“Ana tem apenas sete anos,
Vive em uma das maiores cidades do Brasil,
Após retornar do seu primeiro dia de aula,
Seus pais ansiosos a indagaram sobre o que mais havia gostado, de tudo o que lá viu.
A criança, sem hesitar respondeu:
– Apenas vi em gravura, mas gostaria de saber se é possível,
Ver um peixinho a nadar no fundo de um rio?”
A pequena estória relatada acima, hoje não causa grande estranheza, haja vista que é possível aceitar que isso esteja acontecendo; mas, há cem anos, ou até mesmo muito menos, não se imaginava ou não se acreditava, que uma geração tão próxima, sofresse conseqüências tão notórias do desrespeito à natureza e da devastação que vem sofrendo o meio ambiente.
Para se ter uma idéia, há trinta e três anos, havia apenas a previsão de que o planeta terra sofreria sérias conseqüências dos seus próprios atos. A matéria veiculada na revista Super Interessante[2], registra que quando o biólogo americano Paulo Ehrlich, da Universidade Stanford, em São Francisco, Califórnia, publicou o livro “A bomba populacional” em 1968, já antecipava o efeito estufa, chuva ácida, aids, escassez de alimentos, destruição da camada de ozônio, redução da diversidade biológica e das florestas tropicais e tudo isso não passava de ficção científica e, nem todos deram a real importância ao que isso significava.
E se tirar por base ao que foi relatado, o que se pode esperar ou garantir para as gerações futuras?
A participação da sociedade nos processos os quais intitulam esta monografia, não é só importante, mas pode-se dizer, fundamental para a garantia da proteção ao meio ambiente; e está alicerçada principalmente, no princípio da Participação ou Cooperação, e previsto constitucionalmente, no artigo 225, caput e § 1.o, inciso VI.
Como o próprio nome sugere, o princípio da participação, significa “atuação presente da coletividade na proteção e preservação do meio ambiente”.[3] E como bem explica, Sebastião Valdir Gomes, “o dever de defesa e preservação do meio ambiente pertence ao Estado em Geral e a cada cidadão em particular” [4]. Ou seja, este princípio evidencia que a participação da sociedade é um dever e não uma faculdade da coletividade, já que é o povo o titular do direito ao meio ambiente e será este também, quem sofrerá as conseqüências de sua omissão.
O caput do artigo 225 da Constituição Federal exprime a responsabilidade tanto do Poder Público como da coletividade, pois estabelece que o dever de defesa e preservação é “para esta geração e para as futuras”.
A Constituição do Estado de Rondônia, dos artigos 218 ao 220, reafirma a responsabilidade conjunta na preservação e defesa “…de forma de evitar o seu esgotamento…”, reconhecendo e alertando para o processo degradatório o qual vem ocorrendo.
Vale salientar também, que a previsibilidade da participação da comunidade na defesa do meio ambiente, é também tratada na lei a qual instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente[5] (lei esta, anterior a 1988 mas, recepcionada pela Legislação Maior em quase todos os seus aspectos), estabelecendo como um de seus princípios “a educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação da defesa do meio ambiente” (negrito nosso).
Aqui, constata-se o segundo princípio: O Princípio da Educação Ambiental, o qual é a única forma de trazer a consciência ecológica às pessoas, permitindo a efetivação do princípio da participação e, garantindo-se o direito do qual o povo é o titular.
O processo de Licenciamento Ambiental tem natureza jurídica de instrumento não-jurisdicional de tutela ambiental com caráter preventivo[6]. E é justamente no caráter que apresenta, que se confirma a importância da sociedade nos processos de Licenciamento Ambiental, porque não há interesse maior do que a preservação do que é “essencial a sadia qualidade de vida”[7].
A defesa e a preservação, exige prevenção e constituem garantia dos direitos humanos e desta feita, salienta-se as sábias palavras de Paulo Luiz Netto LOBO (1996:183):
“a defesa dos direitos humanos não se resume à intervenção a casos de violação consumada, mas de promoção de todos os meios preventivos e de efetivação do exercício pelas pessoas e comunidades”
Portanto, a intervenção da sociedade é mister principalmente em processos de cunho preventivo, já que a política ambiental não se limita à eliminação do danos ocorridos, mas sim, tem sustentáculo na proteção contra o risco, mesmo que simples. E é o terceiro princípio em destaque nesta monografia, o Princípio da Precaução ou Prevenção, o qual tem entre suas características a incerteza do dano ambiental e a implementação imediata das medidas de prevenção. Sua previsão está explícita no artigo 2.o da Lei 6.938/81 e, como já destacado, no artigo 218 da Constituição do Estado de Rondônia.
Para ilustrar a importância do princípio da precaução, imagine-se que uma empresa venha ocasionar um dano ambiental. Mesmo que esta empresa seja multada e condenada a reparar o dano causado, ela não conseguirá fazer com que haja um retrocesso no tempo e o dano seja apagado. Portanto, se determinada empresa pretende iniciar seu funcionamento e há a participação da sociedade na fase de licenciamento, fiscalizando para que lhe seja concedida a licença, apenas se antes for tomadas as medidas necessárias para evitar um prejuízo futuro, estar-se-á atingindo a eficaz proteção ao meio ambiente.
Se a empresa funciona e gera danos ao meio ambiente, e só após alguns anos mais tarde ela é proibida de continuar suas atividades e reparar o dano, e então, suponha-se que ela seja executada em obrigação de não fazer, não se conseguirá dar à coletividade exatamente aquilo que ela tem direito, porque não haverá plena eficácia. Destarte, a eficácia só será obtida se a intervenção ocorrer antecipadamente ao dano. O exemplo ilustrado aborda apenas quanto as empresas, mas é bom lembrar que isso não é exclusivo de pessoas jurídicas.
Também conclui-se com a citação de Netto Lobo, que a defesa e a preservação constituem Direitos Humanos Fundamental, pois consiste em requisito inafastável do direito à vida.
Bem explica, José Afonso da Silva, que: “no qualificativo fundamentais, acha-se a indicação de que se tratam de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados” [8]
A Carta da Terra, a qual constitui Declaração Universal sobre a Proteção Ambiental e o Desenvolvimento Sustentável, tem entre suas propostas[9] o respeito aos direitos humanos, incluindo o direito ao meio ambiente propício à dignidade e ao bem-estar dos seres humanos e a participação democrática nos processos de decisão.
Fator preponderante no Processo de Licenciamento Ambiental é que o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental EIA/RIMA, no Processo de Licenciamento Ambiental, não é obrigatório, dado que a Constituição Federal (art. 225, § 1.o, IV) exige-o apenas, para as obras e atividades “potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental”, e nem toda atividade econômica, como bem lembra Celso Antônio Pacheco[10], se encaixa nesse conceito. Embora registre-se, que a ausência do EIA/RIMA, estará vinculado à existência de um RAIAS – Relatório de Ausência de Impacto Ambiental.
O Impacto ambiental por menor que seja, (prevendo a teoria do simples risco) pode causar danos irreparáveis e não só no local onde ocorrera. Tem-se portanto também um interesse globalizado na prevenção de todo e qualquer dano. Vale citar que tal consciência, conforme Carlos Pimenta[11], ” iniciou-se e começou a verificar quando o DDT, que era considerado um produto químico miraculoso, aparecia no leite das mães. (…) Esta acumulação tóxica põe em causa não apenas a saúde individual de cada um de nós, mas gera uma fragilidade sistêmica que provoca extinções de espécies e alterações profundas na ecologia planetária”.
O Fundo Mundial para a Natureza (WWF) desenvolveu um estudo detalhado sobre o bioma amazônico no qual aponta o grau de devastação na Amazônia. Segundo Garo Batmanian, secretário geral do WWF e PHD em Ecologia, “há trechos da Amazônia que têm menos de 1% de sua área como unidade de conservação. Outras sofreram com a devastação, caso da ecorregião do Tocantins-Araguaia-Maranhão, que teve 68,32% de sua área desmatada e é a que tem menos cobertura vegetal na Amazônia atualmente”[12]. O resultado disso tudo, pode-se imaginar e todo o globo sofrerá.
As queimadas e os desmatamentos na Amazônia, conforme publicação na Revista Super Interessante[13], já revelam que a maior floresta tropical do mundo, com mais de 5 milhões de quilômetros quadrados desenvolveu-se sobre um solo paupérrimo conhecido como latirítico[14]. A conseqüência é que a Amazônia tem grandes chances de se tornar um deserto, se não for contida a devastação; se a sociedade não intervir para que haja respeito com a natureza e busque a preservação.
Notícias extraídas de jornais eletrônicos[15], evidenciam e alertam que o aquecimento global deve destruir no próximo século um terço dos habitats naturais do planeta e ameaçar a sobrevivência dos povos árticos. Um dos principais meios de comunicação escrita no Brasil, a revista VEJA[16], em edição no mês de abril do corrente ano, deu especial destaque aos desastres ecológicos que vem ocorrendo, inclusive apontando a participação dos países principais na emissão de gás carbônico – principal responsável pela destruição da camada de Ozônio.
A intervenção da sociedade no Licenciamento ambiental, como demonstrado não envolve apenas a questão do solo, dos danos causados a ele, mas também prima-se pela preservação da eclosão danosa à atmosfera. O Instituto Worwath divulgou [17], que em um único dia, a humanidade joga no ar mais gás carbônico que todos os seus antepassados antes da revolução industrial. Portanto a intervenção deve ser na busca de evitar que o licenciamento venha a ativar mais um contribuinte para aumentar os danos já existentes.
A participação da sociedade é relevante principalmente porque atribui ao processo, o equilíbrio entre o interesse pró societá em relação ao interesse puramente econômico, funcionando exatamente como a balança na busca pela mais justa decisão. Verifica-se portanto, o quarto princípio, a saber: Princípio da Supremacia do Interesse Público na defesa do meio ambiente. Como bem disse IHERING: “Por isso a justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do Direito”[18].
Não há como deixar de destacar o que é notícia recente e com certeza de natureza histórica para o Estado de Rondônia, que são os debates em torno da Medida
Provisória 2080, a qual culminou em algumas audiências públicas (prevista no inciso V, art. 10 da Resolução 237 de 19 de dezembro de 1997).
A participação da sociedade nesse processo, funcionará justamente como a balança, onde espera-se que seja alcançada a melhor solução ao homem e ao ecossistema. No caso da MP 2080[19] em específico, tem unicamente o interesse de preservação da Amazônia e em contra partida, no que pertine ao Estado Rondoniense, a proposta de consideração do projeto de zoneamento sócio-econômico e ecológico, já elaborado e aprovado por unanimidade pela Assembléia Legislativa do Estado, onde aumenta-se o percentual de desmatamento mas, conforme a classe política, sem abandonar a questão da preservação ambiental.[20]
Portanto a participação da sociedade, é extremamente importante e indelegável. Destaque para o quinto princípio, que o Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público na proteção do meio ambiente. Da natureza pública do meio ambiente extrai-se a indisponibilidade.
Como poderia o indivíduo ou a sociedade dispor daquilo, que conforme demonstrado, é essencial à sua qualidade de vida e fundamental para às gerações futuras?
Outros princípios constitucionais e administrativos, também poderiam ser citados, mas a intenção é dar ênfase aos principais, com os quais é possível demonstrar que a sociedade tem interesse próprio na participação de atos que decidam sobre o seu futuro, e tem também o dever de mostrar-se atuante e fazer com que os atos não sejam só participados aos órgãos públicos.
Ademais, atribuir a responsabilidade pelo controle e defesa do meio ambiente apenas ao Poder Público, bem como às Organizações Não Governamentais, é coibir a continuidade da própria geração e lançá-los à sorte conquistada por aqueles que não desistiram e lutaram pela sobrevivência da raça humana.
E para finalizar, nada melhor reflete a responsabilidade de cada cidadão (porque é de cada um que se constitui a ideologia da sociedade) que uma de tantas das belas mensagens deixadas pelo sociólogo Betinho, na qual ele relata o trabalho, mesmo solitário, mas consciente do pequeno beija-flor, o qual mesmo diante de uma grande queimada assume, independentemente de outros, a sua responsabilidade em contribuir para que o desastre se extinga.
É revestidos dessa consciência que cada cidadão deve tomar posse da obrigação outorgada à coletividade, do direito de defender o seu habitat e de exigir do Estado o seu implemento, inclusive dos meios judicias de defesa, antes que o homem descubra o que um anônimo autor já escreveu:
“Depois da última árvore sem fruto,
do último rio envenenado,
o homem perceberá que dinheiro não se come”
Notas:
[1] Cláudia Vieira MACIEL é acadêmica do 10.o Período de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Ji-Paraná (RO)
[2] REVISTA SUPER INTERESSANTE. São Paulo: Editora Abril S.A., ano 06 n. 05, maio de 1993, p.24
[3] Celso Antônio Pacheco FIORILLO; Marcelo Abelha RODRIGUES. Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável. São Paulo: Max Limonad, s.d.
[4] Sebastião Valdir GOMES. Direito Ambiental Brasileiro. Porto Alegre: Síntese, 1999
[5] Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981
[6] Ob. Cit. n.o 2, p. 211
[7] v. art. 218, parágrafo único da Constituição do Estado de Rondônia.
[8] José Afonso da SILVA. Direito Constitucional Positivo. 13.a edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1997
[9] REVISTA EDUCAÇÃO. São Paulo: Editora Segmento S/A, ano 26, n.o 222, outubro de 1999, p. 30
[10] Ob. Cit. n.o 2, p. 213
[11] Carlos PIMENTA. Enquadramento Geral da Problemática do Ambiente”, in Direito do Ambiente, Ed. INA, Lisboa, 1994, pp. 22 e 23 apud Ob. Cit. n.o 2, p. 154
[12] WWW.bio2000.jpg.com.br/noticia_10.htm
[13] REVISTA SUPER INTERESSANTE. São Paulo: Editora Abril S.A., ano 02, n. 01, novembro de 1988, p.24
[14] laterítico, significa tijolo ou ladrilho. Na Amazônia é conhecido como terra imprestável que surge nas áreas desmatadas dois ou três anos após a derrubada das árvores.
[15] WWW.bio2000.jpg.com.br/noticia_041.htm
[16] REVISTA VEJA. São Paulo: Editora Abril S.A., edição 1696. ano 34, n. 15, 18 de abril de 2001
[17] Ob. cit. n.o 13, p. idem
[18] Rudolf Von IHERING. A Luta pelo Direito. 5.a edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1985
[19] A Medida Provisória 2080 substitui parte do Código Florestal Brasileiro, que preceitua para a Amazônia Legal, desmatamento de até 50% das propriedades rurais.
[20] Jornal O ESTADÃO do Norte. Porto Velho, 20 de abril de 2001.
Bibliografia
1 – BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal/Centro Gráfico, 1988.
2 – BRASIL. Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e dá outras Providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, set. 1981
3 – BRASIL. Resolução 237 de 19 de dezembro de 1997. Resoluções do CONAMA referentes ao Licenciamento Ambiental. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, dez. 1997
4 – FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável. São Paulo: Max Limonad, s.d
5 – GOMES, Sebastião Valdir. Direito Ambiental Brasileiro. Porto Alegre: Síntese, 1999
6 – IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. 5.a edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1985
7 – LOBBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia. 2.a edição. Brasília- DF, 1996
8 – MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 8ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2000
9 – RONDÔNIA. Constituição Estadual. 28 de setembro de 1.989
10 – SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 13.a edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.
Revistas, periódicos, boletins
11 – REVISTA EDUCAÇÃO. São Paulo: Editora Segmento S/A, ano 26, n.o 222, outubro de 1999, p. 30
12 – REVISTA SUPER INTERESSANTE. São Paulo: Editora Abril S.A., ano 02, n. 01, novembro de 1988, p.24
13 – REVISTA SUPER INTERESSANTE. São Paulo: Editora Abril S.A., ano 06, n. 05, maio de 1993, p.24
14 – REVISTA VEJA. São Paulo: Editora Abril S.A., edição 1696. ano 34, n. 15, 18 de abril de 2001
15 – Jornal O ESTADÃO do Norte. Porto Velho, 20 de abril de 2001
Fontes da Internet
16 – WWW.bio2000.jpg.com.br/noticia_10.htm em 23 de abril de 2001
17 – WWW.bio2000.jpg.com.br/noticia_041.htm em 23 de abril de 2001-04-25