No dia 26 de abril do corrente ano, nas dependências do Campus Méier, na UNESA, sob a coordenação de Geraldo Magela, Ângela Barral , Thiago R. Varela e José Barros Fernandez, a autoria e o professor César Lotufo ministramos uma oficina de leitura para abordar o tema do Poder Paralelo e a violência no contexto vivenciado no Rio de Janeiro, no Brasil e, até no mundo em geral.
A parceria com César Lotufo trouxe um precioso olhar multi-interdisiciplinar sobre a questão notadamente por ser ele antropólogo, e um brilhante professor de longa data da Estácio de Sá. Falamos sobretudo que Antropologia é a ciência do estranhamento(pelo menos no primeiro momento) e conseguir aliar bom-humor, didática e conhecimento num pacote só, bem sucedido para uma manhã de sábado ensolarado, sejamos honesto é bem difícil.
Como pano de fundo, um tema polêmico e um tanto clichê que é o do poder paralelo e as recentes erupções políticas que empossaram nosso co-governandor, ou ex-governador Anthony Garotinho como atual secretário de segurança.
Também serviram de trampolim pedagógico e temático a rotunda declaração do atual presidente da Republica em cognominar “a caixa preta do judiciário”. Declaração que eivada de mal gosto só pode mesmo ofender ao Poder Judiciário que não pode ser responsabilizado injustamente pelo dramático status quo da segurança pública carioca.
Acredito mesmo que calcado na breve experiência do Estado Democrático de Direito que temos, muito poucas autoridades com poderes plenipotentes não possuem a exata dimensão do assoberbamento de nos tribunais e cortes judiciais que para prover a celeridade processual clama por maiores investimentos e uma sincera vontade política de tornar o processo um instrumento justo e cada vez mais hábil de prover a pacificação social.
Evidenciamos principalmente que a violência é um fenômeno múltiplo e não pode ser somente combatida por meras estratagemas políticas, seria bem comparando, o reiterado tratamento ortodoxo já dispensado à economia que por decreto condenou a inflação à extinção, sem ter como subsídio crucial o incremento da produção brasileira.
A violência, definitivamente é um fenômeno sociológico, cultural, antropológico, político, econômico, geográfico , histórico e sobretudo conjuntural. Bem oportunamente Lotufo profetiza um pensamento do século XVII de Francis Bacon : a informação é poder!
Daí, a crescente importância da mídia e da imprensa em geral, e a grande responsabilidade do jornalismo não só nacional como internacional. Sem redimir em nada, a importância cada vez maior e fundamental das ciências humanas e, quiçá da jurídica em estudar as questões ligadas a realidade social comprometido num contínuo processo de legitimação da legalidade.
Nesta oficina de leitura o que exortamos é necessariamente a consciência da sociedade civil e, em particular dos meios acadêmicos que correspondem ainda a uma poderosa e letárgica elite que deve se fazer presente na luta diária pela cidadania.
Outra questão também atormentadora é a do etnocentrismo que se repete quase ciclicamente no mundo com predominância crassa da sociedade ocidental capitaneada pelo norte-americano e pela globalização colonialista sobre a sociedade oriental, em particular , no momento em que se comemora(!) a vitória dos EUA na guerra ao Iraque. Globalização que a ameaça a identidade e a integridade nacional.
O etnocentrismo nutrido primacialmente pelos preconceitos e pela crença da superioridade de uma raça e de seitas religiosas e, de uma superior cultura derrogando ou revogando literalmente os já consagrados direitos humanos, nos forçando a uma reflexão crítica atroz:
– Não seria igualmente violento o processo de fixar um universo de normas aceitas como sagradas, deixando de lado tudo aquilo que elas eliminam como o que “não deve ser feito”?
Sem dúvida, combater a violência com violência é regresso ao mundo das cavernas e a imersão fatal da autodestruição.
A compreensão de culturas diferentes chamadas pelo antropólogos de exóticas e o respeito não só pelas diferenças individuais como sobretudo as sociais, culturais não pode nos conduzir a uma resignação apática e alienante, muito pelo contrário, faz-nos reconhecer uma civilidade, uma expressão cultural e original e a integridade e identidade de cada povo, e, principalmente entre nós brasileiros, pois o nosso maior tesouro é exatamente representado por nossa imensa diversidade étnica, cultural e social.
Seria necessário uma imersão na antropologia da violência cujo objetivo seria o investigar a violência como fenômeno social para em seguida, tentar discutir sua manifestação em sistemas sociais específicos. Uma antropologia cuja postura seria a de compreender a violência em seus aspectos universais e ainda nas encarnações locais.
O estudo da violência não se circunscreve nem à criminalidade e nem ao crime e, até mesmo a ordem política onde é sempre realizado por meio de lentes normativas. A visão dogmática positiva que já conheceu o seu auge, vivencia mormente um sincera decadência principalmente sob o primado da finalidade social da aplicação do direito e nos reforços existentes nos mecanismo de integração normativa e de exegese vem conhecendo.
A própria importância crescente da doutrina já demonstra definitivamente que a letra da lei é superável e ainda o grande prestígio dos princípios gerais do direito que são ícones máximos para guiar toda evolução do direito contemporâneo.
O próprio grande filósofo e jurista Miguel Reale, com sua não inédita teoria tridimensional fato, valor e norma, se abeberou das fontes de Emile Durkheim, e sua sanha implacável em evidenciar o fato social, e aludindo ao embate da instituição versus indivíduo.
É para nos curarmos do Estado patológico que vivemos que temos que prover uma profilaxia eficiente em face da violência pelo viés educacional e pela consciência capaz de despertar a importância de valores fundamentais como o direito de ir e vir, da liberdade de expressão, atuando sobre a criminalidade em seu cerne, e não só quando já existe o crime como fato.
É primordial tenhamos uma divisão de riquezas mais justa, e equânime e que tenhamos pelo menos oportunidades mais iguais entre as classes menos favorecidas, com fartos investimentos na educação, saúde e na profissionalização, desencorajando os jovens para servirem ao exército do tráfico de entorpecentes.
Basta lembramos que quando Durkheim discutiu o crime, em pleno contexto da sociedade francesa do final do século XIX, foi impiedosamente acusado de estar perdoando e justificando a criminalidade. A estranheza causada deveu-se ao abandono da pesquisa histórica das origens da violência pela introdução de um enfoque relacional na investigação sociológica.
Travando uma discussão sobre a relação entre o crime e a norma, o conflito e a solidariedade, a ordem e a desordem, a violência e ato social rotineiro. Diante tal perspectiva, a sociedade se reflete e se concretiza em todas as suas manifestações encarnando-se tanto na polícia quanto no criminoso; tanto na norma que diz “que não pode” quanto na antinorma que diz “eu quero”.
Violência e concórdia não seriam meras fases históricas criadas para a institucionalização da propriedade privada, do individualismo utilitarista e do livre comércio, mas sobretudo nos modus pelos quais os valores se revelam.
Durkheim dialeticamente enuncia que a condição de normalidade do crime reside no exato empenho de reprimi-lo e em evitá-lo. E, a autora crê particularmente, na prevenção ao crime.
Mas de qual modo é concebida a violência brasileira? Em geral o discurso em torno da violência além ríspido propõe a total radicalização confundindo-a com a própria estrutura social. Revelando-se que a luta política brasileira contra a violência trava-se no terreno jurídico-legal.
Sérgio Adorno acentua sua surpresa em descobrir a importância do código jurídico-legal e no emprenho dos juristas na luta pela democratização da sociedade brasileira nomeando os juristas pátrios como “uma espécie de resistência política organizada e qualificada”.
Mais do que apenas engendrar um discurso erudito sobre a violência sob a ótica normativa, jurisdicista, formalista e disciplinadora, mais do que apenas clamar por uma lei nova para enquadrar o problema, e, por sublinhar o papel do Estado ora grande algoz ou gigantesco patrão precisamos agir como responsáveis por nossa felicidade ou miséria. Sendo também autores de nossa história.
Ademais já tive oportunidade de também elucidar que a inutilidade da pena capital que em nenhum lugar do mundo onde foi adotada foi hábil em combater quer a criminalidade, quer a violência.(vide artigo da mesma autora: “A inutilidade da pena de morte ou quando a morte é uma pena!”)
Gostaria de encerrar as parcas linhas acima para novamente agradecer imensamente ao César Lotufo pelo prazer da parceria por proporcionar aos alunos do curso de Direito uma ótica lato sensu sobre os problemas tão hodiernos e factuais da nossa sociedade brasileira, e todos os outros colegas, em particular os coordenadores que propiciaram esta oportunidade e sempre nos incentivam.
A autora e o professor Lotufo estão com um projeto de curso de extensão para área jurídica e afins na área de Antropologia Jurídica onde haverá maior tempo e conteúdo para o debate e esclarecimento do busilis.