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Consentimento da vítima não afasta presunção de estupro contra menores de 14 anos

A relação sexual mantida com menor de 14 anos, mesmo com o consentimento da vítima, corresponde à conduta criminosa prevista nos artigos 213 e 224 do Código Penal (CP) que, interpretados em conjunto, correspondem à figura do estupro presumido. Este entendimento do Superior Tribunal de Justiça foi confirmado, recentemente, durante o julgamento de um recurso especial negado por sua Sexta Turma e cujo relator foi o ministro Vicente Leal.

Segundo a afirmação feita pelo ministro durante o julgamento, “a circunstância de haver tido o consentimento da menor nas relações sexuais não desfigura o delito, persistindo a lesão ao bem jurídico tutelado, pois a infeliz criança permanece sofrendo a ação criminosa do réu, de modo continuado, sendo certo que atenta contra a natureza a prática de atividade sexual em idade infantil”.

A questão jurídica examinada pelo STJ remonta ao ano de 1995, quando o pedreiro catarinense Roberto Vieira manteve, durante quatro meses, um relacionamento amoroso com a menor EDS, que tinha 12 anos de idade à época. Após ter se aproximado da família da menor, sob o pretexto de conversar sobre temas espíritas com a mãe da vítima, Roberto Vieira começou a se encontrar, seguidas vezes, com a menor. Após um mês, EDS perdeu a virgindade e as relações só foram interrompidas quando o caso foi descoberto pela mãe da menor.

Os fatos renderam ao pedreiro uma condenação a 12 anos e meio de reclusão pela Vara Criminal de São José, Santa Catarina. A pena foi reduzida para oito anos e nove meses de prisão pelo Tribunal de Justiça catarinense após o exame de uma apelação. Posteriormente, a defesa de Roberto Vieira ingressou com um recurso especial no STJ questionando a interpretação do art. 224 do CP que estabelece a presunção de violência quando são mantidas relações sexuais com menor de 14 anos. Também foi pedida a aplicação da legislação com previsão de pena menor (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei 8.069 de 13/07/90) do que a estabelecida pela Lei dos crimes hediondos (Lei 8.072 de 26/07/90).

Durante o exame do recurso, o ministro Vicente Leal reforçou o entendimento do STJ sobre os dois temas. Em sua primeira análise, o relator da questão explicou que o ECA, que havia estipulado pena entre quatro e dez anos de prisão para o estupro cometido contra menor de 14 anos (art. 263), foi revogado neste ponto pela Lei dos crimes hediondos. Como o ECA só começou a vigorar 90 dias após sua publicação, a entrada em vigor da Lei dos crimes hediondos, que determinou o acréscimo de metade da pena para os autores de violência sexual contra menores de 14 anos, afastou a aplicação do dispositivo do ECA, que oferecia um tratamento mais brando para o tema.

No caso concreto, a defesa de Roberto Vieira pedia a aplicação do art. 263 do ECA ao caso porque a revogação expressa deste dispositivo só surgiu com a Lei 9.281/96, norma publicada um ano após a prática do crime. O ministro Vicente Leal demonstrou, contudo, que a revogação ocorreu mesmo com a Lei dos crimes hediondos, cuja vigência imediata se deu antes do período de 90 dias entre a publicação e a entrada em vigor do ECA.

Quanto à possível divergência do Tribunal em torno da presunção de violência aplicada às relações sexuais mantidas com menores de 14 anos, o ministro Vicente Leal confirmou o entendimento do STJ independente do concordância da vítima. “É que nessa idade, a menina-criança não tem capacidade intelectual e volitiva para manifestar oposição aos encantos do sedutor; a imaturidade fisiológica não lhe proporciona o contra-estímulo necessário para oferecer resistência”, observou o ministro.

“É certo que a realidade cultural de hoje é diferente daquela em que se inspirou o legislador de 1940. Todavia, é certo também que a questão da pedofilia criminosa é tema de preocupação mundial, tratado recentemente em conferência internacional sob o patrocínio da ONU e de várias entidades não governamentais. O abuso sexual contra crianças deve receber da sociedade e do Estado enérgica repulsa, concluiu o ministro Vicente Leal.