A humorista Maria Gorete da Silva Araújo terá de pagar multa à TV Globo Ltda por quebra de contrato de prestação de serviço com cláusula de exclusividade. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça ao dar provimento ao recurso da emissora de televisão sob o entendimento de que é perfeitamente legal a cobrança de multa cominatória em caso de inadimplemento de contrato com obrigações de fazer e de não fazer infungíveis. O contrato, ratificado em acordo homologado judicialmente entre a Globo e a comediante, previa obrigações de fazer (prestação de serviço) e de não fazer (atuar em outros programas por dois anos).
Ocorrida a inadimplência, a humorista protestou, no entanto, contra a aplicação da multa diária estabelecida pelo juiz de primeiro grau no valor de R$ 300,00, afirmando que o acordo contém expressa renúncia da empresa em relação à cobrança de quaisquer valores a título de indenização por descumprimento do combinado originalmente – contrato de prestação de serviço com cláusula de exclusividade. Afirmou, ainda, que, mesmo superado esse argumento, ainda assim não haveria possibilidade da cobrança da chamada multa cominatória no valor estipulado, tendo em vista que excedia o valor da obrigação principal.
Em primeira instância, o juiz deu parcial provimento ao pedido da humorista, afastando a aplicação da pena pecuniária em hipótese de descumprimento das obrigações. Abriu, no entanto, a possibilidade de a empresa converter a execução em perdas e danos. As duas partes apelaram, e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou provimento às apelações de ambas.
“Tratando-se de obrigação infungível, que não comporta execução específica, o seu não-cumprimento transforma-se em perdas e danos. Descabe a cumulação da indenização com multa cominatória, pois que não se pode obrigar que alguém cumpra obrigação intuitu personae (personalíssima)”, diz a decisão do TJRJ. A Globo recorreu, então, ao STJ, alegando que os artigos 287 e 461, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, prevêem a possibilidade da multa cominatória em caso de descumprimento de obrigação de fazer e de não fazer.
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, votou pelo provimento parcial do recurso, entendendo que a multa é possível em relação à obrigação de não fazer, mas que é inviável em se tratando de obrigação de fazer. “A natureza preventiva da multa cominatória alcança seu real objetivo nessa situação, porquanto impede a prática de ato que lhe é proibido, ou ainda, a continuidade da prática em obrigações que se protraem no tempo”, explicou.
Ao votar, o ministro Castro Filho, hoje aposentado, divergiu, considerando que a multa é possível em ambos os casos. O presidente do STJ, ministro Humberto Gomes de Barros, presente à Turma para este julgamento, pois era integrante quando ele teve início, destacou que os artigos 287 e 461 do Código de Processo Civil não distinguem as obrigações fungíveis das infungíveis: ambos se referem às obrigações de fazer ou de não fazer. “A intenção do legislador foi outorgar ao credor de ambos os tipos de obrigação meios capazes de convencer o devedor a adimplir o que pactuara. Esse convencimento deve ser tanto mais duro quanto seja a possibilidade de resistência do devedor”, afirmou.
Para o ministro Gomes de Barros, diferentemente de um pintor de parede que não cumpre o combinado e pode ser substituído, nas obrigações personalíssimas, o cumprimento por outros meios é impossível. “Só interessa ao credor a obrigação in natura, a ser cumprida exclusivamente por quem se obrigou. Neste processo, à rede de televisão recorrente não interessa uma outra humorista; ou a obrigação seria cumprida pela comediante, Gorete, ou, simplesmente, não seria cumprida. O devedor resistente deverá pagar, então, a multa, somadas as perdas e danos”, acrescentou. O ministro Sidnei Beneti, que havia pedido vista do caso, concordou com a divergência.