só este refrão, mas todas as estrofes chamam a atenção das pessoas e as convidam a refletir sobre o seu papel dentro da sociedade.

Infelizmente, apesar de todas os absurdos que temos visto, e podemos dizer, que temos permitido acontecer, só nos tem feito, na maioria das vezes, contribuirmos para as campanhas de instituições não-governamentais que tem socorrido nossas crianças. São campanhas importantíssimas e que merecem a nossa contribuição, mas que de nenhum modo eximem ou vão tibiar a nossa responsabilidade.

Como bem alerta Tânia da Silva Pereira, somos uma nação conhecida no mundo, “como destruidora de florestas e exterminadora de crianças, na maioria pobres e negras”(2). E o que temos feito para mudar esta situação? Talvez alguns respondam que estão cuidando da educação de seus filhos e estão garantindo que eles não venham a contaminar-se pela outra classe. Mas esquecem-se que, se nada for feito, amanhã a sua criança poderá ser a vítima daquela que foi esquecida ou mesmo ignorada.

Talvez tenhamos nos acostumados a ver novas leis serem editadas quando algo ou uma situação entre em evidência. Leis que tentam reprimir novos delitos e diminuir os índices que assustam a sociedade. E o que é pior, com a era da informática, dos produtos trangênicos, com a clonagem humana e tantos outras inovações deste mundo moderno, estamos sendo arrastados por uma onda que tem revelado novos crimes, novas circunstâncias até então não previstas e que em alguns casos, serão positivas tardiamente.

Corremos atras de modernizar os presídios, aumentar a segurança, e esquecemos que devemos primar nossas atenções por aqueles que irão compor a sociedade de amanhã. Que prevenir ainda é o melhor caminho. A exemplo, pode-se citar que hoje, os esforço tem sido imperceptíveis na guerra contra a reincidência, contra a criminalidade e isto, porque é muito mais difícil refazer do que construir, principalmente quando trata-se de um ser humano, já calejado pela vida, com sua visão e seus conceitos firmados em suas experiências, que embora desastrosas, são a sua referência. E ninguém vive aquilo quenão conhece…

Destarte, se queremos pessoas justas, devemos ensinar justiça. Se queremos cidadãos na acepção da palavra ( não meros indivíduos que à margem dos direitos, que só ouviram esta palavra nas músicas que clamam igualdade), devemos dar exemplos de cidadania. E isto e muito mais, exige não só contribuições em campanhas de entidades que muitas vezes apenas conhecemos de ouvir falar, porque nos limitamos às doações pecuniárias, e que de certa forma, utilizamos para justificar nossa postura omissa e cômoda.

Mas as coisas ainda podem mudar…O Brasil conta com uma lei ultra-moderna que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente ( Lei 8.069 de 13 de julho de 1990) e que apesar dos seus mais de onze anos, continua a sofrer os entraves que obstam a sua total aplicabilidade. E o primeiro ainda é, a falta de conhecimento da população, quanto aos dispositivos que nela contém.

E é curioso como foi recebida pela grande maioria. Quando as propagandas televisivas iniciaram-se, muitos adultos sentiram-se afrontados por entenderem-se limitados pelo seu direito de pais e educadores, e ainda, que o então estatuto tiravam os seus direitos, e não viam que ele tem como primordial função, a consagração da proteção integral e outros princípios que se tornaram basilares na construção de um futuro melhor e mais igualitário. Havia ainda a contaminação da filosofia disseminada na doutrina da “Situação Irregular” do Código do Menor de 1979, que não via a criança como um sujeito de direitos.

O Estatuto, em seus 267 artigos, prevê direitos e também medidas sócios educativas para os adolescentes infratores. E, estabelece princípios, dentre os quais vale destacar o “princípio do atendimento compartilhado” (ou pode-se chamar “princípio da responsabilidade concorrente”), e o “princípio da prioridade absoluta”, princípios estes constitucionais, com previsão expressa no artigo 227.

Assim estabelece o artigo 4º do Estatuto : “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiare comunitária.”

Portanto, é dever de toda a coletividade, guardar os direitos das crianças e dos adolescentes. E aos guardá-los, se constatarem uma situação em que estes e outros interesses da coletividade, estiverem aguardando providências, considere-se os interesses da criança em primeiro lugar. Ou seja, é “prioridade absoluta”. E a intenção da lei, não é frisar qualquer redundância, pois uma prioridade é uma prioridade, mas que, se duas prioridades se encontrarem, prevalecerá a que beneficia a criança e o adolescente.

E como bem estabelece a lei, a responsabilidade coloca o Poder Público sob a mesma ordem. E aqui, merece especial atenção, pois ao mesmo tempo que coloca o Poder Público sob a determinação, coloca a sociedade também na função de fiscalizar para o total cumprimento do que assim dispõe o artigo em comento.

E qual tem sido a prioridade dada pelos chefes do executivo, quando constata-se que grande maioria dos municípios não tem sequer instituído o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA e até mesmo do Conselho Tutelar? Trata-se de responsabilidade objetiva e enseja desde mandado de injunção onde há ausência de lei municipal para a implementação, como também ação civil pública com tutela antecipada, nos casos em que já existe a lei, mas não houve a sua estruturação.

A criação do Conselho Municipal e do Tutelar, envolve um terceiro princípio, a saber, “princípio da municipalização do atendimento” , previsto nos artigo 88, I e III da Lei 8069/90 e artigo 227 §7º e 204, I da Carta Magna.

Instituir os Conselhos Municipais é de relevante importância, pois é através deles que a população é representada. O artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentou o “princípio da participação popular” o qual é previsto nos artigos 227, §7º e 204, II da CF/88.

A participação popular nos conselhos é paritária, ou seja, cinqüenta por cento da composição será composta pela sociedade civil organizada, por isso a população deve estar atenta, e acompanhar a estruturação e o desenvolvimento dos trabalhos realizados e inclusive, acompanhar a aprovação das dotações e leis orçamentárias, pois estas deverão obrigatoriamente prever recursos para a manutenção não só do Conselho Municipal como também da Conselho Tutelar, pois sem recurso, nada funciona.

Em síntese, pudemos destacar cinco princípios : da prioridade absoluta; do atendimento compartilhado (ou responsabilidade concorrente); da municipalização do atendimento; e, da participação popular. Mas nenhum desses princípios e mesmo dos outros que norteiam o direito da criança e do adolescente, terão qualquer eficácia se não houver conscientização e esforços para que os mesmos sejam cumpridos.

Uma importante obra tem por título “Vigiar e Punir”(3); mas este nome recebeu, porque versa sobre os adultos, pessoas já intelectualmente formadas, que, podem ser sim recuperadas, mas requer atos muito mais complexos, como já mencionamos. Podemos construir uma história, a qual começa com o título “Vigiar, para não termos que punir”. E que tal começarmos pelas leis orçamentárias que estão em fase de aprovação?

Como bem disse Ihering: “A luta pelo direito é um dever para consigo próprio.A defesa do direito é um dever para com a sociedade” (4)

____________02. – Tânia da Silva PEREIRA. Direito da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Renovar, 1996 , p. 1 03. Michel Foucoult . Vigiar e Punir – História da Violência nas Prisões.Tradução de Raquel Ramalhete. 14ª edição. Rio de Janeiro: Editora Vozes,199604. Rudolf Von IHERING. A Luta pelo Direito. Tradução de João Vasconcelos.5ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1985, p. 11