Os princípios fundamentais previstos na teoria clássica dos contratos são o da autonomia da vontade, o do consensualismo, o da força obrigatória dos pactos e o da relatividade dos efeitos dos contratos e, ainda, o da boa fé evoluíram de maneira diferente ao longo do tempo. O próprio modelo liberal do contrato sofreu forte inclinação socializante, imprimindo assim uma nova concepção de contrato. Seria o que chamamos de contrato contemporâneo.
A importância da igualdade formal entre partes e própria liberdade de contratar foi sendo torneada pela supremacia da ordem pública e, neste particular ganharam peculiar relevo os contratos atinentes às relações de consumo.
O princípio de boa fé sempre foi pouco aplicado e raramente lembrado na análise das relações contratuais.
Inegavelmente, foi o contrato, e, ainda o é, importante instrumento do progresso econômico, facilitando a circulação de riquezas, especialmente nos países ocidentais, por possibilitar maior segurança nos negócios, fomentando a lei da oferta e da procura, embora não tivesse originalmente o condão social de proteger os mais fracos.
O liberalismo do século passado lançou o contrato como o mais relevantes dos negócios jurídicos realizados entre pessoas, estabelecendo nem sempre um vínculo ético e equânime entre as partes.
O modelo de contrato em que se inspirou o Código Civil Brasileiro de 1916 centrados em bases individualistas, celebrado segundo uma igualdade meramente formal, fazendo lei entre as partes, e tendo suas forças expressas pelo clássico brocardo pacta sunt servanda. Com fulcro na imutabilidade contratual, os contraentes celebram livremente o acordo de vontade e, assumem todas as obrigações acordadas, segundo a vontade manifesta, devendo ser cumpridas aquilo que foi acertado.
Mas o pacta sunt servanda começa, pouco a pouco ceder lugar ao rebus sic stantibus, pois as necessidades sociais não acatam mais relações contratuais desequilibradas, com ausência de boa fé e sem o devido respeito à ordem pública.
A autonomia privada das vontades sob o rigor exacerbado do princípio da força obrigatória dos pactos, no final do século XIX e início deste, foi contida pela interferência do Estado nas relações contratuais que já havia se iniciado com a Revolução Industrial. Contudo, tornou-se mais evidente tal interferência estatal entre as duas Guerras Mundial, surgindo, destarte, o que se denominou dirigismo contratual limitando-se a liberdade de contratar, para que fossem evitados abusos em algumas relações contratuais.
Mazeaud et Mazeaud frisam que a obrigação originária de um contrato possui a mesma força que uma obrigação legal. E nisto ratifica a idéia que o contrato faz lei entre as partes.
Viceja assim, uma autonomia de vontade poderosa e vinculaste análoga realmente à lei pela força de sua cogência. É provida de imutabilidade moral, econômica e social.
As partes podem ainda reunir no mesmo contrato, regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. Mesclando contratos típicos com outros, atípicos.
Quanto à supremacia da ordem pública de noção fluídica e elástica, a depender, o preenchimento de seu conteúdo, dos valores morais, sociais, culturais e ideológicos de cada época.
Assim o art. 17 da L.I.C.C. prevê que as declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem aos bons costumes e à soberania nacional.
A ordem pública obteve precisos contornos através da jurisprudência. Uns doutrinadores explicam-lhe a natureza jurídica através da concepção territorialista da lei. Outros, porém, vêem motivação religiosa política e até ideológica em sua fundamentação. Corresponde mesmo a legítima defesa do Estado.
E neste sentido, preceitua Haroldo Valladão que não terão eficácia quaisquer declarações de vontade que visem a modificar a constituição da família ou que ofenderem a soberania nacional, a ordem pública, a eqüidade, a moral e os bons costumes.
É o acatamento às exigências da ordem pública interna que corresponde ao princípio de supremacia da ordem pública.
Ratificado plenamente pelo art. 5, § II da CF/88 instituindo que: ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
A doutrina do Direito Social foi gradualmente disciplinando as reformas dos Códigos Civis e, desenvolveu peculiar feição social em que a ordem pública e a proteção dos mais fracos são prioridades.
Já o princípio do consensualismo existia desde tempo de Gaio, ao lado das obligationes re, verbis e litteris, há quatro contratos consensuais onde a obrigação nasce apenas do consensus.
Os pactos adjetos, pretorianos e legítimos passam a gerar obrigações, embora não os enquadrem entre os contractus.
Na verdade, os pactos eram modalidades mais primitivas do que propriamente os contractus. Há quem investigue na sua predominante oralidade, tal vestígio de sua simplória existência.
Mesmo na ciência política, o contrato encontrou referência no Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau.
A tipicidade contratual abalou-se bastante com a admissão dos chamados contratos inominados, ou atípicos, que formam uma categoria abstrata e que têm em comum a unidade de uma ação que os tutela e o fato gerador da obrigação: a execução, por um dos contraentes, de sua prestação faz nascer para o outro, a obrigação de efetuar a contraprestação.
O princípio do consensualismo exprime-se pela obrigação nascer do elemento objetivo e, não de acordo de vontade que é mero pressuposto fático.
O formalismo da stipulatio foi sendo abrandado e, só restando para alguns tipos de contratos dotados de figura própria e autônoma.
Na Idade Média, o acordo de vontade ganhou força por influência do Direito Canônico, sendo a máxima do direito matrimonial (o consentimento expresso, espontâneo e inequívoco) sendo o casamento concebido como contrato pelo direito natural e erigido à categoria de sacramento mediante Benção Apostólica, e pelos ensinamentos da Escola do Direito Natural, prestigiando a vontade como mola propulsora da vida social, econômica e jurídica.
O contrato sela-se por consenso exceto as hipóteses de contratos reais e formais para cuja celebração é indispensável a traditio da coisa e a observância de determinadas formalidades, tais como a elaboração de instrumento por escrito e registro competente.
O art. 129 do C.C. traça a regra de não-formalidade para a validade das declarações de vontade, e o art. 1.079 do C.C. enuncia o poder da manifestação de vontade nos contratos ser tácita, quando a lei não exigir expressamente.
A forma do contrato pode funcionar como garantia do ato e nem sempre é da substância do ato, prevalecendo mesmo à informalidade para as declarações de vontade.
Há de guardar cuidado com as expressões utilizadas no contrato visando o resguardo da boa fé e da transparência.
Brechas no princípio da força obrigatória dos contratos foram feitas pela teoria da imprevisão radicada no rebus sic stantibus originário do Direito Canônico. É hoje acolhida sob a fórmula da resolução do contrato por onerosidade excessiva.
O Código Brasileiro do Consumidor em seu art. 6, § V, se orienta no sentido de apenas prever a revisão de cláusulas contratuais, em razão de fatos supervenientes, as tornem excessivamente onerosas, tornando assim a obrigação inexeqüível.
O Projeto de Código Civil em seus arts. 478 a 480 dispõem expressamente sobre a resolução do contrato por onerosidade excessiva.
Quem melhor traduziu o rebus sic stantibus foi Santo Agostinho em seus Sermões para o Povo: Quando ocorre alguma coisa de maior importância que impeça a execução fiel de minha promessa, eu não quis mentir, mas apenas não pude cumprir o que prometi”.
A relativização dos efeitos contratuais foi ferida também pelo Direito Moderno que introduziu o pagamento ao credor putativo, na oponibilidade de contrato constitutivo de direitos reais e na condição resolutiva em direitos transferidos a terceiros.
A admissão do contrato a favor de terceiro, porém, foi fator decisivo para romper com o caráter absoluto do princípio da relatividade dos contratos.
Foi a doutrina alemã que ultrapassou a relatividade dos efeitos dos contratos, rompendo a base individualista do contrato, vertendo-lhe numa acepção social.
Com a ruptura da relatividade contratual introduziu-se a salutar idéia de extensão contratual.
O princípio da tipicidade contratual que se prendia a fórmulas de variados conteúdos econômicos, atos por cujo intermédio se poderia alcançar mais de um fim prático, como fazia a stipulatio também sofreu modificações. Vindo a ser igualmente respeitados e, aplicáveis aos princípios informativos do direito contratual, os chamados contratos atípicos.
Foi à própria exigência comercial e o progresso enfim, que exigiu maior flexibilidade do contrato para abranger as modalidades coletivas, os contratos-tipos (ou de adesão, ou padrão) e os contratos em favor de terceiros.
O princípio da boa fé se traduz no interesse social da segurança das relações jurídicas onde as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas.
Importante distinguir logo a boa-fé subjetiva da boa-fé objetiva, a primeira deve nortear a conduta das partes, ou seja, é estado ou situação de espírito que envolve o convencimento ou consciência de ter um comportamento em conformidade com o direito (portanto, um comportamento pró-jurídico).
Visa-se uma atuação em boa-fé. Diferente a boa-fé atuando como princípio geral do direito que possui em caráter normativo e, envolve uma cláusula geral.
A boa-fé objetiva exige a valoração da conduta das partes que deve ser honesta, correta e leal.
Neste sentido, a cláusula mandatária presente no contrato-tipo de cartão de crédito, é flagrantemente abusiva e nula conforme a jurisprudência brasileira dominante (vide também Súmula 60 do STJ).
Assim como a Súmula 161 do STF que declara ser inoperante a cláusula de não indenizar em contrato de transporte.
Segundo ainda Waldirio Bulgarelli, a cláusula mandatária é vexatória e inqualificável e não se encontra nos contratos dos cartões mais conhecidos, como Carte Bleue, Dinners Club e o Citicard. Aliás, a lei israelense de 1964, proíbe tal cláusula que exija do cliente a renúncia antecipada de qualquer direito oriundo do contrato; mais que isso, a substituição do cliente pela empresa, ou procurador seu, para o fim de adquirir direito contra ele.
As variadas acepções da boa-fé conduzem os dois sentidos básicos: um negativo, em que se visa impedir a ocorrência de comportamentos desleais (obrigação de lealdade), e um positivo, de espírito mais moderno e exigente, em que se intenta promover a cooperação entre os contraentes (obrigação de cooperação).
Sem dúvida, a boa-fé é um verdadeiro princípio geral do Direito Privado Moderno. Inúmeros preceitos da legislação vigente estão presentes no Código Civil Brasileiro se reportam à boa fé, os arts. 112, 221, 490, 491, 510, 511, 514, 516, 549, 550, 551, 612, 519, 622, 933, 935, 068, 1.072, 1.272, 1.318, 1.321, 1.382, 1.404, 1.477 e 1.507.
O art. 442 do Projeto de Código Civil se reporta expressamente aos princípios de probidade e de boa-fé. Novos princípios se revestem no contrato contemporâneo e, ultrapassa, aos esquemas tradicionais, são os princípios da igualdade contratual, o do equilíbrio contratual e o da fraternidade contratual.
Sendo o contrato é um instrumento de colaboração mediante a assunção de obrigação. O contrato com nítida vocação social, no aproximar os homens, como expões o brilhante CAIO MÁRIO, em auto-regulamentação de interesses que sempre são recíprocos e, possibilitando se preencha a necessidade de um dos contraentes, o que interessa a todos.
O Projeto de C.C. em seu art. 421 sucinta que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
A extrema vitalidade do contrato ainda é mesmo sentida através dos meios eletrônicos (e-commerce), vive-se cada vez mais, cada vez mais contratualmente. Surgem assim novas categorias onde podemos identificar que a vontade perde, mas o contrato ganha.
Principalmente nas relações de consumo se vivencia uma liberdade de contratar cada vez mais atrelada a função social do contrato.
A cláusula rebus sic stantibus é uma exceção ao princípio da obrigatoriedade.
O Código de Consumidor Brasileiro alterou substancialmente o princípio da imutabilidade dos pactos. Na relação de consumo, é curial a igualdade contratual mediante do tratamento desigual dos desiguais.
A resolução contratual é uma das formas extintivas do contrato, ao lado da resilição e da rescisão, forma esta que é decorrente de causas supervenientes à sua formação. Cabe a resolução contratual, segundo Orlando Gomes, nos casos de inexecução (inadimplência mora ou cumprimento defeituoso).
A inovação traduzida pelo Código do Consumidor Brasileiro está na possibilidade de modificar as prestações desproporcionais, ou ainda sua revisão, em caso de excessiva onerosidade.
A intenção é a conservação do contrato corrigindo-se as distorções ocorridas no desenrolar das relações contratuais, tornando insuportável o cumprimento da avença pelo consumidor.
A proteção do consumidor conforme Nelson Nery Junior ensina, com precisão, que o Código do Consumidor alterou a visão clássica do direito privado outrora embasado no liberalismo do século passado, tornando a relativizar o princípio da intangibilidade do conteúdo do contrato, alterando sobremodo a regra milenar do pacta sunt servanda ao enfatizar o princípio da conservação do contrato e ao instituir a boa-fé como princípio basilar e informador das relações de consumo, dentro outras inovações.
A manifestação livre dos contraentes tem de ser seguida pelo equilíbrio e pela boa-fé. Neste sentido, a autonomia da vontade sob égide do direito do consumidor passou a ser limitada e vigiada, para evitar abusos da parte economicamente mais forte da relação de consumo sobre a parte mais fraca. É imperiosa a observância dos princípios básicos de boa fé e eqüidade. Tais princípios buscam o equilíbrio nos direitos e deveres dos contraentes com o fito de alcançar a justiça contratual.
Neste cabedal, bem pontifica o art. 42, parágrafo único do Código do Consumidor, (Lei 8.078/90) prevendo a repetição do indébito em dobro do que o consumidor pagou em excesso e, foi cobrado indevidamente.
Há quem entenda estar implícito no caput do art. 4º do Código Brasileiro de Consumidor, o princípio da transparência (Norbert Reich) que tem por finalidade a realização de um contrato celebrado com respeito e lealdade e, como conseqüência, uma relação mais justa e sincera.
Transparência significa informação clara e correta sobre o produto ou serviço a ser vendido, sobre o contrato a ser formado, significa lealdade e respeito nas relações de consumo, mesmo na fase pré-contratual (ou seja, negocial).
Como conseqüência ao princípio da eqüidade contratual, que tem por finalidade manter o equilíbrio entre os contratantes, o Código de Consumidor Brasileiro proíbe a utilização de qualquer cláusula abusiva (sendo aquela propicia desmedida vantagem unilateral para o fornecedor, ou ainda, que seja incompatível com os princípios da boa-fé e da eqüidade).
As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, a mens legislatoris conferiu um tratamento desigual aplicável aos desiguais, cristalizando uma isonomia real.
A propósito, também no contrato de trabalho as cláusulas são interpretadas favoravelmente ao trabalhador e este recebe igualmente especial tutela jurídica.
Reconhecidamente, o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo e, a ele se estende dedicada e atenta tutela jurídica, instituindo assim aguerrida proteção contra os danos materiais, morais contra as cláusulas obscuras ou ambíguas.
A nulidade de uma cláusula contratual abusiva ou obscura, não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
É curial informar aos consumidores a aplicação do Código Defesa do consumidor aos compromissos de compra e venda, planos de saúde, consórcio, prestação de serviços, arrendamento mercantil e também aos contratos bancários.
Mantém-se séria censura e imputa-se nulidade às cláusulas leoninas e, ainda as meramente prejudiciais a uma das partes contratantes.
Concluindo, devemos cada vez mais nas relações cotidianas contratuais nos acautelar e defender adequadamente nossos direitos de consumidor, para bem da cidadania e do Estado de Direito. E, sobretudo para manter o contrato como o mais dinâmico e eficaz veículo negocial-econômico.
Na regulamentação da teoria da imprevisão é necessário que o fato seja imprevisto, sendo discutível se deve ser também extraordinário.
O contrato de consumo representa uma evolução no direito contratual, alterou a rigidez clássica e humanizou a hermenêutica contratual.