O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) número 3836, para contestar a legalidade da Resolução nº 13/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), sob o fundamento de que o dispositivo, ao legislar sobre matéria processual penal, afronta a Constituição Federal.
Na ação, a OAB sustenta que a resolução, editada em 2 de outubro deste ano, confere poderes ao Ministério Público para conduzir investigações criminais, denominando tais investigações de “procedimento investigatório criminal”. “Eis que a investigação deve ser conduzida com exclusividade pela polícia judiciária (polícia federal e polícias civis estaduais)”, afirma a entidade no texto da ação. Ainda segundo entendimento da OAB Nacional, a matéria de que trata a Resolução do CNMP, por se tratar de processo penal, é de competência privativa da União, conforme prevê o inciso I, do artigo 22 da Constituição.
Na Adin, consta que “a legislação processual penal, como forma de garantir o cidadão de eventuais abusos praticados pelos órgãos estatais, deve passar necessariamente pelo crivo do processo legislativo, sem a abertura de qualquer espécie de exceção”. Dessa forma não poderia uma norma não emanada pela União, dispor sobre a matéria, como o fez a Resolução nº 13 do CNMP, conforme o entendimento da OAB.
A OAB requereu concessão de liminar para sustar imediatamente os efeitos da resolução impugnada e, no mérito, pede a declaração da inconstitucionalidade do normativo editado pelo CNMP. A ação está assinada pelo presidente nacional da OAB, Roberto Busato.
A seguir, a íntegra do texto da Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada no STF pela OAB:
Excelentíssimo Senhor Presidente do Excelso Supremo Tribunal Federal
Distribuição por prevenção à ADIN nº 3.806 – Relator Ministro Ricardo Lewandowski)
A Ordem dos Advogados do Brasil, com sede na Capital da República, devidamente representada por seu Presidente, abaixo assinado, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 103, VII, da Constituição da República, propor a presente
Ação Direta de Inconstitucionalidade
em face do disposto na Resolução no 13, publicada em 02 de outubro de 2006, da lavra do e. Conselho Nacional do Ministério Público, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor:
SUMMA
Premissa maior – O art. 22, I, da Constituição da República, dá à União a competência exclusiva para legislar em matéria processual, inclusive processual penal.
Premissa menor O e. CNMP, através da resolução nº 13, de 02.10.06, legislou sobre o procedimento investigatório criminal, matéria inequivocamente de ordem processual penal.Síntese – A Resolução nº 13, de 02.10.06, ao escapar flagrantemente da competência legislativa do e. CNMP é inconstitucional, razão por que assim deve ser declarada, no mérito, da mesma forma que suspensa liminarmente, para não produzir os danos evidentes que já está produzindo.
I – Da resolução federal impugnada. Ato normativo autônomo
01. O e. Conselho Nacional do Ministério Público, editou a Resolução no 13/2006, nos seguintes termos:
“Capítulo I
DA DEFINIÇÃO E FINALIDADE
Art. 1º O procedimento investigatório criminal é instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva Ação Penal.Parágrafo único. O procedimento investigatório criminal não é condição de procedibilidade ou pressuposto processual para o ajuizamento de Ação Penal e não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública.
Capítulo II
DA INSTAURAÇÃO
Art. 2º Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público poderá:I – promover a Ação Penal cabível;II – instaurar procedimento investigatório criminal;III – encaminhar as peças para o Juizado Especial Criminal, caso a infração seja de menor potencial ofensivo;IV – promover fundamentadamente o respectivo arquivamento;V – requisitar a instauração de Inquérito policial.Art. 3º O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado de ofício, por membro do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições criminais, ao tomar conhecimento de infração penal, por qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação.§ 1º O procedimento deverá ser instaurado sempre que houver determinação do Procurador-Geral da República, do Procurador-Geral de Justiça ou do Procurador-Geral de Justiça Militar, diretamente ou por delegação, nos moldes da lei, em caso de discordância da promoção de arquivamento de peças de informação.§ 2º A designação a que se refere o § 1º deverá recair sobre membro do Ministério Público diverso daquele que promoveu o arquivamento.§ 3º A distribuição de peças de informação deverá observar as regras internas previstas no sistema de divisão de serviços.§ 4º No caso de instauração de ofício, o membro do Ministério Público poderá prosseguir na presidência do procedimento investigatório criminal até a distribuição da denúncia ou promoção de arquivamento em juízo.§ 5º O membro do Ministério Público, no exercício de suas atribuições criminais, deverá dar andamento, no prazo de 30 (trinta) dias a contar de seu recebimento, às representações, requerimentos, petições e peças de informação que lhes sejam encaminhadas.§ 6º O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado por grupo de atuação especial composto por membros do Ministério Público, cabendo sua presidência àquele que o ato de instauração designar.Art. 4º O procedimento investigatório criminal será instaurado por portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados e deverá conter, sempre que possível, o nome e a qualificação do autor da representação e a determinação das diligências iniciais.Parágrafo único. Se, durante a instrução do procedimento investigatório criminal, for constatada a necessidade de investigação de outros fatos, o membro do Ministério Público poderá aditar a portaria inicial ou determinar a extração de peças para instauração de outro procedimento.Art. 5º Da instauração do procedimento investigatório criminal far-se-á comunicação imediata e escrita ao Procurador-Geral da República, Procurador-Geral de Justiça, Procurador-Geral de Justiça Militar ou ao órgão a quem incumbir por delegação, nos termos da lei.
Capítulo III
DA INSTRUÇÃO
Art. 6º Sem prejuízo de outras providências inerentes à sua atribuição funcional e legalmente previstas, o membro do Ministério Público, na condução das investigações, poderá:I – fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências;II – requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;III – requisitar informações e documentos de entidades privadas, inclusive de natureza cadastral;IV – notificar testemunhas e vítimas e requisitar sua condução coercitiva, nos casos de ausência injustificada, ressalvadas as prerrogativas legais;V – acompanhar buscas e apreensões deferidas pela autoridade judiciária;VI – acompanhar cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária deferidas pela autoridade judiciária;VII – expedir notificações e intimações necessárias;VIII- realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos;IX – ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;X – requisitar auxílio de força policial.§ 1º Nenhuma autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de função pública poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.§ 2º O prazo mínimo para resposta às requisições do Ministério Público será de 10 (dez) dias úteis, a contar do recebimento, salvo hipótese justificada de relevância e urgência e em casos de complementação de informações.§ 3º Ressalvadas as hipóteses de urgência, as notificações para comparecimento devem ser efetivadas com antecedência mínima de 48 horas, respeitadas, em qualquer caso, as prerrogativas legais pertinentes.§ 4º A notificação deverá mencionar o fato investigado, salvo na hipótese de decretação de sigilo, e a faculdade do notificado de se fazer acompanhar por advogado.§ 5º As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada.§ 6º As notificações e requisições previstas neste artigo, quando tiverem como destinatários o Governador do Estado os membros do Poder Legislativo e os desembargadores, serão encaminhadas pelo Procurador-Geral de Justiça.§ 7º As autoridades referidas nos parágrafos 5º e 6º poderão fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas, se for o caso.§ 8º O membro do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo.Art. 7º O autor do fato investigado será notificado a apresentar, querendo, as informações que considerar adequadas, facultado o acompanhamento por advogado.Art. 8º As diligências serão documentadas em auto circunstanciado.Art. 9º As declarações e depoimentos serão tomados por termo, podendo ser utilizados recursos áudio-visuais.Art. 10 As diligências que devam ser realizadas fora dos limites territoriais da unidade em que se realizar a investigação, serão deprecadas ao respectivo órgão do Ministério Público local, podendo o membro do Ministério Público deprecante acompanhar a(s) diligência(s), com a anuência do membro deprecado.§ 1º A deprecação poderá ser feita por qualquer meio hábil de comunicação, devendo ser formalizada nos autos.§ 2º O disposto neste artigo não obsta a requisição de informações, documentos, vistorias, perícias a órgãos sediados em localidade diversa daquela em que lotado o membro do Ministério Público.Art. 11 A pedido da pessoa interessada será fornecida comprovação escrita de comparecimento.Art. 12 O procedimento investigatório criminal deverá ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, permitidas, por igual período, prorrogações sucessivas, por decisão fundamentada do membro do Ministério Público responsável pela sua condução.§ 1º Cada unidade do Ministério Público, manterá, para conhecimento dos órgãos superiores, controle atualizado, preferencialmente por meio eletrônico, do andamento de seus procedimentos investigatórios criminais.§ 2º O controle referido no parágrafo anterior poderá ter nível de acesso restrito ao Procurador-Geral da República, Procurador-Geral de Justiça ou Procurador-Geral de Justiça Militar, mediante justificativa lançada nos autos.
Capítulo IV
DA PUBLICIDADE
Art. 13 Os atos e peças do procedimento investigatório criminal são públicos, nos termos desta Resolução, salvo disposição legal em contrário ou por razões de interesse público ou conveniência da investigação.Parágrafo único. A publicidade consistirá:I – na expedição de certidão, mediante requerimento do investigado, da vítima ou seu representante legal, do Poder Judiciário, do Ministério Público ou de terceiro diretamente interessado;II – no deferimento de pedidos de vista ou de extração de cópias, desde que realizados de forma fundamentada pelas pessoas referidas no inciso I ou a seus advogados ou procuradores com poderes específicos, ressalvadas as hipóteses de sigilo;III – na prestação de informações ao público em geral, a critério do presidente do procedimento investigatório criminal, observados o princípio da presunção de inocência e as hipóteses legais de sigilo.Art. 14 O presidente do procedimento investigatório criminal poderá decretar o sigilo das investigações, no todo ou em parte, por decisão fundamentada, quando a elucidação do fato ou interesse público exigir; garantida ao investigado a obtenção, por cópia autenticada, de depoimento que tenha prestado e dos atos de que tenha, pessoalmente, participado.
Capítulo V
DA CONCLUSÃO E DO ARQUIVAMENTO
Art. 15 Se o membro do Ministério Público responsável pelo procedimento investigatório criminal se convencer da inexistência de fundamento para a propositura de Ação Penal pública, promoverá o arquivamento dos autos ou das peças de informação, fazendo-o fundamentadamente.Parágrafo único. A promoção de arquivamento será apresentada ao juízo competente, nos moldes do art.28 do CPP, ou ao órgão superior interno responsável por sua apreciação, nos termos da legislação vigente.Art. 16 Se houver notícia de outras provas novas, poderá o membro do Ministério Público requerer o desarquivamento dos autos, providenciando se a comunicação a que se refere o artigo 5º desta Resolução.
Capítulo VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 17 No procedimento investigatório criminal serão observados os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil. aplicando-se, no que couber, as normas do Código de Processo Penal e a legislação especial pertinente.Art. 18 Os órgãos do Ministério Público deverão promover a adequação dos procedimentos de investigação em curso aos termos da presente Resolução, no prazo de 90 (noventa) dias a partir de sua entrada em vigor.Art. 19 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação”.02. Todavia, o ato normativo federal, ora impugnado na sua integralidade, incorre em inconstitucionalidade, ao conferir poderes ao Ministério Público de conduzir investigações criminais, (denominando tais investigações de “procedimento investigatório criminal”), eis que a investigação deve ser conduzida com exclusidade pela polícia judiciária, nos termos do artigo 144 c.c. 129, VIII, da Constituição da República. Ademais, a matéria da referida Resolução é de competência legislativa privativa da União, por se tratar de processo penal, como parece evidente, razão pela qual recai ela também em inconstitucionalidade formal, além de se tratar de matéria pendente de julgamento nesse excelso Supremo Tribunal Federal, como se demonstrará.
II – Do Direito
a) Da inconstitucionalidade formal. Inteligência do art. 22, I, da Constituição da República.
01. Como se sabe, a Constituição da República reservou algumas matérias para a competência privativa da União, dentre elas, aquela da legislação de direito processual penal (art. 22, I, CR).
02. Desta forma, qualquer mudança na legislação referente ao processo penal, como no caso, deve ser precedida do devido processo legislativo, tal como dispõe a própria Constituição da República em seus arts. 59 e ss. Ao que parece, e sabendo que o conteúdo da Resolução questionada é incontestavelmente inconstitucional, optou o douto órgão do Ministério Público por editar, através de seu Conselho Nacional, tal normativa, para – quem sabe – conseguir burlar o controle de constitucionalidade.
03. Contudo, optar pelo caminho aparentemente mais fácil não pode ter o condão de afastar o rígido controle estabelecido pela Constituição da República, sob pena de falência do Estado Democrático de Direito. Neste viés, como se pode observar facilmente, está o Conselho Nacional do Ministério Público burlando regras constitucionais, tendo em vista que regulamenta, através da Resolução nº 13/2006, como e por quem os crimes devem ser investigados, substituindo e acrescentando dispositivos ao Código de Processo Penal, dispensando inconstitucionalmente o devido processo legislativo e a reserva de lei da União Federal.
04. Com efeito, as regras que tratam de processo penal devem ser – necessária e exclusivamente – editadas pela União, estando hoje reunidas principalmente no Código de Processo Penal. Lá, pode-se ler com facilidade, logo em seus primeiros artigos (art. 4º e ss.), as regras sobre a persecução criminal (mormente no que concerne com a forma de conduzir as investigações policiais), são indubitavelmente atinentes à matéria de processo, referida no art. 22, I, da Constituição da República.
05. A criação, pela Resolução nº 13/2006, de uma outra forma de investigação, conduzida exclusivamente pelos membros do Ministério Público, denominada de “procedimento investigatório criminal”, paralela ou suplementar ao Inquérito policial, não se encontra amparada em qualquer hipótese de investigação trazida pela Constituição da República ou pelo Código de Processo Penal, criando legislação autônoma sobre as investigações das infrações criminais, o que é – de todo – inaceitável.
06. Em suma: a legislação processual penal, como forma de garantir o cidadão de eventuais abusos praticados pelos órgãos estatais, deve passar necessariamente pelo crivo do processo legislativo, sem a abertura de qualquer espécie de exceção que – na presente Resolução – mais se coaduna com manipulações retóricas para alcançar o fim pretendido: o inconstitucional poder de investigação do Ministério Público.
07. A razão pela qual a legislação sobre processo penal é de competência exclusiva da União é óbvia e condiz com a unificação do processo penal em todo o território brasileiro. Ora, é inconcebível que para cada processo penal instaurado haja uma legislação diferente, da mesma forma, mutatis mutandi, que não é crível aceitar que os órgãos públicos, um por um, através de seus próprios Conselhos, atribuam a si mesmos as atividades que bem lhe convierem.
08. Melhor destino não se pode dar para o fundamento legal da Resolução nº 13/2006, resumido nos arts. 127, caput, 129, I, II, VIII e IX, e 130-A, § 2º, I, todos da Constituição da República, bem como no art. 8º, da Lei Complementar nº 75/93, art. 26, da Lei nº 8.625/93, no art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal e o art. 64-A, do Regimento Interno, do e. CNMP.
09. Ora, parte o Conselho Nacional do Ministério Público da premissa de que a Constituição da República e as leis supracitadas o autorizam a legislar sobre o cumprimento das funções institucionais do douto órgão do Ministério Público. Premissa verdadeira se a Resolução nº 13 dispusesse sobre as atividades do Ministério Público permitidas pela Constituição da República. No entanto, como se demonstrará, está tal Resolução dispondo sobre atividade vedada ao referido órgão, razão pela qual a legislação citada é insuficiente para fundamentá-la. Tudo porque não tem o Conselho Nacional do Ministério Público competência para legislar sobre as investigações policiais (instauração e condução delas).
10. Desta forma, não pode o referido Conselho burlar todos estes princípios estabelecendo, de forma inconstitucional, regras também inconstitucionais, razão por que requer, através da presente ação direta de inconstitucionalidade, a declaração de inconstitucionalidade da Resolução nº 13/2006.
b) Da inconstitucionalidade material. Ofensa ao art. 144, da Constituição da República. Competência exclusiva da polícia federal e da polícia civil e excludente do Ministério Público.
11. Além da evidente inconstitucionalidade formal, incorre a Resolução nº 13/2006, em flagrante inconstitucionalidade material, tendo em vista que afronta incontestavelmente os arts. 144 e 129, da Constituição da República.
12. No caso, não pode o douto órgão do Ministério Público interpretar o texto constitucional da maneira que melhor lhe convém, substituindo a polícia na prestação da atividade policial. Isto é, às escancaras, burlar o disposto no art. 144, § 1º, IV, da Constituição da República, que dispõe:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:I – polícia federal;II – polícia rodoviária federal;III –polícia ferroviária federal;IV – polícias civis;V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; – g.n. –.II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”(…)§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares – g.n. –.
13. Como se vê, o douto órgão do Ministério Público não se encontra no rol dos legitimados para prestar serviços de segurança pública nem pode ignorar o disposto no inciso IV, do § 1º, do art. 144, da Constituição da República. Em suma, exercer com exclusividade quer dizer exercer restritivamente, de forma a excluir, colocar à margem, qualquer outro órgão que eventualmente exerça as funções de polícia judiciária da União. Daí se dizer que é da substância do poder da polícia exercer, exclusivamente, aquelas funções, excluindo os demais órgãos, responsáveis ou não pela segurança pública. O douto órgão do Ministério Público, assim, deve restar excluído de qualquer função de polícia judiciária, a não ser que altere a CR, mas não por mera Resolução do CNMP.
14. Ainda, no artigo 4º, do Código de Processo Penal, é atribuída competência para a apuração das infrações penais às autoridades policiais, verbis:
“Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”.
15. A exceção descrita no parágrafo único deve ser interpretada, como parece evidente, de maneira sistemática, conjugando tal disposição com os artigos constitucionais. Assim, o parágrafo único não exclui as autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma função, mas a Constituição da República, tanto no rol de legitimados do art. 144, como no art. 129 (como se verá a seguir), exclui expressamente o douto órgão do Ministério Público. Ou seja, a apuração das infrações criminais não pode, através de uma interpretação constitucional sistemática (a única plausível, por sinal), ser atribuída ao douto órgão do Ministério Público, cabendo ao Poder Judiciário estabelecer os limites de suas atividades, mormente quando se está no campo das inconstitucionalidades.
16. Caso contrário, estar-se-ia recaindo, ainda, em ofensa ao princípio da legalidade estrita. Nisto, com relação a um aspecto em particular, o qual rege a presente hipótese, tem o Poder Público uma notável diferença com o particular: enquanto o cidadão está regido pelo princípio da compatibilidade (pode fazer tudo que lhe não é proibido), as agências governamentais (o MP, como é natural) estão submetidas ao princípio da conformidade (legalidade estrita), o qual determina, de forma inafastável, que o poder público só pode fazer o que lhe é permitido, estando todo o resto proibido.
17. A demonstração empírica deste princípio-reitor da Administração é desnecessária; até porque, dentre outras coisas, seria absurdo pensar que o Ministério Público poderia proferir sentenças de mérito porque lhe não está proibido (é vero: a CR diz que o Poder Judiciário julga, mas não proíbe que outros Poderes assim o façam). Ora, se não está permitido (como demonstra o art. 144, § 4º, I e IV, e § 4º, da CR), está proibido, como reconhece o e. STF nos precedentes citados abaixo. Competências e atribuições – como se sabe –, neste âmbito, são exclusivas de quem as detém e excludentes dos demais.
18. Não fosse a exclusão trazida pelo dispositivo constitucional supracitado, cabe, ainda, observar que não está dentre as funções constitucionais do Ministério Público aquelas atinentes à polícia judiciária. Vide o texto integral do art. 129, I a IX, da Constituição da República:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:I – promover, privativamente, a Ação Penal pública, na forma da lei;II – zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;III – promover o Inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de Inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”.
19. Promover e conduzir o Inquérito policial, então, é uma forma de inovar o texto constitucional, que não permite interpretação extensiva, mormente porque a extensão se choca com outro artigo constitucional, o já citado art. 144, da CR.
20. A única forma de Inquérito ao qual está ele legitimado para promover é o Inquérito civil, conforme art. 129, III, da Constituição da República, o que não é, efetivamente, o caso das atividades que pretende exercer com a inconstitucional Resolução nº 13/2006.
21. Concluindo, a imposição é da Constituição da República, mas a base epistêmica está ditada em outras fontes. Sobre o fundamento do risco que se corre com a sustentação da investigação pelo Ministério Público, alerta de forma excepcional Franco Cordero, falando de um “quadro mental paranóico”. O Ministério Público – e de resto a própria Magistratura – não deve se arriscar em um labor sobre o qual nem os bispos, com os “infinitos” poderes que detinham, deram certo. É, antes de tudo, mais inteligente (como pensou o legislador constituinte) controlar tudo do lado externo; basta concertar os mecanismos justos. Uns, por certo, não querem, porque preferem os riscos, quiçá por conta de outra cena (seria preciso ouvir a Psicanálise), como se fosse um jogo, mas se vê logo que não é, mormente em um país onde as instituições não têm a tradição de garantir a incolumidade de seus membros; e seria ingênuo isso não reconhecer.
22. Esta é, quem sabe, a primordial razão pela qual o sistema, para ser mudado, deve seguir a trajetória preestabelecida; nunca pela manipulação hermenêutica e golpes retóricos, para fazer sobressaírem os justiceiros e seus minutos de glória. Como evidenciou o abade Lacordaire, em matéria como esta, a liberdade escraviza e a lei liberta. Daí ser necessária a estrita observância da Constituição da República.
23. Destarte, pelos argumentos acima, é a Resolução nº 13/2006 materialmente inconstitucional, razão pela qual requer a declaração de sua inconstitucionalidade, através da presente.
c) Das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 3.806 e nº 2.943. Do Inquérito nº 1.968. Matéria aguardando apreciação por parte desse e. Supremo Tribunal Federal.
24. Por outro lado, não é demais lembrar que o tema objeto do ato normativo federal (investigação realizada pelo próprio órgão do Ministério Público), ora impugnado, é objeto de duas ações diretas de inconstitucionalidade (nº 3.806 e nº 2.943), bem como do Inquérito nº 1.968, que se encontram pendentes de julgamento.
25. Com efeito, na ação direta de inconstitucionalidade nº 3.806, proposta pela Associação dos Delegados de Policia do Brasil – ADEPOL, questiona-se a inconstitucionalidade material e formal de dispositivos constantes na Lei Complementar nº 75/2003, Lei Federal nº 8.625/93 e a totalidade da Resolução nº 13/2006 – CNMP, justamente porque, dentre outros, conferem ao órgão do Ministério Público as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, o que rende ofensa aos artigos 2º, 5º, II, LIII e LIV; 22, I; 24, XI;129, I, II, VI, VII e 144, §§ 1º, I, II, IV e 4º, da CR.
26. A constitucionalidade da investigações conduzidas pelo Ministério Público está pendente também de apreciação, pela via incidental, no Inquérito policial nº 1.968, (ora com vistas ao Ministro César Peluso, em face de pedido realizado na sessão de 15 de outubro de 2004), onde a defesa argumenta que a competência de tal órgão está jungida à requisição de diligência e a instauração de Inquérito policial. Neste caso, os votos dos Ministros Marco Aurélio e Nelson Jobim, no sentido da rejeição da denúncia, corroboram a impossibilidade de se conferir poderes investigatórios ao órgão (Ata nº 23 – cópia anexa).
27. Ora, muito embora somente a declaração de inconstitucionalidade tenha eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, nos termos do o artigo 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99, é mister salientar que, diante do atual quadro de questionamentos junto a esse e. Supremo Tribunal Federal, cujo conhecimento por parte do d. órgão do Ministério Público é inquestionável, não cabe a tentativa de burla ao controle de constitucionalidade, com manipulações retóricas para alcançar o fim pretendido: o inconstitucional poder de investigação do Ministério Público
28. Além do mais, resta salientar que esse excelso Supremo Tribunal Federal já decidiu, por força de outras demandas que não o controle abstrato, a impossibilidade do Ministério Público conduzir investigações criminais, verbis:
“…mesmo porque não cabe ao Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (CF, art. 144, parágrafos 1º. e 4º)” (RE 205.473-9, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 19.03.99).
“… Pode o Ministério Público, portanto, presentes as normas do inc. VIII, do art. 129, de CF, requisitar diligências investigatórias e requisitar a instauração de Inquérito policial, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. As diligências investigatórias e a instauração de Inquérito policial deverão ser requisitas, obviamente, à autoridade policial. (…) Somente a autoridade judiciária, que tem o dever de ser imparcial, por isso mesmo procederá com cautela, com prudência e moderação, é que, provocada pelo Ministério Público, poderá autorizar a quebra de sigilo. O Ministério Púbico, por mais importantes que sejam suas funções, não tem a obrigação de ser imparcial. Sendo parte – advogado da sociedade – a parcialidade lhe é inerente. Então, como poderia a parte, que tem interesse na ação, efetivar, ela própria, a quebra de um direito inerente à privacidade, que é garantido pela Constituição? (…)” (RE 215.301, 2ª. Turma, Rel. Min. Carlos Veloso).
“…observe-se, em primeiro lugar, que ao Ministério Público cumpre tão-somente ‘promover o Inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e dos outros interesses difusos e coletivos’ (inciso III do artigo 129 da Constituição Federal). O que se contém no inciso VIII do referido artigo, ou seja, a atribuição de requisitar diligências investigatórias e a instauração de Inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais, é conducente a concluir-se não lhe caber a feitura, em si, do Inquérito policial” (Reclamação nº 1.110-1-DF, Min. Marco Aurélio).
23. Neste compasso, ao que tudo indica, pretende o d. órgão do Ministério Público, insistentemente, burlar o controle de constitucionalidade e, com a Resolução nº 13/2006, obter amplos poderes investigatórios, de forma afrontosa aos ditames da Constituição da República, mormente considerando que a jurisprudência desse e. S.T.F. tende a perfilhar posição diversa da esposada, além de constituir objeto de controle abstrato e concreto, que, até o momento, não recebeu exame de mérito.
III – Da necessidade de concessão de medida liminar
01. A Lei nº 9.868/1999 prevê, em seus arts. 10 e ss., a possibilidade de concessão de medida cautelar em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
02. Como se sabe, os requisitos para a concessão de tal medida são a relevância jurídica do pedido (fumus boni iuris) e o perigo da demora (periculum in mora).
03. Primeiramente, quanto à relevância jurídica do pedido, ficou amplamente demonstrado acima que a Resolução nº 13 é inconstitucional, quer por ofensa ao art. 144, quer por ofensa ao artigo 129, ambos da Constituição da República, o que é de clareza solar e não demanda maior indagação jurídica.
04. Quanto ao periculum in mora, por sua vez, a manutenção da referida Resolução até futuro julgamento do processo decorrente desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, trará prejuízos inúmeros para os jurisdicionados, eis que correrão sérios riscos com as investigações instauradas pelo Ministério Público, em razão da própria parcialidade a ele inerente.
05. Com efeito, não obstante a clareza da inconstitucionalidade, o que por si só enseja a suspensão dos efeitos da Resolução ora impugnada, serão os cidadãos os maiores prejudicados, pois, como dito, a Resolução, dentre outros, permite que o Ministério Público conduza investigação criminal, produzindo provas carreadas de parcialidade, a fim de dar ensejo a ações penais, com total desrespeito ao princípio do devido processo legal. Basta pensar que, podendo exigir o comparecimento de pessoas à sua presenca, caracterizar-se-á crime de desobediência (art. 330 C.P.) a ausência injustificada. Só isso já bastaria à medida cautelar.
06. Ora, se o órgão do Ministério Público não é obrigado a ser imparcial, como garantir que as provas por ele produzidas o sejam? Dúvida não há, portanto, dos inúmeros prejuízos que decorrerão aos cidadãos caso não seja suspensa a Resolução impugnada.
07. Por todo o exposto, estando presentes os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, requer a imediata sustação dos efeitos da Resolução nº 13/2006, lembrando, por oportuno, que a concessão de medida liminar não trará nenhum prejuízo irreparável ao interesse público.
IV – Do pedido
Diante de todo o exposto, requer:
(i) a distribuição por prevenção ao ilustre Ministro Ricardo Lewandowski, por força do que dispõe os artigos 105 e 106, CPC, c.c. 69, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal;
(ii) a concessão de liminar para o fim de suspender, imediatamente, os efeitos da Resolução nº 13/2006, editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público;
(iii) declaração de inconstitucionalidade da Resolução nº 13/2006, tendo em vista a impossibilidade do Conselho Nacional do Ministério Público legislar sobre matéria de processo penal e, materialmente, pela ofensa direta aos arts. 129 e 144, da Constituição da República;
(iv) notificação do ilustre Procurador-geral da República, nos termos do art. 103, § 1º, da Constituição da República;
(v) notificação do ilustre Advogado-geral da União, nos termos do art. 103, § 3º, da Constituição da República;
(vi) notificação do Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público, para que preste as informações no prazo legal.
Nestes termos, pede deferimento.Curitiba, 15 de dezembro de 2006
Roberto BusatoPresidente da Ordem dos Advogados do Brasil
Jacinto Nelson de Miranda CoutinhoOAB/PR nº 8.862