A responsabilidade do transportador pode ser analisada sob três aspectos distintos quais sejam: em relação a terceiros, em relação aos empregados e em relação aos passageiros.
No tocante a terceiros a responsabilidade da empresa é extracontratual porque entre eles não há nenhuma relação jurídica contratual, eles se desconhecem até o momento do dano, surgindo daí o dever de indenizar. Até a Constituição de 1988 essa responsabilidade era subjetiva, pois foi originalmente fundamentada pelo artigo 159 do Código Civil de 1916 em que, para a vítima ver satisfeita a sua indenização, teria que provar a culpa do transportador.
No entanto, o artigo 37, § 6a da Lei Maior atribuiu responsabilidade objetiva para esses casos, pois a responsabilidade se estendia ao estado, fundada no risco administrativo visto que o transporte coletivo, como dito anteriormente, é serviço público permitindo ou concedido. Cabe salientar que esse dispositivo constitucional só é cabível à responsabilidade extracontratual porque se trata de terceiro e a responsabilidade tanto do transportador quanto do estado em relação ao terceiro só é elidida por aquelas excludentes do liame de causalidade quais sejam: fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força maior e fato exclusivo de terceiro.
O Código de Defesa do Consumidor também disciplina a respeito dessa responsabilidade, pois atribui responsabilidade objetiva ao fornecedor de serviços e equipara a consumidor qualquer pessoa que seja vítima do evento danoso mesmo sem vínculo jurídico com o fornecedor de produto ou serviços. Esta matéria será objeto de análise no ponto a seguir articulado.
Quanto a responsabilidade do empregador no que tange aos seus empregados a responsabilidade será proveniente de acidente de trabalho, pois entre ele e o seu empregador, que é a empresa de transportes, existe um vínculo empregatício, portanto uma relação contratual trabalhista a sua indenização incumbe ao INSS. Mas, havendo culpa do empregador ou dolo, o empregado poderá pleitear uma indenização pelo direito comum, fundamentando a sua ação no artigo 7o XXVIII da Magna Carta.
Com relação aos passageiros, a responsabilidade do transportador será objetiva, tendo como berço desta responsabilidade o Decreto de 7 de dezembro de 1912, que disciplina a responsabilidade civil das estradas de ferro e será contratual, baseado no contrato de transporte embora haja casos nos transportes desinteressados que o passageiro, ou carona, melhor dizendo, carece do contrato, portanto não poderá ser caracterizada como contratual.
O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor que entrou em vigor em 1991, não trouxe nenhuma inovação com relação a responsabilidade objetiva dos transportadores, pois já era assim desde a Constituição Federal de 1988. O que foi modificado por esse Código foi a sua base jurídica visto que o transportador não mais responde pelo fato de terceiro, seu preposto, mas sim por fato próprio, pelo defeito do produto ou do serviço, que venha dar causa a um acidente de consumo.
No seu artigo 17, a Legislação Consumerista equiparou ao consumidor todas as pessoas que sofrem um acidente de consumo, basta ser vítima de um produto ou serviço para ser agraciado com o status de consumidor e corolariamente protegido pelas normas referentes a responsabilidade objetiva pelo fato do produto ou serviço.
Neste sentido, assim leciona Cláudia Lima Marques:
O contrato de transporte de passageiro é um contrato de prestação de serviços, uma obrigação de resultado. Neste caso a caracterização do profissional transportador como fornecedor não é difícil, nem a do usuário do serviço, seja qual for o fim que pretende com o deslocamento, como consumidor. (1)
Sabe-se que a proteção do consumidor e o reconhecimento de sua vulnerabilidade nas relações de consumo são princípios básicos do Código de Defesa do Consumidor por isso ele pretende colocar em um mesmo patamar os participantes de tais relações. Em face disto é inquestionável que o conhecimento de transportes seja abarcado pelo referido Código, por configurar uma modalidade de prestação de serviço.
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor houve uma mudança do fato gerador no que tange ao contrato de transporte, pois transferiu do cumprimento da cláusula de incolumidade, do dever de segurança para o vicio de defeito do serviço, conforme o artigo 14 do CDC que prescreve: “o fornecedor de serviço responde, independentemente da exigência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços”.
Segundo Sergio Cavalieri, esses defeitos ora aludidos pelo artigo podem ser de concepção, que se visualiza quando o serviço está sendo idealizado; de prestação, verificado na execução do serviço e ainda de comercialização que se dá pela deficiência de informação sobre a utilização do serviço. Nesses casos é irrelevante que o aparecimento do defeito seja imprevisível ou não, pois é de inteira responsabilidade do fornecedor do serviço, tendo que reparar o dano, depois de comprovada a relação de causalidade entre o defeito do serviço e o acidente de consumo, apresentado no código como fato do serviço.(2)
Os órgãos públicos, por si ou por suas empresas, concessionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento além do dever de prestar uma bom serviço tem também a obrigação de reparar os danos que causarem a alguém, como assim prevê a legislação especial em comento a altura do seu artigo 22 e parágrafo único.
Tomando como base o artigo 3o do Código de Defesa do Consumidor que dá uma definição de serviços e o artigo supra citado, Cláudia Lima Marques faz algumas considerações de bastante relevância para o presente trabalho no que tange aos serviços desinteressados, ou seja, sem remuneração:
Segundo a definição de serviços do artigo 3o do CDC, somente aqueles serviços pagos, isto é, como afirma o § 2º, “mediante remuneração”, serão aplicadas as normas do CDC. Em uma interpretação literal da norma, os serviços públicos uti universi, isto é, aqueles prestados a todos os cidadãos com os recursos arrecadados em impostos, ficaram excluídos da obrigação de adequação e eficiência prevista pelo CDC. De qualquer maneira, interessam ao nosso estudo, somente aqueles serviços prestados em virtude de um vinculo contratual, e não meramente cívico, entre o consumidor e o órgão público ou seu concessionário.(3)
Rui Stoco tem posicionamento divergente de diversos doutrinadores como, por exemplo, Carlos Roberto Gonçalves e o ilustre e culto jurista Sérgio Cavalieri Filho, por ele chamado, no que tange a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor pois assim preceitua:
O Código de Defesa do Consumidor não é lei específica sobre transporte, mas apenas e tão somente lei genérica sobre relações gerais de consumos e serviços”.[…] do que se conclui que, sendo a Convenção de Varsóvia lei interna especifica sobre transporte aéreo e dispondo o CDC genericamente sobre as relações de consumo e serviço, não regulamentando inteiramente a matéria de que trata aquela, subsume-se à perfeição ao disposto no § 1º do artigo 2o da Lei de Introdução ao Código Civil (DL 4657/42) de modo que a lei posterior só revoga a anterior quando expressamente o declare ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.(4)
A LEI DAS ESTRADAS DE FERRO – DECRETO 2.681/1912
O primeiro instrumento normativo, no Brasil, a disciplinar a responsabilidade do transportador foi o Decreto Legislativo n. º 2.681, de 7 de dezembro de 1912 que ficou comumente conhecido com a Lei das Estradas de Ferro.
No entanto, o grande problema era saber se o transportador tinha, em relação aos passageiros, responsabilidade objetiva ou simples responsabilidade subjetiva com culpa presumida, pois o artigo 17 da Lei das Estradas de Ferro expressamente previa a culpa presumida, senão vejamos:
Art. 17. As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas linhas sucederam aos viajantes e que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea. A culpa será sempre presumida, só se admitindo em contrário alguma das seguintes provas: I caso fortuito ou força maior; II culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada.
Da análise deste artigo podemos perceber, à primeira vista, que a responsabilidade do transportador em relação aos seus passageiros era subjetiva, com culpa presumida e nestes casos inverte-se o ônus da prova restando ao causador do dano provar que não agiu com culpa.
A respeito, leciona Aguiar Dias:
Presume-se a culpa do transportador, pelos mesmos motivos já assinalados, relativamente ao transporte de coisas. E é curial: reconhecida a obrigação de garantir a incolumidade do viajante, e traduzindo o fato de que êle (sic) se queixa uma demonstração de que essa incolumidade não foi assegurada, logicamente, é a emprêsa (sic) de transporte que incube provar que não faltou à sua obrigação. Em face do caso fortuito; fôrça (sic) maior ou culpa exclusiva da vítima.(5)
O artigo 17 do decreto n. º 2.681 não previa que o transportador fizesse prova de que não agiu com culpa, apenas admitindo como excludentes de responsabilidade as previstas na parte final que eram caso fortuito, culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada. Posto isto, podemos dizer que a responsabilidade do transportador a luz do referido decreto, conhecido como a lei das estradas de ferro, é objetiva.
Tanto a doutrina como a jurisprudência entendem ser responsabilidade objetiva do transportador fundamentando a sua posição na teoria do risco.